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Paulo Silveira

Sócio fundador do Observatório das Adições Bruce K Alexander (www.observatoriodasadcoes.com.br). Membro fundador do movimento "respeito é BOM e eu gosto!" (www.reBOMeg.com.br)

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Psicoterapia Corporal em Grupo II

Ao compararmos as conquistas sociais de cada povo é fácil de compreender as escolhas feitas inclusive para os cuidados a serem dispensados aos cidadãos

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Dando prosseguimento ao texto publicado na semana passada vamos dar mais um pequeno passo à frente no descortinar dessa técnica tão pouco difundida em nossa sociedade narcísica e egocentrada.

Ao compararmos as conquistas sociais de cada povo é fácil de compreender as escolhas feitas inclusive para os cuidados a serem dispensados aos cidadãos de cada país, a começar que em Cuba educação, saúde e justiça estão integralmente aos cuidados do Estado, enquanto no Brasil...

3)  A Questão Terapêutica

"Ouvi frequentemente a objeção: por que a psicanálise atribui um papel tão preponderante na etiologia das psiconeuroses ao recalque sexual, precisamente?

 A resposta é, no entanto, muito simples.

Goethe disse que "a fome e o amor governam o mundo", o que os biólogos exprimem dizendo que o instinto de preservação e o instinto da reprodução são as tendências mais poderosas do ser vivo. Imaginemos agora que a ingestão de alimentos é que fosse considerada uma atividade vergonhosa, que só poderia ser praticada na condição de jamais se falar nela; se o modo de alimentação e seus objetos estivessem submetidos a um ritual tão severo quanto a satisfação sexual em nossa sociedade, a repressão do instinto de conservação é que desempenharia, sem dúvida, o papel principal na etiologia das psiconeuroses.

É possível que a predominância da sexualidade na etiologia das doenças do psiquismo possa ser atribuída mais a nossa organização social do que a natureza específica dessa causa patogênica." ([1])

 Pensando nessa questão levantada por Ferenczi, ficaria a pergunta:

  Porque as proibições ficaram localizadas nas manifestações sexuais e, por exemplo, nas relativas à alimentação, não?

 A minha resposta é: nem sempre é assim! Quando no ato de alimentar tem-se o prazer por objetivo, ele também é proibido. Nesse momento, passa a ser chamado de gula, um dos dez pecados capitais! A repressão é tanta, que o gordo, teoricamente aquele que come muito, é considerado feio dentro dos nossos padrões estéticos.

 Não é à toa que nossos grandes heróis são mártires (Jesus Cristo, Gandhi, etc); que existem uma infinidade de provérbios que estimulam a negação do prazer, como por exemplo: "Os últimos serão os primeiros.", "Depois da tempestade vem a bonança.", .... Por último, na lenda católica da criação do mundo, Adão e Eva recebem o castigo de Deus por ambos terem comido a fruta proibida e conhecido o prazer.

 O que mais denuncia esse tipo de atitude social, o prazer ser uma sensação proibida, é o fato de que aqueles que dedicam suas vidas a dar prazer (os palhaços, os artistas, as prostitutas etc) são tratados com desdém. É óbvio que em uma sociedade onde o prazer tivesse valor, as pessoas que se dedicassem a ele também teriam, não?

 Wilhein Reich ([2]) (assim como os chineses, hindus e gregos já conheciam há séculos) demonstrou que o fluxo da energia vital provoca um movimento de contração e expansão. De acordo com as experiências de Reich, a expansão acontece quando vivenciamos uma situação de prazer e a contração quando vivenciamos uma situação de desprazer, sejam o prazer e o desprazer de que espécie forem e que a causa da formação da neurose ou da couraça ou ... é exatamente o impedimento deste movimento primário, ou seja, a não permissão da vivência do desprazer e do prazer em sua plenitude.

 Sendo assim, o indivíduo saudável seria aquele que conseguisse viver, plenamente, todas suas emoções, do amor ao ódio, do prazer ao sofrimento. 

 A luta de todo ser humano deveria ser a de nos tornarmos o menos neurótico possível, aprendendo a conviver com nossas neuroses, sem que soframos somente pelo fato de as termos. O perigo está que, freqüentemente, devido à convivência com nossas neuroses, aprendemos a construir situações que nos dão prazer a partir de nossos sofrimentos, pagando um preço excessivamente alto pelo prazer que conquistamos nessas situações. A repetição desse processo, indefinidamente, acaba por construir patologias, agravando todo esse quadro. Freud já nos alertava para esse processo.

