O não-choro estridente do bebê "reborn". Que alerta é esse?
Em meio à cultura do individualismo, bonecos que imitam bebês revelam um sintoma inquietante da sociedade moldada pelo consumo e pelo culto à carreira
Por estar morando em uma cidade onde vivem muitos imigrantes (Berlim), pude perceber como a cultura de países orientais e de países islâmicos dão um grande valor em se ter uma família com muitos filhos (as). Já nos países ocidentais e nos que tiveram a sua cultura influenciada pelo Ocidente, o pensamento não é o mesmo. No passado o pensamento era semelhante, mas as coisas mudaram, ou melhor dizendo, mudaram muito. Nestes países se estabeleceu uma supervalorização da carreira profissional, deixando os ideais de família do passado para trás. Uma criança, no máximo duas, começou a ser o ideal para o casal, para que assim não “atrapalhasse” o desenvolvimento da carreira profissional de ambos. E não é incomum, atualmente, encontrarmos casais sem filhos ou pessoas que preferiram se manter solteiras para se dedicarem exclusivamente a suas carreiras.
A diminuição do número de filhos, nos que estão alinhados com a cultura ocidental, provocou inclusive discurso de ódio contra os países muçulmanos. Teorias conspiratórias variadas falam sobre o crescimento do islamismo no mundo, já que nos países islâmicos o número de filhos dos casais é muito maior que nos países de maioria cristã. A propaganda contra os muçulmanos diz que o cristianismo está em risco devido ao crescimento populacional dos países islâmicos. É aquela velha balela que conhecemos de luta do bem contra o mal que consequentemente desemboca na intolerância religiosa. Como se existisse uma religião certa e outra errada, quando em verdade, quando estudamos a história das religiões institucionalizadas, vemos que todas possuem momentos sombrios em sua história. Atualmente podemos verificar isso com o Neopentecostalismo no Brasil, quando vemos neopentecostais clamando por ditadura militar.
Anteriormente ter ou não ter filhos (as) era uma opção do casal, casar ou não casar era uma opção de cada um (a), mas agora isso mudou, pois a propaganda em torno da supervalorização da carreira profissional provocou uma forçada mudança de comportamento nas sociedades que foram influenciadas pelo pensamento ocidental. Ou seja, houve intencionalmente uma mudança de cultura provocada pela propaganda capitalista, onde o que importa é o sucesso profissional, o restante pode ficar em segundo, terceiro ou piores planos. Note que vários filmes hollywoodianos mostram, por exemplo, policiais, agentes secretos, médicos, empresários e vários outros profissionais que só vivem para a sua carreira e que têm a sua vida familiar toda desestruturada, ou seja, estamos submetidos a esta propaganda de supervalorização da carreira profissional há várias décadas.
E não é somente essa a mudança de comportamento que está ocorrendo. Após a pandemia muita coisa mudou e continua mudando. Bares estão fechando e casas noturnas estão fechando. As pessoas estão ficando cada vez mais em casa. Tudo isso ajuda a prosperar os serviços fornecidos na Internet (redes sociais, streaming, e-commerce e tudo o mais que está presente na rede). Assim, as pessoas estão se mantendo mais conectadas remotamente e menos conectadas localmente. É uma mudança de comportamento forçada e vantajosa para os que lucram através do aprisionamento gerado pelas redes digitais.
Usa-se inclusive propagandas relacionadas à saúde para esta mudança comportamental. Isso ou aquilo faz mal, isso ou aquilo faz bem, como já diziam Roberto e Erasmo: “me diga amigo meu, será que tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda?”. Então, vemos, por exemplo, a diminuição do consumo de cerveja na Alemanha ocorrer devido a este tipo de propaganda. Através da “supervalorização” (entre aspas, pois a intenção é outra) da saúde, que mais parece uma “ditadura” da saúde, faz com que as pessoas mudem o seu comportamento cultural. É assim que, como uma boiada, a população passa a seguir as tendências vendidas diariamente na Internet. A palavra é essa mesma: “vendidas”; pois neste caso, a saúde virou um novo produto de vendas nas redes. Isso não é nada diferente do que já foi escrito por Foucault sobre a Biopolítica.
No início, os ocidentais substituíram as crianças por animais domésticos. E a propósito, não há nada de errado em se ter animais domésticos, o que se está tratando aqui é uma coisa bem diferente. Aqui estamos falando sobre a mudança de comportamento que parte do mundo está tendo devido a uma intensa propaganda que está sendo feita para promover a supervalorização das carreiras profissionais e de tudo o mais que seja de interesse do capitalismo. E sobre os animais domésticos, como era de esperar, eles também se tornaram um produto na sociedade do consumo capitalista, vejam a quantidade de produtos que temos hoje disponíveis para os nossos amigos “pets”. No capitalismo a tendência é essa mesma, fazer com que tudo seja vendável para que o lucro venha de toda parte. Inclusive nós nos transformamos em produtos nas redes sociais, pois somos oferecidos pelas redes para as empresas que nos oferecem produtos para comprar. Ou seja, nos tornamos produtos adquirindo produtos na rede.
Atualmente, a opção de substituição dos filhos (as) que está sendo feita pelos casais são os bebês “reborn”. O que às vezes parece uma insanidade coletiva, caso olhemos com mais cuidado quem lucra com essas mudanças de comportamento, então podemos identificar os reais causadores do problema. Esse tipo de situação não deve ser analisada superficialmente, pois caso contrário, caímos na armadilha de mais uma vez jogar a culpa na sociedade, no povo, quando, na verdade, existem grupos poderosos que têm imensos interesse nessas mudanças de comportamento. E estes grupos investem rios de dinheiro para manter toda a sociedade como gado, mesmo que este gado esteja sendo direcionado para o abate.
Achar que essa questão do bebê “reborn” começou do nada, que é somente um modismo, é querer tapar o sol com a peneira. Imagina uma pessoa que tem uma forte dor de cabeça, toma remédio para curar a dor, mas no dia seguinte tem novamente a mesma dor. E assim passa um, dois, três meses com forte dor de cabeça e tomando remédio para cessar a dor. O correto é consultar um médico para ver o que está realmente ocorrendo, pois pode ser um problema de saúde que até demande uma operação na cabeça e caso não seja tratado logo, poderá até levar à morte. Esse caso do bebê “reborn” é um sintoma que deve ser cuidadosamente estudado, pois está sinalizando a presença de algo grave em nossa sociedade. Isso não parece ser um renascer, como o nome em inglês sugere (“reborn”), está mais parecendo o aprofundamento de uma doença que está agravando o seu quadro na sociedade do consumo na qual vivemos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

