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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Passeio

A gente perdeu o chão aqui em São Paulo. E agora, Nunes?

Passeio (Foto: Luis Cosme Pinto)

Abaixo, uma carta aberta e um convite ao prefeito de São Paulo

Prefeito Ricardo Nunes,

Quando o senhor ajeita o bumbum no banco de couro macio e quentinho do helicóptero que todos nós pagamos, talvez olhe com orgulho para a cidade.

De cima, São Paulo é linda. De longe, parece organizada.

Mas todos sabemos: aqui embaixo é o caos.

Não serei leviano em dizer que o senhor nunca anda pela cidade, mas vejo-lhe pouco sob sol ou chuva, exceto em época de campanha.

Saiba, então, prefeito, que São Paulo é terra de andarilhos. E quanto mais perambulamos, mais sentimos a importância das calçadas.

Prefeito, aprenda a bater perna. Se quiser, leve a escolta da Guarda Civil e chame sua tropa de assessores, serão todos bem-vindos. Na rua, o senhor vai engrossar as panturrilhas e descobrir como os pedestres perderam as calçadas. Aquelas que, outrora, chamavam de passeio.

Eu, que ando bastante, conto alguns casos. Antes das sete horas, as mesas e cadeiras começam a ser enfileiradas em frente a um restaurante aqui da Vila Buarque. São dezenas de lugares, talvez quarenta, cinquenta...todos vazios. Os fregueses só vão almoçar a partir do meio dia, mas a ordem que Joelson e Camila recebem é para montar as mesas logo cedo. Metade da calçada vai pro beleléu.

Os restaurantes vizinhos fazem o mesmo, todo dia.

O nome disso, o senhor sabe, é invasão. Um comércio rouba o espaço público e ninguém consulta os moradores. E se a gente invadir a cozinha ou o salão do bar sem pagar, como é que fica?

São tantas mesas e cadeiras que um bar alugou uma loja só para empilhar a mobília. Quanto a prefeitura arrecada com essa permissão?  Faz o quê com o dinheiro?

Prefeito, como muita gente, eu também gosto de refrescar a goela e ver a vida passar em uma mesa na calçada; mas isso não pode custar a segurança do idoso, do cadeirante, do deficiente visual. Quem fiscaliza? O senhor eu sei que não é. Também nunca vi um funcionário da prefeitura combater o abuso. A polícia? Jamais.

Não são apenas os bares, claro. Lojas espalham banners, lousas; surgem patinetes por aplicativo, moto estacionada; condomínios fixam na calçada cestos enormes de lixo, a loja de utilidades domésticas expõe varais, vassouras; o armazém mineiro anuncia em um cartaz sua goiabada cascão. Tem mais: a construtora avança com o tapume, a betoneira arrebenta o calçamento e de madrugada alguém espalha entulho.

A gente perde o chão, prefeito.

Cleide vende frutas frescas. Donizete anuncia meias. Na sombra da jaqueira, Dagoberto montou barraca com relógios usados. Tudo temperado com a fumaça do espetinho.

É, a calçada é de quem vende, de quem compra, de quem vai e de quem vem. Em frente ao metrô, Graciane oferece rosas e Denilson toca sua flauta até a meia-noite. O mesmo palco, de piso duro e frio, é a cama de muita gente.

Calçada é o que resta aos loucos, bêbados, prostitutas, esquecidos, pedintes. Como não proteger as calçadas e sua gente, prefeito? Podiam ser nossa passarela de todo hora. Mas pisamos cabreiros, de tão quebradas e imundas.  

Aí está um desafio do tamanho de São Paulo. Dinheiro e boas cabeças não faltam.

Prefeito, cuide das calçadas como o senhor cuida da limpeza do helicóptero, da sala da sua casa. Não queremos muito. Piso plano, limpo, sinalizado e áspero para ninguém escorregar.

Sei bem que o senhor é homem ocupado, que não lê qualquer cronista. Liguei então para o serviço de atendimento da prefeitura. Elen, muito educada, anotou as reclamações e pediu um prazo de 120 dias, ou seja, início do ano que vem. Se nada for feito devo ligar de novo. Ao se despedir, informou o protocolo e me desejou boa sorte.

Obrigado.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, semifinalista do prêmio Jabuti 2024.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.