Obrigada, meninos Bolsonaros
A prisão agravada de Jair Bolsonaro revela a ironia de um patriarca derrubado pela própria família, treinada para obedecer sem limites
O agravamento da prisão de Jair Bolsonaro, que deixou a condição domiciliar e passou a preventiva fechada neste sábado, não é apenas uma decisão judicial. É uma ironia histórica dessas que não pedem ajuda à ficção para parecerem trágicas. Não se trata de uma rebelião consciente como a de Zeus contra Cronos nem de um colapso afetivo como o de Rei Lear diante das próprias filhas. O que se vê agora é a sabotagem perfeita, involuntária, fabricada dentro da própria casa. É o patriarca derrubado pelos filhos que ele moldou para serem não indivíduos, mas extensões obedientes da sua vontade.
O eixo dessa história é o narcisismo político. Bolsonaro nunca quis filhos no sentido comum, com autonomia ou trajetória própria. Quis instrumentos, multiplicadores, garantias simbólicas de poder. Criou uma prole treinada para confirmar suas paranoias e reproduzir seu desprezo pelas regras, como se a família fosse uma exceção orgânica ao Estado de Direito. Ao longo dos anos, instalou neles a certeza de que leis são obstáculos negociáveis e que qualquer ameaça externa é perseguição. O resultado é um grupo incapaz de medir risco e condicionado a confundir imprudência com lealdade.
Foi nesse ambiente de delírio compartilhado que o ciclo se fechou. O agravamento da prisão não veio por manifestações públicas, mas pela soma das evidências de que o núcleo familiar tentava transformar a detenção domiciliar em ficção. Houve articulação de plano de fuga. Houve tentativa de romper a tornozeleira eletrônica. Houve movimentação incompatível com qualquer regime que pressupõe colaboração mínima. A Justiça interpretou esse conjunto de ações como prova objetiva de que o ex-presidente não apenas ignorava as condições impostas, mas operava ativamente para frustrá-las.
E cada filho colaborou para reforçar esse diagnóstico. Carlos, com as marcas digitais em estruturas clandestinas de vigilância e desinformação, demonstrou que a lógica de obstrução não cessou com a queda do pai. Eduardo, com seu trânsito permanente no submundo da retórica insurrecional, manteve a temperatura política necessária para caracterizar risco continuado. Flávio, ainda que não tenha provocado juridicamente o agravamento da prisão, ajudou a construir o clima de insubordinação simbólica que reforça a ideia de que o grupo não reconhece limites institucionais.
A ironia da peripécia cármica está justamente na coerência fatal dessa cadeia de eventos. Bolsonaro passou anos investindo na construção de um cinturão de lealdade absoluta que, em vez de protegê-lo, anulou qualquer possibilidade de autocontenção. Criou um ambiente familiar em que a própria noção de consequência deixou de existir. O espelho que ergueu para contemplar sua grandeza devolveu agora a imagem precisa da sua vulnerabilidade jurídica.
No fim, não foi o Estado que cercou Bolsonaro. Foi o próprio projeto político e afetivo que ele arquitetou. Foi a soma das práticas que ele naturalizou. Foi a família que cresceu acreditando que a lei não se aplica a quem carrega o sobrenome. Ao tentar escapar, ao romper a tornozeleira, ao acionar seus operadores, Bolsonaro apenas completou a lógica que sempre guiou o clã: a convicção de que poder pessoal vale mais do que ordem institucional. A preventiva fechada é o desfecho inevitável dessa crença.
O carma não está na surpresa, mas na obviedade: criou soldados para defender sua fantasia e terminou derrubado pelas consequências da própria formação. O pai moldou os filhos. E os filhos, sem querer, moldaram a sentença. Obrigada, meninos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




