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Tracy Segal

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‪#‎PrimeiroAssédio‬

Somos diariamente destroçadas, fragmentadas para consumo masculino como uma vaca de corte. Expostas no dia a dia do açougue, penduradas em ganchos, enrabadas, sujeitadas a gritos e sussurros de comentários sobre os cortes da preferência do freguês

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Embalada pela enxurrada de relatos sobre o tema, envolta pelo episódio Valentina, o esgoto se destampou e o odor azedo de homens com suas mãos peludas agarrando meninas me assombram, um pesadelo nas redes. Não fujo à regra de ter sofrido o primeiro assédio aos 12 por um namorado da minha mãe na minha casa, e daí por diante os pequenos golpes de homens que acreditam que somos um apetrecho, um produto a mais a ser consumido neste planeta protagonizado pelo macho alfa. Vivi um casamento abusivo de 11 anos com um desfecho que me rendeu uma dívida a perder de vista.

E recentemente sobrevivi a um episódio que poderia constar em obras de realismo fantástico. Resolvi tirar férias e fui com meu atual companheiro a Montevideo (terra de Mujica, legalização da maconha e do aborto). Fomos ao Mercado del puerto, um galpão enorme onde balcões com banquinhos cercam diversas Parrillas (churrasqueiras). Sentamos ao redor de uma que nos apeteceu. O cardápio apresentava cortes inusitados de carne. Perguntamos aos clientes ao nosso lado, uruguaios, o que nos recomendava. Os dois rapazes ao meu lado recomendaram um assado de tiras.

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Eu e meu marido engatamos uma conversa amigável com os rapazes, um professor de Belas Artes e o outro funcionário de uma ONG. Os assuntos corriam fluídos e parecíamos ter conhecido novos amigos no primeiro dia de viagem, uma sorte. Chegou um terceiro amigo deles quando ouvimos o som de tambores, uma marchinha de carnaval que se aproximava. O batuque à brasileira entoado por negros uruguaios (notamos que eram os únicos nesta terra em que negros foram dizimados). Vi umas mulheres arriscando um samba torto e me juntei a elas com o requebro brasileiro e me divertia neste primeiro dia de férias com a alegria da leveza.

Quando parei percebi olhares atônitos que li como admiração pelo meu exímio desempenho na arte do bem sambar. Um velho violeiro, figura folclórica do mercado, veio me parabenizar pela performance e me pediu "una foto". Sem demora me abracei a ele e posei toda prosa para a chapa. Quando ouço uma voz masculina gritar do círculo de pessoas ao meu redor "fotografe su clitóris". O tempo estanca. Meu "homem" neste momento pergunta se aquilo quer dizer aquilo mesmo quando um dos rapazes que conversávamos há pouco balança a cabeça afirmativamente, um pouco envergonhado, porem cúmplice, já que o som asqueroso emitido foi de um amigo seu.

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Fui arrancada de lá antes que pudesse cuspir, bater e esbravejar. O nojo, a revolta, o asco deste HOMEM genérico, grande baluarte da espécie humana, dono do mundo me apossou. A revolta, a vergonha, a impotência. Meu corpo visto como produto de consumo, minha aparência como sinônimo de embalagem onde quanto mais belo mais quero oferecê-lo a consumo, minha subjetividade reduzida a curiosidade excêntrica, minha inteligência apreciada como se fosse um animalzinho que reproduz um maneirismo humano ou uma criança que repete uma atitude adulta sem consciência.

Somos diariamente destroçadas, fragmentadas para consumo masculino como uma vaca de corte. Expostas no dia a dia do açougue, penduradas em ganchos, enrabadas, sujeitadas a gritos e sussurros de comentários sobre os cortes da preferência do freguês (peitos, bundas, coxas...). Estou aqui e sobrevivi bem aos achaques, mas junto minha voz ao coro de mulheres que vêm denunciando o excesso que se faz todo num país machista, num planeta dominado por homens há séculos. ‪#‎MeuUltimoAssedio‬

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