"O ego, porém, assume interesse semelhante no desenvolvimento e na manutenção da neurose em todos os outros casos. Já demonstrei (pg. 420) que os sintomas também são apoiados pelo ego, porque possuem um aspecto com o qual oferecem satisfação ao propósito repressor do ego. Ademais, apaziguar um conflito construindo um sintoma é a solução mais conveniente e mais agradável para o princípio do prazer: inquestionavelmente, poupa ao ego uma grande quantidade de trabalho interno que é sentido como penoso....

.....Em circunstâncias comuns, reconhecemos que, refugiando-se na neurose, o ego obtém internamente um certo "ganho proveniente da doença". Em algumas circunstâncias de vida, isto se acompanha, ademais, de uma apreciável vantagem externa que assume um valor real maior ou menor.....

......O ego preferiria libertar-se desse desprazer dos sintomas, sem desistir do ganho que lhe dá a doença, e isto é justamente o que não pode obter.....

......No caso das neuroses, o que corresponde a uma semelhante exploração secundária de uma doença pode ser descrito como o ganho secundário da doença, em contraste com o ganho primário." ([3])

 Retornando ao processo terapêutico, a situação ideal para sua conclusão seria quando o paciente conseguisse resgatar a possibilidade de vivenciar, em toda a sua plenitude, seus sentimentos e angústias, característica essa, intrínseca a todo ser vivo. Como vimos anteriormente, seria nesse estado que teríamos seres vivos saudáveis ([4]), o que, obviamente, é impossível em sua totalidade, uma vez que vivemos em sociedade com leis, convenções etc que nos impede de agir de acordo com nossas emoções primárias, obrigando-nos a conjugar desejo / possibilidades / realidades.

 Dentro do espaço terapêutico, uma artimanha que utilizava com meus pacientes para averiguar qual é ganho secundário de suas neuroses, era a de fazer a pergunta diretamente ao paciente. A experiência demonstrou que esse processo tem mais eficácia se antes é possível trabalhar o narcisismo do paciente e a utilização do processo de livre associação.

 Nessa dinâmica, freqüentemente, a primeira resposta do paciente é afirmar que não existe ganho algum na atitude neurótica, que só consegue perceber sofrimento, etc. Mas aí resgato todo o nosso trabalho com o narcisismo. Quando chega a esse ponto, o que espero é uma manifestação de raiva, o que normalmente acontece. É comum as pessoas descreverem esse momento como se eu as estivesse traindo ou então me tratam como se eu estivesse entrando em sua festa sem ter sido convidado. Não costumo recuar e repito a pergunta. Se a raiva, finalmente, eclode, tenho podido perceber que o processo se fechará com muito mais propriedade, uma vez que, ao perceber a origem de seu procedimento, o paciente já terá a permissão interna para viver todo o seu descontentamento contra o elemento agressor.

 Uma situação em que esse quadro se repetiu com muita freqüência, não vai aqui nenhuma regra, é só um exemplo, é relativo à vivência da depressão. 

 Um belo exemplo é o de uma paciente que me procurou apresentando como queixa um permanente estado de profunda depressão, tendo tentado suicídio, inclusive, uma vez. Ela já havia feito diversos tipos de terapia e, naquele momento, se submetia a um tratamento de psiquiatra, tomando altas doses de medicamentos antidepressivos.

 Sua figura era a de uma pessoa que havia desistido de viver. Seu corpo, totalmente flácido, com um tônus muscular e uma textura de pele típica de uma pessoa idosa. 

 Quando iniciamos nossa relação, ela era casada e tinha um filho, sendo ele a única pessoa com a qual mantinha uma relação afetiva reconhecidamente, o que ocasionava um peso enorme nessa relação.

 Embora tivesse uma família originária (pai, mãe, irmãs) bastante presente em suas falas e relações com diversas pessoas, sejam de seu trabalho, sejam de outros núcleos, queixava-se que não se sentia cúmplice de absolutamente ninguém e, em contrapartida, não se sentia amada por ninguém também. Até mesmo na relação com seu filho, não conseguia reconhecer o amor dele por ela, acreditando que o sentimento que alicerçava a relação dele com ela como era a necessidade e não o prazer.

