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Jeová Silva Santana

Professor e escritor

13 artigos

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Pacotes de dor nas Casas Bahia

Não há relatos na reportagem de Thiago Domenici sobre funcionárias na condição de vítimas, mas sim como coadjuvantes dessa tragédia. Sabe-se que o herdeiro, Saul Klein, também seguiu os passos do pai nessas “conquistas” para além da ética empresarial. Imaginem-se quantos destinos foram quebrados, quantos traumas para uma vida inteira

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O Brasil tem sido o cenário das tempestades perfeitas. Tragédia:  comoção ou silêncio, eis a questão. Em torno do último substantivo dessa triste opção shakespeariana, podemos citar o pungente relato de Thiago Domenice, em reportagem publicada na Agência Pública, sobre as violências perpetradas, anos a fio, por Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, contra crianças, adolescentes e mulheres.  Em abril, o Brasil247 somou-se aos poucos veículos, dentro da mídia alternativa, a repercutirem uma matéria tão visceral. 

O jornalista questiona o fato desse longo percurso de abusos cometidos, agora vindos à tona, não terem merecido a pauta dos grandes veículos de comunicação de São Paulo. Se não houve interesse hoje, imagine-se em boa parte do contexto em que o empresário, tido como um dos ícones da meritocracia brasileira, as cometeu sob a cumplicidade de funcionários. 

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Não é possível que não tenha havido alguma denúncia. Intui-se que o mesmo poder financeiro usado para deflorar inocências pobres da periferia paulista, também serviu para acobertar a inação da Imprensa e da Justiça. Diante disso, é preciso dar umas pinceladas sobre o contexto em que o mandatário da rede comercial, hoje nas mãos de outro grupo, estendeu seus tentáculos aproveitando-se da carência afetiva e financeira de suas vítimas. 

Há de se lembrar que, apesar de novas leis e de uma maior vigilância auxiliada por novas tecnologias, ainda são alarmantes os índices de abuso sexual contra meninas e mulheres. Imagine-se numa época em que havia certo pacto de naturalização sobretudo no território midiático. Em relação aos abusos de Samuel Klein, como levar adiante tal tipo de denúncia num tempo em que Xuxa, Tiazinha, Silvio Santos, Gugu Liberato, Gilberto Barros, “o Leão”, e outros ilustres representantes do ramo, usavam o público infantil e feminino como reles moeda de troca?

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Exemplar nesse sentido, foram as nada jovens tardes de domingo, sem contar a programação diária, em que pimpolhos de vários matizes desciam até o chão movidos pela “dança da garrafa”. As cenas estão aí no youtube. Numa delas, Xuxa chega a dizer que “noutro dia estava em todos os jornais”, que ela estaria “acabando, levando as crianças pro mau caminho”. No entanto, ela assegura que não havia ensinado aquilo aos pequenos; que não sabia fazer e ainda estava aprendendo os requebros do remelexo oriundo da Bahia de todos os santos e pecadores.

Xuxa passou anos tentando evitar que se visse uma cena sexual com um menino de onze anos no filme “Amor estranho amor” (1982). Acabou desistindo. Mas o estrago de sua presença na sociedade brasileira é mais embaixo, devido ao contributo para o fenômeno da adultização da criança e da infantilização do adulto, nos mais de vinte anos em que reinou como “Rainha dos Baixinhos”.

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Para ficar no terreno da filmografia, há de se concordar que houve uma mudança de prumo no tocante a certo à vontade do passado. Assim, é inimaginável, hoje, um filme nos moldes de “A menina do lado” (1986), no qual   Reginaldo Farias faz um jornalista quarentão, que se apaixona por uma menina de catorze. Esta é vivida por Flávia Monteiro, que tinha praticamente a idade de sua personagem. A relação entre ambos, além da afetiva, inclui cenas de sexo.

Quanto à televisão, Silvio Santos teve vários quadros voltados para relacionamentos. Em “Namoro na TV”, viam-se várias adolescentes, entre 15 e 17 anos, que deveriam dizer sim ou não a indivíduos geralmente com mais idade. Já o apresentador Gilberto Barros chegou a lançar um LP com o título Me faz um carinho (1988), no qual um menino está sentado em seu colo, com uma das mãos por dentro de sua camisa. Anos mais tarde, com o fortalecimento da internet, a imagem voltou à baila em forma de polêmica tardia junto à explicação: tratava-se do filho do apresentador. Colocara balas dentro do bolso da camisa para convencê-lo a posar. Xuxa não ficou atrás. Na capa de um dos seus discos, Xuxa no carnaval dos baixinhos (1988) colocou um bebê nu e outro com fio dental. Aos que veem naturalidade na cena, há de se perguntar por que duas crianças naquelas  condições e não com um livro ou brinquedo na mão, por exemplo?

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As críticas contemporâneas à capa do apresentador, podem soar anacrônicas, mas indicam uma mudança de postura. Essa, no entanto, por maior que sejam a atenção e a crítica, não é impeditivo para o retorno a um passado nem sempre dourado. Um exemplo recente foi o quadro “Miss infantil” que Silvio Santos (sempre ele) exibiu em 2019, quando jurados e plateia deveriam escolher, entre meninas de maiô, a que tivesse “pernas mais bonitas, o cólon mais bonito, o rosto mais bonito, e o conjunto mais bonito. ”  

Não há relatos na reportagem de Thiago Domenici sobre funcionárias na condição de vítimas, mas sim como coadjuvantes dessa tragédia. Sabe-se que o herdeiro, Saul Klein, também seguiu os passos do pai nessas “conquistas” para além da ética empresarial. Imaginem-se quantos destinos foram quebrados, quantos traumas para uma vida inteira. Infelizmente, o espaço que recebeu os versos “Além de trabalhar / Como empacotadeira / Nas Casas Bahia”, de Chico Cesar, em “Mama África”, que apontam para a condição precária da mulher negra no mercado de trabalho, recebeu o adendo de outra violência devastadora. 

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