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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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O tapa na cara

Agressão expõe a persistência do racismo e a naturalização da desigualdade no cotidiano brasileiro

Trabalhadora doméstica (Foto: Reprodução/Agência IBGE )

O tapa na cara da mãe do Lázaro Ramos é um tapa na cara de todos nós. De todos os que discriminamos, os que superexploramos, os que não respeitamos os(as) outros(as). Os que não levamos em conta que elas também têm família, marido, filhos, pais e mães.

Uma vez o Lula foi falar com a empregada, na cozinha de uma casa que ele visitava. A empregada lhe disse: “Sempre dizem que eu faço parte da família. Mas pergunta se eu vou estar no testamento!”.

Lula tem razão também de dizer que uma das coisas que seu governo fez, que mais suscitou rejeições e até mesmo ódio a ele, foi a afirmação dos direitos das empregadas domésticas como trabalhadoras. Com horário de começo e de fim da jornada.

Como assim? Elas têm que acordar as crianças cedo, dar-lhes banho, colocar-lhes os uniformes, dar-lhes café e levá-las à escola. E, no fim do dia, na hora que o patrão chegar, fazer jantar para ele. Não importa a hora que seja uma coisa ou outra.

Hora de almoço e do jantar é hora do almoço e do jantar dos patrões e dos seus filhos. As empregadas que comam o que sobra, na hora que for.

(Louco para ver o filme A Empregada. Como será que elas serão retratadas?).

Como sindicalização das empregadas domésticas? Como 13º salário? Como reajuste salarial anual?

Aquele tapa na cara dói em todos nós. Em todos os que as tratamos como seres inferiores, sem direitos, apenas com muitos deveres.

Como fazer com que a luta de classes entre dentro dos nossos sagrados lares, onde só valem os direitos dos donos da casa?

Nossas sociedades se acostumaram a ter empregadas domésticas, a delegar-lhes até mesmo a educação dos nossos filhos. Se acostumaram a ter um excedente de mão de obra, que se dispõe a topar essas condições de trabalho e de salário.

Sabemos que a maioria da nossa sociedade é negra. Mas só nos relacionamos com eles como seres pobres, com poucos direitos, com muitos deveres.

Vivemos ainda na sociedade mais desigual do continente mais desigual do mundo, em que as mulheres negras existem como nossas empregadas domésticas.

Convivemos com as desigualdades como algo naturalizado. Sempre foi assim. E sempre será?

Nem conseguimos imaginar sociedades em que os negros e negras tenham os mesmos direitos que nós. Em que ninguém se atreva a dar um tapa na cara da nossa mãe ou na mãe deles.

Não sei se foi no Fernando Pessoa que li algo como “Nunca levei porrada”, ou no Drummond. Mas o simbólico do tapa na cara sempre foi forte, inclusive no cinema.

Só sei que esse tapa, na mãe do Lázaro Ramos, doeu mais do que qualquer outro. Vindo de quem veio e em quem foi dado!

Que ninguém nunca mais se atreva a dar-lhe qualquer tipo de tapa. Que doerá em todos nós.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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