 Mantinha relações sexuais com seu marido muito esporadicamente e sempre devido a insistência dele, pois não tinha nenhum prazer (achava algo totalmente sem graça) e a penetração lhe causava dor.

 Seu trabalho não lhe despertava nenhum interesse, embora já estivesse desenvolvendo essa atividade e na mesma empresa, há muitos anos, o que lhe possibilitava faltar com muita freqüência, seja devido a longos períodos de licença médica, seja por livre e espontânea vontade.

 Como vemos, sua queixa de abandono era a mais ampla possível.

 Iniciamos o trabalho com a proposta de nos encontrarmos uma vez por semana. Acontece que rapidamente estabelecemos um vínculo extremamente forte o que acabou dando um ritmo intenso ao trabalho, nos obrigando a passarmos alguns meses fazendo sessões diariamente e, em momentos de crise, até mais de uma vez por dia. 

 Logo no início de nossa relação ela decidiu interromper o tratamento com o psiquiatra. Ainda tentei demovê-la da idéia, mas foi impossível. Como estabeleci como condição que ela tivesse um acompanhamento médico, ela aceitou fazer acupuntura com um médico amigo indicado por mim.

 Assim, os avanços aconteciam rapidamente. 

 Por mais que eu tentasse refrear um pouco o ritmo da terapia, tentando dar tempo para que ela fosse solidificando suas conquistas, era impossível. Seu autoconhecimento conquistado nas terapias anteriores, a confiança em nossa relação e uma vontade incrível que foi crescendo aceleradamente no decorrer de nosso trabalho de mudar sua vida, eram combustíveis mais que suficiente para sua corria desenfreada na direção da transformação. 

 Minha estratégia era escutar muito e pouco, muito pouco falar. Havia dias em que eu a cumprimentava na entrada e me despedia na saída, escutando todo o restante do tempo. Durante esse período, foi ficando claro para mim, que ela alternava períodos de euforia com depressão. Algo que começou a me chamar a atenção era que toda a vez que se deparava com algo que não lhe agradava, entrava em depressão, variando a intensidade de acordo com o seu grau de descontentamento.

 Assim, cuidadosamente, fomos construindo um mosaico onde ficava claro para ambos (eu e ela) que por ser uma pessoa "doente" ela era “poupada” de algumas tarefas que ela considerava desagradáveis, como ter que ir trabalhar, ter relações sexuais com seu marido, administrar a casa, etc.

 Com o passar do tempo, fomos aprofundando essa questão até que decidimos que era a hora de ir fazer terapia em grupo também. Ela passaria a ter sessões individuais duas vezes por semana e em grupo uma vez por semana.

 Coloquei-a num grupo composto por cinco mulheres, com ela fechou-se o grupo em seis, onde o ponto em comum dessas mulheres era um enorme desejo de fazer um transformação ampla em suas vidas, embora para cada uma isso tivesse um sentido completamente diferente. Além disso, todas elas desfrutavam de situação financeira e visões de mundo bastante distintas. Esse grupo já existia há bastante tempo e tinha uma produção enorme.

 Como era esperado, seu ingresso no grupo foi extremamente difícil, mas em poucos meses elas criaram uma cumplicidade que permitiu o desenvolvimento de um belo trabalho. Tudo corria serenamente para essa paciente, com suas vivências no grupo permitindo que ela cada vez mais percebesse sua dinâmica de vida, podendo, inclusive, antever suas entradas em depressão e de alguma forma se proteger dos sofrimentos.

 Sua primeira grande conquista no grupo foi quando surgiu uma situação de conflito real dela com outra integrante do grupo e ela ameaçou entrar em depressão, se estabelecendo o seguinte diálogo:

- Não berra comigo que sou doente...

- Foda-se, respondeu a outra paciente.

- Não faz assim que você sabe que entro em depressão.

- Foda-se. Não adianta que você não vai me chantagear com sua “doença” (em tom de deboche). Já estou de saco cheio dessa palhaçada. Hoje vamos resolver esse assunto, nem que eu tenha que te esperar sair da depressão para resolvermos tudo (aos berros)! Não saiu daqui sem que você me peça desculpas de verdade.

