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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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O hacker e o Zeca

Um testemunho é uma “prova”, ou um meio de prova, dentre outros tantos previstos em lei

Walter Delgatti Neto (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Frequento a Hípica desde criança, eu não era sócio e não tinha sequer talento para ser um sócio militante; quem me levava ao clube era o meu tio Pedro Tedeschi, o “maior artilheiro da hípica de todos os tempos” e, como diz o Beto Português: “o clube deve a ele uma homenagem”, mas esse é assunto para outro dia.

A Hípica, sob a presidência do engenheiro Pedro Pupo, é um clube super organizado, cuidado com competência e carinho, além disso realiza aquelas que são consideradas as melhores festas privadas do Brasil. Ontem estivemos lá para a Feijoada, mais uma festa sempre perfeita, pudemos reencontrar amigos de quem o “corre” do dia a dia nos afasta, mesmo eles estando logo ali. 

A atração principal foi o Zeca Pagodinho. 

Eleitor do Lula, Zeca foi recebido com entusiasmo e aplaudido sem economia por uma plateia majoritariamente antipetista. Esse não é um fato bobo, mas exemplar, pois, é prova de que a boa-educação e a civilidade ainda vivem e que há espaço para a convivência respeitosa.

Compartilhamos o dia com meu filho Lucas, minha nora Claudia, seus jovens amigos, dois irmãos, e esposas; eles, cheios de sonhos e com a vida toda pela frente, nos lembraram que os jovens são esperança viva e são eles que iluminam tudo quanto vemos ou apenas sentimos. 

Na mesa ao nosso lado estava o Rander Andrade e sua Ana. Ele é advogado, mineiro e torcedor do Cruzeiro; assustei quando me dei conta que ele fez cinquenta anos; eu o conheci quando ele era estagiário do saudoso Carlos Aparício Mendes de Oliveira - o mais brilhante advogado da minha geração -, talvez por isso eu ainda o veja como um menino, assim como o seu sócio Alessandro Baumgartner, mas ambos são grandes e vitoriosos.

Os poucos minutos que conversei com o João Faccioli foram suficientes para reavivarmos lembranças e compartilharmos a alegria presente que nossos filhos e filha nos dão; não sou capaz de descrever o tamanho da alegria de rever tanta gente e de passar o dia com um dos meus filhos.

Mas, como nada é perfeito, sempre há um “se”, não é? O “se” ontem ficou por conta de um amigo “sem noção” que – em tom de provocação - não perdeu a oportunidade de ao se aproxima, falar o quanto o ex-presidente é honesto, quase um beato, ao passo que o atual presidente é um “descondenado”, um “tri-condenado”, etc. e tal. Estou acostumado com as bobagens do pensamento binário, raso, que considera apenas os extremos e não enxerga a complexidade real das coisas, como se a vida fosse uma equação exata, o que sabemos estar muito longe da verdade. Fiquei sozinho à mesa poucos minutos, mas foi o suficiente para um conhecido aproximar-se e perguntar em tom agressivo: “E ai? Quanto vocês pagaram para o Hacker?”; respirei fundo e pensei: “Que pergunta estupida, foi uma deputada bolsonarista e o próprio Bolsonaro que contrataram o hacker de Araraquara para descredibilizar as urnas e o processo eleitoral”. Sorri, perguntei da família dele e tentei mudar de assunto em vão. Então passei a ouvir o impertinente que, como todo fanático, é cheio de perigosas certezas. De todas as bobagens que ele falou, sempre na defesa do seu ídolo, ele disse que o hacker de Araraquara “tem de provar o que afirmou”. Nesses tempos em que todos são “grandes juristas” ouve-se muita bobagem, então expliquei ao “amigo” que um testemunho é uma “prova”, ou um meio de prova, dentre outros tantos previstos em lei; que a Constituição Federal adota, nos termos do art. 93, inciso IX, o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional; que não há hierarquia entre as provas; que são aceitos todos e quaisquer meios de provas, sendo respeitada a legalidade e a moralidade; que cabe ao juiz fundamentar concretamente o valor atribuído a cada uma das provas.

Tentei explicar ao “impertinente da feijoada” que o testemunho do hacker é um dos meios para demonstração de fato juridicamente relevante, no caso a alegada participação do ex-presidente num movimento ilegal e criminoso de descredibilizar as eleições, as urnas e o TSE, ou, num contexto maior, de verdadeira tentativa de golpe de Estado. 

Mas ele não me ouvia e seguia convicto da conspiração contra o “Mito”. 

Expliquei que o testemunho é uma informação prestada por quem tem, ou diz ter, conhecimento acerca de fato ou qualquer de suas circunstâncias; expliquei que em alguns casos, a prova testemunhal é o único meio probatório, mas no caso no qual é citado o ex-presidente devem existir outras investigações que confirmam ou que falseiem o alegado pelo hacker. 

Observem: eu não disse, nem diria, que o hacker fala a verdade ou que mente, esse é um problema da Polícia Federal, que deverá cotejar o testemunho do hacker com outras provas as quais, por certo, já foram colhidas, mas o impertinente não me ouvia, e, como teria dito Mark Twain: “nenhuma quantidade de evidência irá persuadir um idiota”; ele repetia feito um zumbi: “vocês esquerdistas isso, vocês esquerdistas aquilo”.

Então meio que perdi a paciência e disse a ele que, apesar de eu achar Bolsonaro um lixo não reciclável, o ex-presidente teria, no momento certo, a oportunidade de defender-se; que esse é um assunto policial que não me interessa, pois, os assuntos que me interessam são: Política, Economia, Sociologia, cinema e a Ponte Preta. 

A minha paciência dava sinais de exaustão e a coisa ia ficar feia, mas, como canta o Zeca, “Quando tudo parece ... perdido”, “na hora que a gente menos espera, no fim do túnel aparece uma luz”, e uma “mão me tirou do abismo”, fui salvo pela Celinha, que voltou à mesa com a sobremesa. A fama de brava da Celinha por certo constrangeu o “amigo impertinente”, que despediu-se rapidamente, então pudemos seguir o dia, curtir o show ao lado do Lucas, da Claudia e dos amigos com quem já viajei tantas canções “e ainda há tantas a viajar”.É como dizem “tudo tem o seu tempo determinado”, há “tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz” e aquele foi um dia de amar, um dia de paz.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.