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Jorge Folena

Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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Por que o artigo 142 tem que ser excluído da Constituição

"É importante que a sociedade se una para expurgar do texto constitucional esse instituto da GLO, que pertence a uma velha ordem", escreve Jorge Folena

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Diante da posição da maioria dos ministros do STF sobre a interpretação do artigo 142 da Constituição, considero oportuno retomar o tema e insistir que deve ser reformado o mencionado artigo, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional, para excluir do texto constitucional a Garantia da Lei e Ordem, que não é um instituto republicano e alimenta o equivocado simbolismo de que os militares seriam os “tutores” do país, o que não são! 

Vale dizer que desde a promulgação da Constituição de 1988, o que tem despertado a atenção de historiadores, cientistas sociais, jornalistas e juristas é a aplicação recorrente, por parte de sucessivos governos civis, do art. 142 da Constituição para a “garantia” da Lei e da Ordem (GLO), com o emprego das Forças Armadas (FFAA) para substituir ou suplementar o papel da polícia.

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Assim, diante da atual conjuntura do País, considero necessário, por meio deste trabalho, analisar as origens da GLO, para verificar se esse instituto é compatível com o sistema republicano, inclusive a partir da experiência da Constituição de Weimar de 1919.

Isto porque, em agosto de 2019, diante de pressões políticas de grupos autoritários e da tentativa de fortalecimento da extrema-direita na Alemanha, retomou-se o debate naquele país sobre “os três erros fundamentais da Constituição de Weimar”, que então completava cem anos.

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Os três erros daquela constituição seriam os artigos 24, 48 e 53, que previam, em linhas gerais, que o presidente poderia dissolver o parlamento; que o presidente, com a ajuda das forças armadas, poderia intervir para restabelecer a segurança e a ordem pública; e estabelecia a nomeação do primeiro-ministro como atribuição do presidente.

Como afirma Kelerhoff, tais regras eram “herança da constituição do império”, que a ordem republicana, introduzida em Weimar em 1919, não foi capaz de superar, e possibilitaram a ascensão do nazismo de Hitler na Alemanha a partir de 1933.

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Para nós, no Brasil, é muito importante essa lição do passado não resolvido pela República de Weimar, pois passamos a conviver sistematicamente com ameaças de autoritarismo e incentivo à barbárie. As ameaças alcançam até mesmo as instituições políticas, acuadas pela possibilidade de uma suposta “intervenção militar”, que, segundo seus apologistas, teria fundamento a partir do art. 142 da Constituição, que prevê o papel das FFAA, ali incluído o seu emprego em operações de GLO, como previa o art. 48 da Constituição alemã de 1919, que manteve uma regra do antigo regime monárquico, incompatível com a República.

Em razão disso e das ameaças do emprego das FFAA em casos de segurança interna do País, na eterna “tutela dos militares” sobre a política e os civis, é preciso ressaltar que o art. 142 é uma construção incompatível com a noção de República e soberania popular.

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Esse artigo representa um traço do antigo regime absolutista, construído a partir do racionalismo que colocou o monarca acima do povo e como representante máximo da nação, como fez Pedro I, ao fechar o Parlamento (“A Noite da Agonia”, 12/11/1823) e outorgar a Constituição de 1824, cujos artigos 10 e 11 previam que “os poderes políticos (…) são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial” e que “os representantes da nação brasileira são o imperador e a Assembleia Geral”.

Ou seja, o imperador colocava-se como uma instituição (“o representante primeiro da nação”) e acima do povo, com base em construção racional difundida por Hegel, a partir de sua Filosofia do Direito, para justificar a Monarquia constitucional, principalmente depois do Congresso de Viena (1814-1815), que tinha entre seus postulados a restauração da antiga ordem absolutista, mesmo que sob a forte intervenção militar contra os movimentos liberais.

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É neste sentido que a Constituição de 1824, no artigo 98, previa que:

“O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos”.

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O art. 102 da Constituição de 1824 estabelecia que “o Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado”; e, pela redação do art. 148: “ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente à Segurança, e defesa do Império”.

