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Pierpaolo Cruz Bottini

Advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

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O limite da responsabilidade

Não é preciso muito para compreender o objetivo da notícia: fazer recair suspeita de parcialidade sobre a decisão de soltura, fragilizar seus fundamentos

Daniel Vorcaro, controlador do Banco Master (Foto: Divulgação)

Na última segunda-feira (1º/12), o ICL, por meio de Cleber Lourenço, publicou a reportagem “Advogado de Vorcaro defendeu desembargadora que revogou sua prisão”. Embora o jornalista afirme que o texto não sugere qualquer relação escusa entre o advogado e a magistrada, não é preciso muito para compreender o objetivo da notícia: fazer recair suspeita de parcialidade sobre a decisão de soltura, fragilizar seus fundamentos e insinuar tenebrosas transações.

Spacca

O que o texto não explica é que o caso nele referido encerrou-se em 2012. Portanto, há 13 anos, quando a desembargadora citada ainda ocupava o cargo de juíza de 1º grau. Também não aponta que o escritório que atuou no caso já defendeu dezenas de juízes, em convênios com associações ou de forma avulsa, durante décadas, de forma que não se tratar de um caso isolado ou pontual.

Ainda deixa de informar — talvez porque se tenha esquecido de pedir esclarecimentos aos personagens antes da publicação, como ensina o bom jornalismo — que entre a magistrada e os advogados não houve qualquer contato posterior a atuação profissional, durante todos estes anos.

Esquece-se, ainda, de informar que o Habeas Corpus de Vorcaro não foi impetrado para aquela referida desembargadora, mas apresentado ao tribunal e distribuído por sorteio para a magistrada. Deixa ainda de apontar que o advogado já atuava no caso antes do pedido de liberdade ser encaminhado àquela julgadora, ou seja, não foi uma contratação de ocasião, fundada em relações ou contatos pessoais.

Ignorou que a magistrada citada não beneficiou os advogados ou o réu no Habeas Corpus descrito no título do texto. Ao contrário. Ao receber o primeiro pedido de soltura, feito pelo advogado em questão e outros, negou a pretensão, e manteve a prisão, conduta incompatível com a de alguém que buscasse ajudar quem quer que seja. A reconsideração posterior se deveu à juntada de documentos oficiais, do Banco Central do Brasil, que demonstraram a ausência de intenção de fuga do réu, e não a qualquer benevolência decorrente de relações passadas.

Direito de defesa

Não se trata de suposição apenas pueril, mas de tentativa de constranger a magistrada que, legitimamente, reconheceu uma prisão ilegal, fundamentou sua decisão e cumpriu seu papel em um Estado de Direito. Busca-se, além disso, atacar a advocacia, colocar em xeque o exercício da defesa, lançar suspeitas insubsistentes sobre aqueles cuja função é se opor à arbitrariedade e aos exageros da persecução penal.

Não faz muito, o país passou por um período triste, quando um messianismo judicial ganhou corpos e mentes, e fez de prisões e da destruição de carreiras sua estratégia de terror, muitas vezes apoiado por matérias que lançavam suspeitas sobre advogados, que ousavam criticar seus métodos, e sobre juízes, que ousavam apontar as ilegalidades.

As lamentáveis consequências desses atos tiveram sobre muitos um efeito pedagógico. Tornaram mais cautelosos os responsáveis pela cobertura de acusações judiciais, consolidaram um jornalismo sério, que checa dados, pede esclarecimentos, e cuida da qualidade do material. Mas, nem sempre as lições da história surtem efeitos sobre todos, e os mesmos erros ressuscitam em ânsias infantis por furos e ilações irresponsáveis, a indicar que a serpente do arbítrio sempre encontrará alguém para saciar suas vontades.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.