Processo: instrumento democrático. Judiciário: espaço de pacificação de conflitos
Manobras jurídicas da defesa de Bolsonaro expõem disputa interna no STF
Meus queridos professores e professora de Processo Civil, Criminal e de Teoria Geral do Processo, Luiz Arlindo Feriani, Júlio Cardella, José Manuel de Arruda Alvim e Thereza Arruda Alvim, me ensinaram que o “processo” é instrumento democrático de pacificação de conflitos e o Poder Judiciário o espaço de neutralidade para solução.
Vamos lá.
O processo e o Poder Judiciário devem ser vistos como necessários para que o resultado válido seja reconhecido como legítimo pelas partes e pela sociedade, principalmente pela sociedade.
Todo cidadão tem o direito constitucional de manejar o processo, por meio de ações, respostas, recursos, incidentes e pedidos de revisão ou de ações rescisórias, cabendo ao Estado-Juiz censurar e conter excessos, sem tolher direitos.
A ciência processual, área do direito que estuda o processo como um objeto autônomo de conhecimento, define suas premissas metodológicas.
Feita essa introdução, passo a comentar a estratégia anunciada dos brilhantes advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro de buscarem, por meio de um instrumento denominado “revisão criminal”, a anulação do processo — julgado recentemente pela 1ª Turma do STF — ou a mitigação da pena.
Além dos embargos de declaração já apresentados à 1ª Turma e julgados em desfavor de Bolsonaro, especula-se que a defesa do ex-presidente pretende transferir a análise do caso para apreciação da 2ª Turma do tribunal, com a apresentação de um pedido de “revisão criminal”, onde avaliam haver um ambiente mais favorável a Bolsonaro, especialmente após a ida do ministro Fux para lá.
Isso aconteceria após o trânsito em julgado: sob a alegação de “erro judicial”, buscariam anular a decisão ou reduzir a pena do ex-presidente.
Vejam quantos instrumentos à disposição do ex-presidente.
Mas é curioso que, com tudo isso, ainda há pessoas que acreditam que o ex-presidente não tem à disposição excelentes advogados e que não está garantido o amplo direito de defesa e o devido processo legal.
Vamos em frente.
É possível ao ex-presidente pedir uma tutela de urgência antecedente nos autos da revisão criminal que, sendo concedida liminarmente pelo relator, pode suspender a execução da pena, demonstrando a presença dos requisitos legais: a urgência (o fumus boni iuris) e o risco de dano irreparável (o periculum in mora).
Mas será que a competência é mesmo da 2ª Turma do STF?
Teria o ministro Fux mudado de Turma com vistas a participar do julgamento da revisão criminal, mesmo sabendo estar legalmente impedido?
A defesa do ex-presidente interpreta dispositivos regimentais do STF — artigos 75 e 76 — de forma tal que transforma a 2ª Turma em instância de recurso da 1ª Turma, interpretação que, data vênia, colide com decisões do STF.
Tal interpretação busca transformar a 2ª Turma em espaço recursal, o que não é possível; ademais, os citados artigos não se referem à revisão criminal.
No Capítulo V, “Da Revisão Criminal”, artigo 263 e seguintes do Regimento Interno, não há previsão de que o instrumento “revisão criminal” deva ser analisado por outra Turma.
Se for para tratar a revisão criminal como um recurso — o que não é —, a competência deveria ser do Plenário do STF e não das Turmas, opinião minha.
A jurisprudência do STF consolidou o entendimento de que a revisão criminal deve ser julgada pelo mesmo órgão que proferiu a decisão condenatória, para evitar que o Plenário ou outro colegiado funcione como uma instância recursal para reexaminar as decisões das Turmas.
No HC 74190, da 1ª Turma, que teve como relator o ministro Moreira Alves, decidiu-se que o artigo 101, § 3º, letra "c", da Lei Complementar 35/79 — que atribuía às Seções Especializadas e não aos Grupos de Câmaras Criminais dos Tribunais a competência para processar e julgar as revisões criminais dos julgamentos de primeiro grau, da própria Seção ou das respectivas Turmas — não foi recebido pela atual Constituição de 1988, que, no artigo 96, I, "a", preceitua que compete privativamente aos Tribunais elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.
Portanto, em face da atual Carta Magna, os Tribunais têm amplo poder de dispor e interpretar, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes; ademais, o Regimento do STF não prevê, de forma expressa, que a competência para julgar revisão criminal seria da outra Turma, até porque, repita-se, a 2ª Turma não é instância de recurso.
A revisão criminal tem como finalidade precípua conciliar, de um lado, a exigência de juridicidade da prestação jurisdicional e, de outro, a necessária segurança jurídica decorrente dos pronunciamentos emanados do Estado-Juiz, mediante observância de hipóteses de cabimento taxativamente previstas no ordenamento jurídico e que traduzam situações efetivamente graves que, em tese, possam autorizar a excepcional desconstituição da coisa julgada material.
Por isso, a revisão criminal — que não é recurso — não se presta a, fora de sua destinação normativa, submeter a matéria subjacente ao crivo do Tribunal Pleno ou, como no caso, à 2ª Turma, por razões derivadas exclusivamente do inconformismo defensivo ou de razões afetas ao suposto desacerto da razoável valoração da prova e/ou do direito.
No caso específico de ações penais originárias de competência de órgão fracionário da Suprema Corte, a medida revisional também não funciona como ferramenta processual apta a inaugurar a jurisdição do colegiado maior ou da outra Turma.
Sendo assim, s.m.j., a competência para analisar eventual revisão criminal é da 1ª Turma.
Ficam essas reflexões.
E.T.: o ministro Fux sabe que não pode julgar eventual pedido de revisão criminal, ou qualquer outra questão ligada aos atos golpistas, mas sabe que, em havendo empate, o réu deve ser beneficiado — argumento que Fux refutou no passado. Talvez seja essa a motivação de sua ida à 2ª Turma. Danadinho ele, não?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

