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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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O goleiro Higuita e a defesa da democracia no Brasil

Higuita e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Instagram | Marcos Corrêa/PR)
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Os mais jovens não poderão fazer lembrança de uma lenda do futebol, o grande René Higuita, goleiro da Colômbia que ficou mundialmente conhecido por suas “travessuras” no campo de futebol. Entre os feitos extraordinários do atleta, uma defesa que entrou para a história do esporte mundial quando Higuita fez uma pirueta lançando seu corpo para frente como se fosse dar um mergulho e ergueu os dois pés para cima, numa plasticidade jamais vista daquela maneira, conseguindo alcançar a bola e arremessando-a para longe do gol. Este feito formidável rendeu milhares de bocas abertas estarrecidas no lendário estádio[1] de Wembley (onde rolava a partida) se perguntando como aquilo acontecera; e de milhões de pessoas que até hoje se regozijam ao rever aquela jogada inacreditável e outras magistrais deste atleta[2].

A bem da verdade é que Higuita jamais cumpriu “protocolos” do seu ofício. El loco, como é conhecido pelos fãs, jogando pelo Atlético Nacional, um dos principais clubes da Colômbia, mostrava enorme talento com os pés. Foram centenas as vezes em que saia da área atuando como um jogador de linha. Driblava incrivelmente e por tantas vezes desarmava os adversários para que seus parceiros pudessem avançar rumo ao gol avesso. Também foram muitas as armações que fez próximo ao meio campo, lugar que chegava com facilidade, entortando os pontas do outro time. Sua principal conquista foi a Copa Libertadores da América no ano de 1989 [3]. 

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Quase improvável que seu time tirasse a diferença do primeiro jogo, vencido por 2 x 0 para o Olímpia, do Paraguai, Higuita foi para o “tudo ou nada”. Fez o que podia e o que “não podia” neste jogo. E por sua causa, o Nacional repetiu o placar do jogo de ida. A partida foi para os pênaltis. O herói do gol realizou quatro defesas incríveis e ainda fez o gol decisivo na cobrança das penalidades. El loco completaria até o fim da carreira 41 gols, sendo um dos maiores goleiros artilheiros da história do futebol. 

Contudo, nem sempre os feitos de René Higuita serviram para o bem de seu legado. Dentro de campo, especificamente na Copa do Mundo de 1990, graças a um erro grosseiro, numa de suas saídas de área, tentando driblar o jogador de Camarões, Roger Milla, Higuita perde a bola precocemente, leva um gol de forma tola, e o time adversário eliminará a Colômbia do campeonato. Inúmeras outras vezes isso acontecerá com o jogador pelos clubes que passou. 

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Fora de campo, Higuita se envolve com Pablo Escobar, considerado pela opinião pública e publicada como sendo seu amigo. E numa destas temporadas é pego no exame antidoping, acusado de estar sob efeitos de substâncias irregulares, possivelmente, cocaína. É obrigado a interromper por alguns anos as partidas oficiais. O atleta chegou ainda a ficar meses preso acusado de participação no sequestro de uma criança de 13 anos. Provada sua inocência algum tempo depois, no entanto, o incidente o tirou da Copa do Mundo de 1994. A controvérsia sempre visitava a carreira e a vida deste craque do futebol.

Pois bem! Tento neste instante estabelecer um paralelo[4], falando por esta metáfora da vida real, sobre a democracia no Brasil na dimensão implícita que lhe deriva a sua existência a partir de seus “defensores”. Tal como a carreira de Higuita, nossa democracia é “irreverente”. Uma partida de futebol em cujo espetáculo jamais se fez convencional, protocolar, plenamente estável e seguir um fluxo dentro das regras, formais ou informais do jogo. Trata-se de um movimento complexo, uma partida sempre cheia de surpresas, sustos e apostas controversas. Contudo, todo este arranjo não é culpa da democracia em si, mas dos “jogadores” que a manipulam – como no futebol se faz com a bola – o regime.

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Higuita se vestia com uniformes no mínimo muito estilizados (para não dizer feio, embora feio ou bonito é evento relativo). A irreverência, dentro e fora de campo, e o ousado modo de jogar bola resumiam o atleta. A democracia brasileira sofre deste estereótipo, ou estereotipação. Muito linda nas jogadas que não lhe pertencem (face que ao goleiro, o seu lugar deveria ser o gol e nada mais que isso), veste-se de “roupas estranhas” que desalinham o respeito à sua existência.

De pele marrom-cabocla, na verdade mais para um mameluco (características dos filhos de brancos com indígenas), René Higuita é considerado no mundo do futebol um jogador de baixa estatura para a posição de goleiro: apenas 1,72 metros. Sua ousadia e carisma, no entanto, rendiam um verdadeiro espetáculo adicional em campo. O talento de Higuita, fosse com as mãos (defesas incríveis), ou com os pés (dribles que nem todos os centroavantes conseguem realizar), é algo mágico.

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No entanto, como ele mesmo diz: “como é difícil separar o espetáculo do futebol de resultado”! Tanto mais quando falamos de democracia que, por mais arte que seja, não é folclore e não se pode flertar com o risco de “jogadas” estranhas – como as que derivaram no afastamento em 2016 de uma Presidente da República (Dilma Rousseff) sem qualquer crime cometido; com a continuação da jogada derivando na prisão, novamente sem crime cometido, do então ex-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; tentando terminar com a eleição forjada do Presidente Jair Bolsonaro, a partir de ações controversas nas formalidades do Poder Judiciário, capitaneadas por Sergio Moro e chanceladas pelo STF, e pelo submundo das mentiras em 2018; e continuando com as várias tentativas de golpes do próprio Bolsonaro e diversos sujeitos da República, como a tragédia do último dia 8 de janeiro de 2023, em que ainda se investiga a sua participação direta ou diretamente. O fato é que é irrefutável a ação ou omissão de dezenas de autoridades do País no atentado terrorista juntos aos Poderes da República e na tentativa de deposição do novo Presidente do Brasil, eleito democraticamente, Luiz Inácio Lula da Silva. 

