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Agassiz Almeida Filho

Agassiz Almeida Filho é professor de Direito Constitucional na UEPB, autor dos livros Fundamentos do Direito Constitucional (2007), Introdução ao Direito Constitucional (2008) e Formação e Estrutura do Direito Constitucional (2011)

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O Golpe de 64 e a democracia militante

Na história do Brasil, a liberdade para os autoritários não é permitida por ingenuidade, nem para proteger a democracia contra o paradoxo da tolerância 

O Golpe de 64 e a democracia militante
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A democracia militante é um conceito desenvolvido por Karl Loewenstein em 1930. De acordo com o autor alemão, trata-se de um regime político que se defende do totalitarismo e da intolerância com o fim de evitar o desmantelamento da própria democracia. É um conjunto de mecanismos e iniciativas que pretende proteger o regime democrático contra as pessoas e grupos que atuam com o fim de subvertê-lo através dos próprios caminhos democráticos. Seu modus operandi tradicional é o banimento dos partidos políticos antissistema, ou seja, das agremiações partidárias contrárias à ordem democrática estabelecida. Seria o caso, por exemplo, de um partido de extrema-direita que chegasse ao poder através das eleições e que utilizasse o parlamento para implantar uma ditadura. Esta imagem logo nos traz à mente a Alemanha de Hitler ou alguns fragmentos do discurso político de Bolsonaro.

Nas primeiras décadas do século XX, como afirma Jean-François Revel, os autoritários agiam com grande desenvoltura, pois utilizavam livremente as armas da democracia para desestabilizá-la e atentar contra a sua própria existência. No plano político, a ingenuidade dos democratas e o paradoxo da tolerância – se a democracia for intolerante com os intolerantes perde a sua a razão de ser – impediam reações efetivas contra as investidas fascistas. Foi assim que caiu a República de Weimar, em 1933, com a ascensão do nacional-socialismo e o fim da democracia alemã.

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De algum modo, esse passado tenebroso ainda nos persegue na era das autopistas da informação. O imaginário das instituições brasileiras seguramente ainda está vinculado ao início do século passado e à ideia de que cada um faz o que quer no exercício do poder. A democracia militante nunca foi popular entre nós. Aliás, a palavra "militante", seja ela adjetivo ou substantivo, normalmente é banida dos salões e saraus das nossas instituições mais "respeitáveis".

Na história do Brasil, a liberdade para os autoritários não é permitida por ingenuidade, nem para proteger a democracia contra o paradoxo da tolerância. O sociólogo Ricardo Oliveira afirma que o nosso Poder Judiciário, que pode servir de exemplo para a compreensão do Estado brasileiro como um todo, é uma estrutura pré-moderna no sentido weberiano, uma vez que ainda não incorporou a ideia básica de que seus membros devem agir como um aparato institucional direcionado pela lei. Um elemento que certamente nos ajuda a entender esse cenário é o conjunto dos interesses e valores de setores da sociedade que não conseguem avançar democraticamente porque estão presos a estruturas sociais e culturais escravocratas. A propósito, em sua grande maioria, a elite estatal pensa como a elite econômica. E tendo esse cenário como referência, a aparente "desenvoltura dos autoritários" bateu descaradamente à porta dos brasileiros com a proximidade do 31 de março. O que aconteceu e como reagiu a nossa democracia?

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Na última segunda-feira (25), o Presidente Jair Bolsonaro determinou que o Ministério da Defesa fizesse as "comemorações devidas" para que as Forças Armadas celebrassem o Golpe de 64. O fato inusitado se espalhou como notícia após a confirmação da ordem presidencial pelo porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, em declaração feita à imprensa. Uma espécie de ceticismo nacional e de ampla revolta tomou conta do país durante a semana. Afinal, salvo alguns impropérios do General Mourão nos últimos anos e da opinião de poucas figuras inexpressivas da caserna, os militares construíram uma tradição de compromisso com o seu papel constitucional após a redemocratização. Por isso, a democracia deixou de se preocupar com as Forças Armadas como fonte de instabilidade política, corrupção, golpismo e atraso. Essa despreocupação da democracia é uma das chaves para a compreensão dos fatos em torno das "comemorações devidas" de Bolsonaro.

O Ministério Público Federal teceu duras críticas à ideia do Presidente da República de comemorar o Golpe de 64. Afirmou que "é incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado e um regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes internacionais". Sugeriu que os comandantes militares não seguissem a orientação do Ministério da Defesa para que não incorressem na prática de improbidade administrativa. Essa mesma perspectiva também foi adotada pela Justiça Federal e pela Defensoria Pública da União. A perplexidade contra a iniciativa de Bolsonaro se propagou pelo país afora, gerando indignação, revolta e ações políticas as mais variadas, criando um certo consenso político impensável até duas semanas atrás.

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Essa mobilização social é uma espécie de nova roupagem da democracia militante. Baseia-se no papel dos direitos fundamentais e na autonomia das instituições como instrumentos de proteção do regime democrático. A nossa democracia militante, que dormitava nas páginas da Constituição de 88 sem preocupações em relação ao futuro da ordem constitucional, apresenta os primeiros sinais de estar despertando da sua letargia. A reação de tantos brasileiros de amplos espectros ideológicos à comemoração da barbárie demonstra que o desejo de defender a democracia existe de alguma maneira no mais recôndito da nossa cultura política. Precisamos transformar esse lampejo cidadão em um sentimento permanente de resistência democrática e constitucional.

PS: Na madrugada de 1° de abril de 1964, os generais golpistas cometeram vários crimes previstos na legislação que vigorava na época (Lei nº 1.802/ 53), a exemplo da promoção de insurreição armada contra os poderes do Estado (reclusão de 3 a 9 anos) ou de atentado contra a vida, a incolumidade e a liberdade do Presidente da República (reclusão de 10 a 20 anos). O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2010, por crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura militar de 1964.

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