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Jorge Folena

Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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Por que a Câmara dos Deputados sabota a PEC da Segurança?

Como disputas políticas e interesses estaduais travam a proposta que reforça o papel da União na segurança pública

Guilherme Derrite e Hugo Motta em entrevista coletiva (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

No processo constituinte de 1891 (primeira Constituição Republicana), a grande vitória das oligarquias foi a introdução da federação no Brasil, quando os estados (e não mais o poder central, como era no Império,) passaram a ter a prerrogativa da demarcação de terras e o controle do poder de polícia. Desde então, a segurança pública passou a ser atribuição dos estados da federação, que controlam as polícias judiciárias e ostensivas, empregadas para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Ou seja, ao contrário do que é propagado por desinformados e mal intencionados, a responsabilidade de proteger as pessoas e respectivos patrimônios é dos governadores dos estados, que, porém, não desempenham com eficiência sua atribuição desde a fundação da República.

Importante ressaltar  que, nos anos em que governou o Brasil, a extrema direita, além de não apresentar nenhum projeto eficiente de combate ao crime organizado, estabeleceu as facilidades para que ele se espalhasse, ao diminuir a presença do Poder Público na fiscalização federal, e limitou-se a apresentar propostas de eliminação sumária da população pobre. 

Então, fica patente a irresponsabilidade política do presidente da Câmara dos Deputados, ao entregar para a extrema direita a relatoria do projeto de lei, de iniciativa do governo do Presidente Lula, sobre o combate às facções criminosas. O relator, policial que se orgulha de ser matador, foi escolhido a dedo, sendo pessoa sem capacidade para compreender e formular uma política de segurança pública eficaz.

Na realidade, ele foi colocado na relatoria do projeto de lei para impedir a expansão do uso de inteligência pela Polícia Federal contra o crime organizado e as milícias, uma vez que investigações qualificadas podem expor a ligação das forças criminosas com os poderes políticos locais; é por temer essa exposição que os governadores de extrema-direita boicotam qualquer proposta legislativa séria de mudança na segurança pública no país. 

Pois, antes de qualquer coisa, implementar a segurança pública de fato requer o uso de medidas de inteligência; além disso, é preciso abolir as penas de morte, que, apesar de vedadas pela Constituição, são uma realidade constante nas periferias das grandes cidades e no campo, como a de 28 de outubro último, no Rio de Janeiro, que gerou 121 mortos, entre policiais e malfeitores, mas não prendeu nem imobilizou nenhum traficante rico ou poderoso. 

Isso, por si só, demonstra o fracasso da referida operação policial, que não passou de mais uma chacina, imortalizada nas imagens de dezenas de corpos enfileirados em praça pública, uma matança de viés eleitoreiro, planejada e executada com frieza e sem intenção de resolver o problema secular da segurança pública no Estado. O Ministro Alexandre de Moraes, atual relator da ADPF 635, questionou a operação conduzida pelo governador do Rio de Janeiro e determinou a abertura do inquérito policial  número 5.020 no STF.

Para se alcançar a paz social e promover o desenvolvimento do país, o tema da segurança pública precisa ser debatido com profundidade, principalmente porque o ônus da insegurança recai sobre a classe média e os mais pobres, cujas mães perdem seus filhos, geralmente negros, antes dos vinte anos de idade.

Nesse sentido, o presidente Lula assumiu o compromisso de promover o enfrentamento ao crime organizado e enviou a proposta de emenda constitucional que trata da segurança pública, chamando para a União esta atribuição, pois  no plano da realidade impõe-se ao Presidente da República a responsabilidade política por males que são de competência dos governos estaduais, que, no entanto, não têm controle efetivo sobre polícias que atuam como corpos independentes e impenetráveis, não sendo raro que, em muitos estados federados, seus agentes estejam ligados a organizações criminosas, que atuam de modo paralelo ao poder oficial, cobrando por segurança privada e controlando territórios urbanos, juntamente com o narcotráfico.

A segurança pública é um dos mais graves problemas sociais do país, que se reflete na ordem democrática e influencia no exercício da cidadania e do direito de votar, pois é grande a pressão exercida  pelo crime organizado sobre os eleitores, impondo seus representantes para o parlamento ou para os governos. 

Entretanto, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo governo federal teve sua tramitação retardada por decisão do presidente da Câmara, que criou uma “comissão especial sobre competências federativas em segurança pública”, com o objetivo de dificulta a aprovação definitiva do projeto governamental, cuja constitucionalidade já foi reconhecida pela CCJ da Câmara. 

A proposta do governo Lula é o mais importante projeto legislativo sobre o tema, pois confere à Polícia Federal a responsabilidade de agir contra os crimes ambientais e no combate às organizações criminosas (máfias, milícias, cartéis de drogas), que controlam as estruturas dos poderes políticos locais, influenciados pelo tráfico de entorpecentes e pelas “milícias privadas”. 

A proposta de reforma da segurança pública apresentada pelo governo federal mantém as competências e atribuições dos Estados e do Distrito Federal, que ganham o reforço da União, que passa a atuar na coordenação do sistema único de segurança pública, principalmente nas investigações sobre o crime organizado e “milícias privadas”.  Inclui-se ainda a atuação dos Municípios no “policiamento ostensivo e comunitário”, sob o controle externo do Ministério Público. 

Quando governadores de extrema direita se opõem à aprovação da PEC da segurança pública, deixam claro que são contra o uso de inteligência nas operações policiais e não querem que se faça ações sociais nas comunidades, abandonadas há décadas pelo Poder Público estadual.

Portanto, o grande debate sobre segurança pública deve ocorrer primeiro com a mudança da Constituição, e não via legislação infraconstitucional, que será utilizada apenas no segundo momento. Efetivar a segurança pública no país demanda a ampliação imediata do uso de ferramentas de inteligência, para reprimir as grandes organizações criminosas e milícias privadas, que se escondem por trás de atividades empresariais e financeiras, como demonstrado na operação “carbono oculto” (realizada pela Polícia Federal contra o PCC, em agosto passado, junto com o Ministério Público de São Paulo, sem a participação da policial estadual do governador paulista de extrema direita), que cumpriu mandados de prisão e busca e apreensão sem matar qualquer pessoa.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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