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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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Para o STF, nem um indígena, nem uma negra, Lula...

Dona Lindu, dona Francisca, dona Sônia, dona Maria... merecem bem mais que um branco escritor; uma negra jurista; um indígena doutor

(Foto: Agência Brasil)
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O critério, teimo, deve ser primeiro uma sensibilidade real aos direitos humanos. O critério segundo: ter coragem de ser um ministro contra-hegemônico, ou seja, fazer de seus votos e decisões o valor do Direito e do peso dos princípios jurídicos primeiramente afetuosos aos pobres e vulnerabilizados.

Peço licença e faço uma pergunta ao Presidente Lula, mas com o máximo respeito possível: Lula, antes de escolher um nome para substituir o ministro Lewandowski na Suprema Corte, você já se perguntou qual seria a percepção do Direito (da Justiça) para a dona Lindu, sua mamãe? (Não veja como indelicada a minha indagação, contudo, a sua essencialidade implícita. Entendamos.)

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Sou filho de mãe “solteira” (esse termo é tão cruel, por isso as aspas). Assim como o Lula, sei o que é ver minha mãe lutar diante da mais rude sociedade para levar comida a seus filhos. Precisar morar, ou de favor, ou de aluguel, porque o modus operandi de nossa civilização colonial autoriza a concentração da propriedade nas mãos de poucos, enquanto dona Lindu e dona Francisca e milhões de mães nesse Brasil continental não sabem(iam) sequer se seus filhos terão(iriam) um pão para comer no dia seguinte. No meu caso, havia períodos em que o café da manhã de minhas irmãs e meu era um punhado de farinha banhada numa colher de óleo, feita farofa estranha com um pouco de café ralo. No almoço, dividíamos apenas um ovo para três pessoas (+ um pouco de arroz e feijão). O jantar: a dúvida se teríamos em cada noite. E não era um dia esporádico, mas semanas afins. 

Lula (e dona Lindu) sofreram tão mais que eu (e dona Francisca). Outros padecem mais que Lula e eu padecemos. Qual é o sistema de Justiça para gente como a gente? Na divisão dos Três Poderes da República, o Judiciário nada tem a ver com a farofa e óleo que comíamos lá em casa, ou com a fome que o Lula e seus irmãos passaram?

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Evidentemente que Lula está praticamente decidido. E o Zanin é o favorito para essa cadeira. Zanin é um advogado gigante e do bem, digno em todos os sentidos vistos. Todavia, Zanin precisa mostrar mais, afina, vários ministros do bem votam(ram) contra os espoliados no STF. 

Gosto de exemplificar um caso (entre tantos) que parece somente interessar à economia; parece ser algo meramente vinculado à técnica e dogma do Direito, contudo, mexe objetivamente com a vida de cada pessoa lá na favela, no quilombo, ou em algum canto do interior do Brasil. Quando o STF aceitou a privatização parcelada da Petrobras (caso das Subsidiárias da empresa), a Corte deu um recado claro: que privilegia o mercado, os poderosos, e não a transversalidade do sistema de riquezas, recursos e conteúdos do País a fim do fomento à merenda escolar lá na escola mais afastada de Catolé do Rocha (PB), ou das dimensões da pessoa que cata ossos nas lixeiras para fazer uma sopa a seus filhos no Sol Nascente (DF). 

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Entende? Não basta ser impecável no domínio da ciência do Direito; é fundamental aplicar as peneiras críticas e solidárias no arranjo principiológico das normas em disputa naquela Suprema Corte.

Quando afirmo o que afirmo acima, também estou a dizer que não basta deixar que o Senado da República se “desgaste” na hora de votar contra a nomeação do advogado indígena, Eloy Terena, ou da advogada negra, Vera Lúcia Santana (dois dos vários nomes que mais tenho citado nestes textos – ao STF). É fundamental perguntar (na história; e na presença nas ruas e nos movimentos de lutas destas pessoas) se elas realmente estarão comprometidas com as dimensões da justiça justa. (Sim, Roberto Lyra Filho nos ensina que existe o Antidireito. Em outras letras: a lei indigna, ou a justiça injusta que simulam operar o Direito para na verdade arrancar os direitos.)

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O controle de constitucionalidade, matéria prima de maior relevo junto ao STF, opera um conjugado de pesos frente aos princípios. Todavia, quantas decisões tomadas por Suas Excelências que esquecem que na mesma Constituição Federal, o valor do trabalho (emprego e renda) não é menor que o valor da livre iniciativa (mais empresarial)? O direito de propriedade não pode ser maior que as semânticas da sustentabilidade ecológica (que são o sustento da vida humana, agora e daqui a cem anos). Assim também a colisão de uma jurisdicionalidade em que habite de um lado a livre imprensa e, do outro, a imagem (e subjetividades) da pessoa humana. Quando os juízes votam seguindo apenas a correnteza do rio histórico (isto é, a tendência das ideologias de dominação), o que sobra de esperança para a defesa do Direitos Humanos de todos os humanos, particularmente, dos que não podem se defender, realmente, das injustiças?

Enfim, o STF é o pedaço derradeiro da tripartição dos Poderes da República. Todas, absolutamente todas as suas decisões, por mais indireta que seja para as cidadãs e cidadãos lhe alienados, ou aqueles dentro de um ônibus coletivo numa grande cidade, retornando para sua casa após um dia duro de trabalho (“uberizado”), interfere na realidade social, na formação estética dos conteúdos civilizatórios e nas rotinas dos fatos sociais. Não é um mero jogo de cena de uma peça teatral que, no máximo, gera acúmulos em nossa cognição, ou preenche nossa alma de entretenimento. É a vida real de todos e todas nós decidido por 11 cabeças, 11 ideologias, 11 saberes, 11 viveres, 11 representantes dos demais humanos de um País... 

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Dona Lindu, dona Francisca, dona Sônia, dona Maria... merecem bem mais que um branco escritor; uma negra jurista; um indígena doutor. Merecem uma pessoa ultra extraordinária para ocupar aquela cadeira “sagrada” da República...

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