Em resumo, o que estou tentando dizer é que, aos “goleiros” da democracia (membros do Judiciário, deputados e senadores dignos, outros em outros postos-chave) não basta jogar dentro das quatro linhas do campo (Constituição). Ou temos a responsabilidade no nosso agir e fazer o jogo correto e irretocável, ou seremos punidos severamente na História. A questão é que, diferente do futebol, essas “jogadas” sarcásticas causam uma tragédia sem precedentes à sociedade e de longos períodos de dor e sofrimento às pessoas.

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Poder, dinheiro, fama (holofotes) não podem ser mais importantes que a regularidade e o valor sagrado da democracia. O estado da arte do futebol não é o gol, nem as irreverências dentro de campo, infelizmente, mas o resultado favorável. Neste caso é ainda mais rigoroso quando no “jogo” da democracia.

Como o futebol, a democracia é uma paisagem viva. É um arranjo que faz o júbilo das pessoas. Que marca a vida das pessoas no sentido mais sensacional possível. E como uma partida de futebol, quando nosso time é derrotado, sofremos sobremaneira, aguardando alguns dias depois a esperança de vermos novamente nosso time jogar e, quem sabe, vencer, para nos fazer sentir a beleza da energia que brota do âmago. Entretanto, o que difere o futebol da democracia é que, o primeiro é sazonal e volátil e é seccional (pertence a uns o gosto pelo time “A” e a outros a paixão pelo time “B”), portanto, uma derrota pontual tem efeito bem pouco relevante de fato na conjugação da existência e da vida plenamente vivida (em sociedade). A segunda é um formato sagrado de garantia do mais próximo possível do que chamamos de “para todas e todos”, o mais sensível possível da ideia de justiça, equidade, igualdade e direito para todas e todos. Não importa se o sujeito é “torcedor” de um fragmento social “C” ou “D”; de uma ideologia “E” ou “F”; ou se inclusive não torce “para time algum” (arranjos societários), sempre poderá participar da dinâmica social na conquista da emancipação e da liberdade que deriva todos os demais eventos da vida social e da própria condição de existência.

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A verdade é que o futebol permite a existência de um Higuita que, na sua subjetividade e criatividade, pode improvisar a arte e arriscar nos fazer ter momentos formidáveis de adrenalina e prazer. Porém, na democracia não existe este espaço. Há que se ter solidez. O protocolo é rigoroso. O exercício é inegociável. É simplesmente jogar o jogo nas regras estabelecidas e na centralidade que exige o único regime mais próximo do ideal e mais próximo de se atender à plenitude dos interesses e da satisfação de todas e todos…

Ah, a defesa incrível que me referi no início ficou conhecida como “Defesa Escorpião”. Por sorte, o Higuita não tem o ferrão realmente. E nada de mal acontecera à bola. No entanto, no Brasil, os defensores da democracia, boa parte deles, possuem suas centenas de “ferrões” (conveniências) e quase sempre furam a bola antes mesmo do jogo acabar….

………………..

[1] Jogo amistoso entre Inglaterra e Colômbia em 6 de setembro de 1995. A partida terminou em 0 x 0, mas entrou para a história como se fosse uma final de Copa do Mundo com a goleada de uma partida em julgo de zebra.

Veja mais aqui:

https://globoesporte.globo.com/programas/esporte-espetacular/noticia/2011/09/higuita-curte-sua-vida-de-aposentado-quer-ser-politico-e-elogia-rogerio-ceni.html.
[2] Conheça a história de vida e as jogadas de Higuita em: https://medium.com/o-contra-ataque/higuita-o-escorpi%C3%A3o-mais-carism%C3%A1tico-do-mundo-3433eac6ed5c.

[3] Mesmo ano em que seu país vizinho, o Brasil, realiza a primeira eleição democrática para Presidência da República após décadas de Ditadura Militar e assassinatos de resistentes.

[4] Bolsonaro, à exemplo da eliminação do time da Colômbia na Copa do Mundo de 1990, somente foi eleito por um “acidente” produto da irresponsabilidade dos “defensores” da nossa democracia (esta, eliminada). O fascista líquido, ou fascista “trombadinha” da República (rouba até pão no cartão corporativo), jamais teria chances de alçar o posto máximo do Brasil não fossem as saídas erradas (“do gol”) que fazem tantas vezes nossos membros do Poder Judiciário, especialmente da Suprema Corte, a grande mídia brasileira, o Parlamento e tantos mais que, ou simulando uma defesa ousada, ou na incompetência sincera, não usam corretamente os instrumentos que impedem os golpes os quais brotam primeiramente na cognição, isto é, a partir das narrativas esfaceladoras da inteligência coletiva que, a seguir, será capaz de chancelar todos os tipos de aberrações ao Estado Democrático de Direito.

Com efeito, o significante que representa a “eleição” de 2018 é trágico. E mais que as sequelas de não avanço da Colômbia para as quartas de final naquele campeonato, nosso jogo é revestido de uma tragédia jamais recuperável; de vidas e projetos de vida completamente extirpados da produção social e coletiva; da própria existência. 

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