Obra de arte: escudo e aríete
A arte é escudo que protege da mediocridade, mas é também aríete que vai nos ajudar a romper muralhas e resgatar incautos aprisionados pelo bolsonarismo
Aqui em casa somos apaixonados pela 7ª Arte; sim, gostamos de filmes. Aliás, o termo “7ª arte”, usado para designar o cinema, foi criado por Ricciotto Canudo no "Manifesto das Sete Artes", de 1912. Antes do cinema estabelecer-se como arte, a humanidade reconhecia a (i) música, as (ii) artes cênicas, a (iii) pintura, a (iv) escultura, a (v) arquitetura e a (vi) literatura; depois do cinema, foram reconhecidas como artes a (viii) fotografia, a (ix) História em quadrinhos e os (x) Vídeo Games (que integram as artes gráficas computadorizadas 2D, 3D e programação).
Temos muitos filmes favoritos, diretores preferidos e sempre falamos sobre eles, nem sempre concordamos sobre o roteiro ou sobre a “moral da história” de cada um deles, mas eles cumprem a função fundamental da obra de arte: inquietar.
A obra e arte se dividem em três categorias, as obras com dimensão: física, social e pessoal; evidentemente essas categorias se sobrepõem na obra de arte. Um militante da democracia, como eu, vê na categoria social da arte, na sua capacidade de inquietar, denunciar e motivar a mudança, a sua principal característica, pois, nessa dimensão a obra de arte aborda aspectos da vida (coletiva) em oposição ao ponto de vista ou experiência individual.
Os espectadores ao serem confrontados com as condições sociais reais que a obra de arte contém e expõe, são capazes de refletir profundamente e numa dimensão que a racionalidade nos permite.
O professor Luís Gabriel Provinciatto, da Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Ciência da Religião, no qual ele, tendo como ponto de partida dois textos – “O guardador de rebanhos”, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935), e “Paisagem criativa: por que permanecemos na província?”, do filósofo Martin Heidegger (1889-1976) –, “levanta a hipótese de que entre experiência e linguagem não há qualquer mediação. (...) de modo que ela se torna um modo possível de significar a existência. Esse sentido é o que a linguagem manifesta, a princípio, não como conceito, mas como linguagem poética: poetar. A poesia, assim, não é aqui compreendida somente como um estilo literário e linguístico, mas como meta explícita da fala. O poetar, concretizando-se de diferentes maneiras, parte de um mesmo ponto: da situação hermenêutica própria de cada existente. Ou seja: o poetar manifesta a experiência em sua individualidade, intersubjetividade e objetividade. Isso é o que aproxima Caeiro e Heidegger: por vias distintas, poeta e pensador permitem compreender a experiência da vida manifestada na linguagem. O poetar se mostra como salvaguarda da fé, da poesia e do pensamento, pois lhes permite ser enquanto tal, manifestando-se de diferentes modos”, a 7ª Arte é assim, capaz de dar universalidade à experiência individual.
A arte, a obra de arte é escudo que protege da mediocridade e do mal, mas é também aríete que vai nos ajudar a romper muralhas e resgatar incautos que estão aprisionados e intoxicados pelo bolsonarismo.
Mas vamos voltar ao cinema, aos filmes e às polêmicas (estas meu lugar de conforto no mundo caótico e injusto que assistimos passando à nossa frente), vou comentar um filme clássico: “Metrópoles” (1927), ficção cientifica do austríaco Fritz Lang, que impactou grandemente a minha vida.
O filme, ambientado num imaginário ano de 2026, retrata ricos industriais governando a grande cidade de Metrópolis a partir de arranha-céus, com luxo, lazer, muito prazer e explorando impiedosamente a força de trabalho dos operários; já os trabalhadores, que vivem e trabalham em regime de semiescravidão nos subterrâneos, operam as máquinas que fornecem energia à cidade e conforto aos habitantes da superfície; os trabalhadores têm vidas miseráveis e humanamente pobres.
Há cenas antológicas, como a troca de turno na fábrica, onde operários parecem zumbis indo e vindo, representação de uma vida sem significado e possibilidade de transcendência.
O dono Metrópolis é Joh Fredersen, um insensível capitalista, cujo nome é Freder, uma espécie de playboy.
Freder se apaixona por Maria, operária que vive no subterrâneo; Freder a avistou quando ela trouxe um grupo de crianças dos trabalhadores para uma espécie de “estudo do meio” até a superfície. Fascinado por Maria, Freder desce para a cidade dos trabalhadores, na tentativa de reencontrá-la e lá testemunha o horror, a injustiça e a miséria. A trama se desenvolve de forma intensa.
Há também Rotwang, um inventor meio maluco que criou um robô à imagem do ser humano; Maria acredita na bondade do ser humano, mas a bondade humana surge de onde não se espera, assista.
É um filme sobre a luta de classes, injustiça e privilégios; foi produzido e lançado no período entreguerras, a obra de arte de Fritz Lang que me ajudou a pensar o mundo através da dor e da necessidade do outro, me ajudou a entender que não basta que eu esteja bem, se a sociedade está doente.
“Metrópolis” é considerado um dos maiores clássicos de todos os tempos e Fritz Lang um dos grandes expoentes do expressionismo alemão; o filme trouxe inovações técnicas, e se transformou em um dos primeiros de ficção científica. Com um tom profético e atual, faz também uma correlação com a religiosidade e uma simbologia que vale a pena ser revisitada ou conhecida.
Essa é a dica da semana. Outro dia vou escrever sobre “Tempos Modernos” de Chaplin, um filme de 1936.
e.t. os incautos que levam a sério detritos como Pablo Marçal e Nikolas Ferreira, dentre outros sob produtos do chorume bolsonarista, precisam assistir filmes como Metropolis e refletir sobre o mal que semeiam na busca de likes, engajamento, monetização e o quanto a lógica olavobolsonarista destrói a sociedade e a possibilidade de civilidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