Assim, verifica-se que a força militar poderia ser empregada pelo imperador para garantir “a segurança” contra as rebeliões liberais promovidas por populares ou grupos oposicionistas à Monarquia, no âmbito interno do Estado brasileiro.

Essa utilização dos militares (prevista no art. 148 da Constituição de 1824) segue a lógica do princípio da restauração, conforme proposto no Congresso de Viena (1814-1815), com o uso da intervenção militar interna para reprimir os ideais liberais e garantir a velha ordem absolutista, como forma de manter a lei e a ordem em favor do antigo regime, como se verificou na derrubada da Comuna de Paris (1871).

Ora, a República deveria ter posto fim ao emprego das forças militares na manutenção da segurança interna; porém, a Constituição de 1891 manteve regra idêntica à do absolutismo, ao dispor em seu art. 48 que “compete privativamente ao Presidente da República (…) exercer ou designar quem deva exercer o comando supremo das forças de terra e mar dos Estados Unidos do Brasil, quando forem chamadas às armas em defesa interna ou externa da União”.

Vê-se que as Forças Armadas, artífices da derrubada da Monarquia, mantiveram para si a titularidade do emprego da “defesa interna”, que passou a ser aplicada contra a população negra, mestiça e pobre (Canudos, Contestado, Caldeirão etc.). A medida tinha o objetivo de garantir a manutenção do sistema exploratório vindo da escravidão, iniciado no Brasil Colônia, que passou pelo Império e continuou com a República.

Seguindo essa diretriz de emprego das FFAA na ordem interna, a Constituição de 1934 dispôs, no art. 162, que “as forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, a ordem e a lei”.

Da mesma forma, a Constituição de 1946, no art. 177, dispunha que “destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”; como a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que previa, no art. 91, que “as Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem”.

A Constituição de 1988, documento jurídico da “Nova República”, igualmente, em seu art. 142, dispõe que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

O ponto diferenciador da Constituição de 1988 em relação às constituições anteriores foi a extensão a todos os Poderes constituídos da capacidade de convocar as Forças Armadas, para sua própria garantia e da lei e da ordem. Tal ampliação foi feita para tentar neutralizar eventuais abusos autoritários do Poder Executivo, na medida em que os outros poderes agora podem também requisitar o emprego da Lei e da Ordem, o que pode ser feito inclusive pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional, contra arroubos autoritários do Poder Executivo.

Entretanto, esta ampliação do conjunto de autoridades que podem requisitar a GLO representou a possibilidade de um descontrole institucional ainda maior do uso dos militares na segurança interna, pois não requer a observância das rígidas regras impostas para a decretação do estado de defesa (art. 136 da Constituição), do estado de sítio (art. 137 da Constituição) e da intervenção (artigos 34 e 36 da Constituição), para os quais se exige que sejam previamente ouvidos os Conselhos da República e de Defesa Nacional e que tenham autorização do Congresso Nacional – institutos jurídicos que, em uma ordem liberal, são de uso extremo de um estado de exceção.

Vemos, então, que convocar uma GLO é muito mais simples do que declarar um estado de exceção; porém, uma vez que esta seja instaurada, as forças militares podem, em tese, ser empregadas para impor um regime autoritário, sob um manto de falsa legalidade constitucional.

Foi o que se tentou orquestrar previamente, como comprovam as minutas de decretos apreendidas pela Polícia Federal nas investigações sobre os atos golpistas, que culminaram na tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023, quando a GLO seria empregada inicialmente para formalizar a tomada das ruas do país pelas tropas militares, sendo importante lembrar que milhares de integrantes das forças armadas já ocupavam diversos cargos desde o governo anterior.

Por tudo isso, é importante que a sociedade se una para expurgar do texto constitucional esse instituto da GLO, que pertence a uma velha ordem, já superada, pois não podemos permanecer no mesmo erro cometido pela Constituição de Weimar, que, ao manter uma regra do antigo regime feudal absolutista, incompatível com a República, permitiu a ascensão do nazismo na Alemanha.

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