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Jorge Luiz Souto Maior

Professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Dano moral nas relações de emprego (estúdio editores)

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Primeiro de Maio

"É preciso fazer o enfrentamento com relação a demandas emergenciais; os trabalhadores e trabalhadoras no Brasil não estão mais apenas perdendo direitos, estão perdendo a vida", escreve o professor de direito trabalhista da USP Jorge Luiz Souto Maior

São Paulo SP 01 07 2020 Paralisação de trabalhadores de aplicativos em vários pontos da capital fizeram manifestações. (Foto: Felipe Campos Mello)
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Por Jorge Luiz Souto Maior 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Neste 1º de maio é importante destacar que a reversão da tragédia humanitária, social e econômica em que nos encontramos, depende essencialmente da reação coletiva da classe trabalhadora. Embora não me compita dizer como se devem realizar estas necessárias e urgentes reações, como me considero também integrado à classe que vive do trabalho, penso que posso, legitimamente, ser ao menos propositivo quanto às pautas mais proeminentes.

Primeiro, parece-me oportuno dizer que diante da tragédia concreta vivenciada, apenas reproduzir conceituações abstratas, para, em nome de uma coerência teórica, supostamente radical, apenas preconizar que a única solução para os problemas experimentados por trabalhadores e trabalhadoras seria a revolução proletária, deixando, com isto, de fazer qualquer enfrentamento com relação a demandas emergenciais, acaba sendo uma forma de contribuir, por via diversa, para o mesmo efeito desmobilizador e conservador preconizado na visão neoliberal de que as coisas são como são porque não podem ser diferentes e de que o futuro infeliz para a maioria da população é um dado marcado pela inexorabilidade das forças econômicas, contra o quê nada pode ser feito, cabendo, pois, a cada um, buscar o seu próprio espaço de sobrevivência.

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Mas também cabe dizer que a desmobilização e a preservação do presente estado de coisas são igualmente promovidas pela defesa e a esperança de que tudo se resolverá – e apenas assim se dará – nas eleições de 2022, até porque cada vida perdida até não se recupera.

É preciso admitir urgentemente que vivenciamos uma tragédia, que nos impõe, a todas e todos, atitudes emergenciais. Diante do aprofundamento das formas precárias de exploração do trabalho e do descaso dos governos quanto à adoção de efetivas medidas de prevenção, os trabalhadores e trabalhadoras no Brasil não estão mais apenas perdendo direitos, estão perdendo a vida.

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Morrem milhares de pessoas a cada dia (sem falar das subnotificações). Além disso, estão multiplicados, ao extremo, vários dos efeitos colaterais da COVID e da precariedade do mundo trabalho e da miséria; sejam as sequelas propriamente ditas, sejam os sofrimentos físicos e psicológicos que decorrem de toda a situação vivenciada dentro e fora do trabalho – o que não se tem contabilizado, aliás. E isto não parece afetar nem um pouco a política econômica do atual governo, vez que, como já dito pelo Ministro da Economia, não é economicamente sustentável que empregadas domésticas visitem a Disney[1] ou que as pessoas, todas elas, queiram viver 100 anos[2].

O que deve restar bem claro é que as mortes de trabalhadores e trabalhadoras por COVID-19 (ou por quaisquer outras causas), a fome e a debilidade da saúde da população em geral entram de forma previsível e até desejável na conta da economia de mercado, da qual referido Ministro é organicamente vinculado.

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Esta percepção da materialidade concreta atual (com sua origem histórica), repleta de contradições que, bem exploradas, revelam a ideologia que subverte o real, é fundamental para a formação da consciência, de modo a proporcionar ações efetivas para que se alcancem resultados imediatos e necessariamente urgentes em defesa da vida, tais como: licenças-remuneradas; garantia de emprego e de salários; compreensão das atividades verdadeiramente essenciais nos moldes restritos da própria legislação trabalhista, como aquelas ligadas à “conveniência pública” ou a uma “necessidade imperiosa” (art. 67 da CLT), tendo sempre à vista a relevância social e não os interesses econômicos privados; melhoria das condições de trabalho nestas atividades, com redução da jornada de trabalho (extensivo ao teletrabalho), eliminação de metas de produção, exigência e fiscalização da entrega e utilização de equipamentos de proteção individual, afastamento do trabalho dos que integrem grupo de risco, revezamentos, distanciamento, transporte compatível e seguro e alimentação adequada. E cabe destacar que aulas presenciais não são essenciais neste contexto de risco à vida e o número de pessoas em transportes públicos deve ser intensamente reduzido de modo a garantir o distanciamento.

As greves sanitárias e solidárias (daí, inclusive, a essencialidade da greve geral sanitária) estão juridicamente respaldadas pelo princípio de que a defesa de direitos fundamentais, como o direito à vida (o principal deles), não depende de uma lei que o assegure ou defina como deva ser exercido.

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A via judicial, igualmente, não pode ser desprezada e está assegurada pelo direito constitucional de ação que se instrumentaliza também em procedimentos de natureza acautelatória e inibitória para garantir a efetividade das medidas de proteção da vida, incluindo a própria garantia do emprego, sendo inafastável, do ponto de vista reparatório (mas que também tem efeito preventivo), a consideração da covid-19 como doença profissional, sem necessidade de prova do nexo causal) não pode ser desprezada.

São extremamente relevantes, ainda, as atuações políticas para: a vacinação pública e direcionada pelo Estado, de todos e todas, respeitando as recomendações médicas, a quebra das patentes, para a produção em escala acelerada das vacinas; a implementação de medidas emergenciais como o lockdown, o isolamento e o toque de recolher; a concessão de auxílio-emergencial digno (mínimo, R$1.000,00); o enfrentamento público da fome, com oferecimento de comida de verdade orgânica e não processada, integrado a um projeto concreto de segurança alimentar; o fortalecimento dos serviços públicos de saúde; a estatização de empresas multinacionais que promovam cessação de suas atividades e não cumpram seu compromisso social mínimo de manter empregos e salários; além da primordial integração dos trabalhadores terceirizados, informais e precarizados de toda à espécie, como os entregadores, às representações coletivas e às lutas trabalhistas.

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Tudo isto, evidentemente, sem perder o horizonte – não muito distante – da construção de outro modelo de sociedade, porque este que está aí, a cada momento que nega direitos e diz que só pode se sustentar com aumento da exploração do trabalho e o desprezo à vida alheia, tratando com naturalidade a morte dos trabalhadores e trabalhadoras, a pobreza e a fome, dá mostras mais que evidentes de suas limitações como uma forma social compatível com toda extensão condição humana.

Notas

[1]. https://oglobo.globo.com/economia/guedes-diz-que-dolar-alto-bom-empregada-domestica-estava-indo-para-disney-uma-festa-danada-24245365

[2]. https://economia.ig.com.br/2021-04-27/paulo-guedes-aumento-expectativa-de-vida.html

 

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