- Desculpa, respondeu ela.

- Assim, mecanicamente, não quero, respondeu a outra paciente, levantando-se. Venha até aqui e me dê um abraço.

 Ela levantou-se, deu o abraço que a outra paciente exigiu e desmaiou!

 Quando acordou, estava nos mesmos braços da outra paciente e as duas puderam se abraçar de verdade e chorarem muito juntas.

 Essa vivência trouxe a ela a consciência que a depressão não resolvia nada em sua vida, só adiava seus problemas.

 Tempos depois, uma outra pessoa do grupo, durante uma catarse, reviveu seu parto. Foi uma vivência muito difícil e dolorosa. Quando a vivência dessa outra paciente terminou e tudo estava sob controle, ao olhar para a paciente em questão, observo que ela estava sentada, encolhida em um canto da sala, completamente branca, lívida, e com uma expressão de horror estampada em seu rosto. Naquele momento, a única coisa possível foi acolhê-la.

 Nesse dia, ela sequer consegui sair de meu consultório e tive que voltar a atendê-la no mesmo dia. Ela regrediu enormemente. Nessa sessão a dois, ela chorou compulsivamente durante toda a sessão.

 Aos poucos, durante várias sessões a dois, ela foi me contando que durante a vivência da outra integrante do grupo, havia se lembrado de seu parto. Com muita dor e sofrimento, foi me narrando que se lembrou que havia nascido com o cordão umbilical enrolado no pescoço, tento tido asfixia por causa disso, o que quase lhe levou a morte. 

 Em uma sessão a dois, ela teve a vontade de me narrar toda a história de seu parto de uma única vez. Na medida em que ela ia me contando, uma expressão de horror foi tomando forma em seu rosto, onde ela babava e pela primeira vez, perdeu efetivamente todo seu controle. Com as mãos ela segurava seu pescoço e ao mesmo tempo fazia gestos como se quisesse se desvencilhar de algo que estivesse enrolado nele. Mas a sensação de ter algo lhe apertando a garganta foi mais forte, a ponto dela desmaiar.

 Após termos limpado toda a história, lhe sugeri que conversasse com sua mãe sobre sua gravidez e seu parto. Assim o fez. Foi uma conversa emocionante para as duas, com minha paciente descobrindo que sua mãe adorava ter ficado grávida de todos seus filhos, mas não tinha paciência para cuidar deles, seja na fase de bebê, seja depois. Naquela conversa, minha paciente descobriu que sua mãe evitava conversar sobre seu parto porque se considerava culpada por tudo que havia ocorrido.

 A partir dessa vivência, nos foi possível entender uma série de características suas, como a falta de ar que freqüentemente ela sentia quando se via em situações difíceis; a aflição que tinha em ter qualquer objeto em seu pescoço (roupa, colar), e, principalmente, seu eterno medo em ter que enfrentar situações novas, principalmente as que lhe levassem a transformações em sua vida.

 Com o passar do tempo, foi ficando claro que sua depressão estava diretamente ligada ao seu desejo de voltar a ser feto, situação na qual tinha suas necessidades básicas atendidas, com outrem decidindo por ela e, ainda, a certeza de ser amada. O preço que pagava por isso, era a perda da autonomia e, conseqüentemente, a impossibilidade da conquista.

 Esse seu traço estava presente em toda a sua vida, impedindo-a de amar, de ser amada e, principalmente, de desejar, garantindo assim não ter que viver a perda, pois só perdemos aquilo que possuímos!

  [1] Ferenczi, Sandór; Obras Completas, Psicanálise I, A Respeito das Psiconeuroses; ed. Martins Fontes [2]Reich, Wilhelm; A Função do Orgasmo; ed. Brasiliense [3]Freud, Sigmund; Conferência XXIV, O Estado Neurótico Comum; col Imago, vol. XVI [4] Me utilizo da conjugação dos verbos sempre no pretérito perfeito (seria, poderia, etc) uma vez que esse estado do humano, quando poderia vivenciar / expressar plenamente suas emoções / angústias é absolutamente teórico e, como tal, não permite que construamos uma “certeza”, como explico no decorrer do próprio texto..

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