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Wanderley Anchieta

Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Seus temas de pesquisa incluem os mitos, os personagens, as narrativas, manipulações, etc. É parceiro e membro do projeto Conecta UFF.

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O poder do Mito

O herói que supera obstáculos ganha ainda mais força entre seus leitores, espectadores ou eleitores. Assim foi com um Mito forte como Lula, que venceu a extrema pobreza e chegou até a ONU. E assim é com o “mito” atual, que superou trinta anos de congresso, aparentemente, “sem se corromper”

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Por Wanderley Anchieta

Como já dissemos em nossa primeira e segunda coluna, os mitos são as histórias e, a grosso modo, eles podem ser trágicos ou cômicos – em verdade, há uma gradação de cinzas entre esses opostos, as quais não comentaremos agora por questão de espaço e foco. Voltemos ao nosso exemplo primordial de Mito: Aquiles. Praticamente um Deus, descrito como forte e belo, e especialmente, invencível. Ou seja, uma verdadeira máquina de guerra. E, de fato, Aquiles promoveu uma grande devastação em Tróia a fim de vingar a morte do grande amigo Pátroclo, morto por Heitor, líder dos exércitos troianos.

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Ocorre que, conforme comentamos, o invencível Aquiles havia sido alertado por sua mãe, Tétis, que não retornaria vivo da guerra. Se lá fosse, ganharia seu cabo e “renome imorredouro”. E assim, Aquiles é até hoje comentado – como todo mito genial, evidentemente não só por mim, não só agora. Por mais de dois mil anos seu nome circula em nossa cultura e não há sinais de que o mesmo vá desaparecer tão cedo. 

Por qual razão insistimos tanto em Aquiles? Pois ele é o exato oposto daqueles mitos citados na segunda coluna, os tais que só ganham algum escopo porque se repetem infinitamente sem se mover. Hitler foi um desses casos. “Mito” para os alemães dos anos 1930, ele erradicou a pobreza gritante no país e o tornou numa potência bélica que, por pouco, não tomou o mundo. Dito assim, de forma simplista – como, via de regra, os mitos mais banais costumam se apresentar, os feitos de Hitler parecem heroicos (ao menos, antes da Guerra em si e do extermínio de judeus, comunistas, ciganos, etc.). Ocorre que

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Até 1936, Adolf Hitler alavancou o marco alemão fazendo o valor do PIB subir 102% e a renda per capta dobrar, reduziu a super inflação alemã à meros 25% anuais e rebaixou o número de desempregados, de 6 milhões, para incríveis 900 mil pessoas. Como ele fez isso? Fazendo exatamente o que Michel Temer faz hoje: obrigou o trabalhador a trabalhar muito mais para arcar com custos de erros estatais e corrupção, forçando uma economia desastrosa a crescer no incerto, explorando sempre os mais pobres. Para todos esses aspectos, Hitler não resolveu o problema econômico alemão, só adiou uma dor de cabeça que, segundo seus próprios assessores, nem ele mesmo sabia como resolver.

Não só os mais pobres. Seus elementos de ódio, capturados, como Primo Levi, que era engenheiro químico, foram explorados em sua função. Ou seja, Levi foi forçado a trabalhar enquanto engenheiro para os nazistas. Novamente, repetimos: mas como Hitler conseguiu fazer tudo isso? O fez porque tinha o apoio massivo das classes médias e altas que praticamente só viam o crescimento do PIB e a valorização de sua moeda. E o chamavam de mito precisamente por seus feitos “heróicos” na reconstrução do país. Olhando a citação acima, cabe indagar: que reconstrução? Pois é. Aí está o poder retórico do mito. Em sua repetição de certos maneirismos ou fraseados simplistas que agradem uma certa base, um mito qualquer é capaz até mesmo de mobilizar um país inteiro ao genocídio, à guerra e à morte.  

Isso pois, ironicamente, sejam os mitos grandes e derradeiros ou apequenados e ridículos, ambos são igualmente capazes de gerar forte empatia. Eis o poder do mito: nos fazer adentrar em sua própria história, simpatizar com alguns de seus elementos (ou muitos, nos de melhor calibre) e, assim, nos enredar em seus próprios objetivos. Enquanto lemos a Ilíada, torcemos por Aquiles. Ao passo que durante nossas sessões de Breaking Bad, por exemplo, ainda que enojados pelos corpos dissolvidos em ácido fluorídrico aqui e acolá, ainda assim, orientávamos nosso mundo para se alinhar com as intenções de Walter White. Os mitos bem montados, ou os ao menos coerentes, possuem esse singelo e impactante poder: eles são capazes de nos aninhar em seu ponto de vista – nos fazendo perceber a realidade à sua maneira.

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É por isso que esse tal de “mito” que anda por aí com sua caneta BIC foi capaz de amealhar tanta gente. Era uma miragem de homem despretensioso, que toma café e pão com leite condensado, usa roupas humildes, fala o linguajar do povo, sem papas na língua, etc. Esses adjetivos que lhe foram imputados cirurgicamente, e repetidos à infinidade, tiveram a força de convencer muita gente a ver as coisas por esse mesmo ângulo: aquele na qual a “velha política precisava ser jogada fora”, em que era necessário “mudar tudo isso que está aí”. Por sinal, evidente que esse mito ganhou muita força em sua peripécia: a facada. O herói que supera obstáculos ganha ainda mais força entre seus leitores, espectadores ou eleitores. Assim foi com um Mito forte como Lula, que venceu a extrema pobreza e chegou até a ONU, falando coisas belas, fazendo ecoar naquelas paredes poderosas nosso lindo idioma – enquanto alguns, mesquinhos em seu mundo pequeno e triste, achavam o “ó” um presidente não saber falar inglês. E assim é com o “mito” atual, que superou trinta anos de congresso, aparentemente, “sem se corromper”. Que se apresenta como homem do povo, que se prometeu anti-establishment: ganhando corpo mítico com todos esses adjetivos, mui possivelmente falsos e montados; ademais, com a virada triunfal de sua recuperação após o suposto atentado, então, “lacrou” e “mitou”. Ainda que, mesmo naquele ponto, já houvesse controvérsias quanto a isso. 

Esse ensaio foi pensado como parte de uma série quinzenal: os próximos lidarão, por exemplo: Como se desconstrói um mito qualquer? Para que servem os mitos?

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