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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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Qual a diferença entre antissemitismo e antissovieticismo?

Nossa inquietação nuclear é pensar o conjunto de narrativas que, diariamente, são massificadas na cognição da humanidade como estímulo ao ódio

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No primeiro plano, provoco que a diferença depende de quem hegemoniza o discurso, e, portanto, o imaginário das sociedades (pessoas).

Na segunda dimensão, não pretende este texto centrar-se no esforço de buscar um conceito para “sovieticismo”, logo, por oposição, o que seria “antissovieticismo”. Todavia, nossa inquietação nuclear[1] é pensar o conjunto de narrativas que, diariamente, são massificadas na cognição da humanidade como estímulo ao ódio, neste caso, para a repulsa a tudo que brote dos “escombros” da outrora União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), hoje, concentradamente o seu legado residual em poder da Rússia.

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Antissemitismo

Como primeiro escopo, vamos, grosso modo, trazer a síntese do que seja o antissemitismo. Se pegarmos a tradução mais livre de quaisquer dos dicionários, teremos a seguinte acepção: trata-se da aversão, preconceito que se direcione contra qualquer pessoa de descendência semita, ou seja, de origem judaica. Na verdade, desdobra-se para o ódio e a perseguição compreendida também aos árabes, aos assírios e outros povos da região, contudo, como estes, i) não foram as vítimas preponderantes do nazismo de Hitler; e ii) não possuem a proteção do império dos EUA, logo nem são lembrados como sujeitos passivos do risco de violência (as várias violências), assassinatos e todo evento que o ódio é capaz de produzir.
É verdade que nem sempre foi assim. Que o antissemitismo (legitimado tantas vezes pelos povos/Estados nacionais) desdobra-se de inúmeras desculpas. Como nos lembra Hannah Arendt,

“É regra óbvia, se bem que frequentemente esquecida, que o sentimento antijudaico adquire relevância política somente quando pode ser combinado com uma questão política importante, ou quando os interesses grupais dos judeus entram em conflito aberto com os de determinada classe dirigente ou aspirante ao poder. O moderno anti-semitismo, tal como o vimos em países da Europa central e ocidental, tinha causas políticas e não econômicas, enquanto na Polônia e na Romênia foram as complicadas condições de classe que geraram o violento ódio popular aos judeus. (…) Os judeus desses países (…) aparentemente preenchiam as funções da classe média, porque eram, na maioria, donos de lojas e comerciantes, e porque, como grupo, situavam-se entre os grandes latifundiários e os grupos sociais sem propriedades.” (ARENDT, 2013.)

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Ou seja, a depender da nação, da tirania (seja alemã ou russa, como nos lembra a autora; ou de qualquer outra nação), o antissemitismo sobreporá para a mobilização do ódio e suas consequências apegando-se a uma disputa no jogo social. Em síntese, o ódio brota (e é estimulado para obter chancela popular) dos interesses políticos, econômicos, ou de outras formas de poder que serão exercidos, a rigor, em guerras (regulares, híbridas, ou outras manifestações de conflito), ou em formas ainda mais cruéis de terror, como foi o caso do assassinato de 6 milhões de judeus na Alemanha de Hitler, na 2ª Guerra Mundial.

Antissovieticismo

Pois bem! Traço aqui semânticas e similaridades que podem se encontrar com a aversão que os países ocidentais, mais fortemente os principais da OTAN (EUA, França, Inglaterra, Alemanha e outros), vêm produzindo ao longo de décadas e reiteram com toda potência agora, no agir da Rússia para a ocupação do Estado soberano da Ucrânia. A saber, todo o conjunto semiótico, utilizando-se do maior aparato tecnológico de comunicação de massa e dos grandes veículos de imprensa do mundo inteiro, a fim de pregar (e fixar) uma (in)versão da história quanto à guerra Rússia-Ucrânia, assim propalando o ódio dos bilhões de habitantes da Terra aos russos, o que pode se desdobrar em legitimação de toda política – futura – de terror que venha a sofrer aquela nação e seu povo.

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Embora a história do antissemitismo seja milenar, não podemos duvidar das consequências que o ódio produz quando obtém “legitimidade” na chancela popular em determinado tempo histórico e à efeito de uma desculpa esfarrapada qualquer, como foi o caso do nazismo antissemita.
Ao pensar também uma provocação de existência de um antisovieticismo, precisamos avocar duas dimensões que são muito caras à história da humanidade, face que este neologismo se desdobra de um vocábulo cujo radical e também o conceito político possuem valor peculiar às sociedades/povos/sujeitos, mais particularmente do leste europeu.

Os sovietes e o comunismo: estigmatização

Senão, vejamos. Soviete significa “conselho”, em russo, e por instrumentalização societária é a palavra que designa o “conselho de delegados composto por operários, camponeses e soldados” (Michaelis, versão on line); que exerciam, ao lado do governo provisório da Revolução de 1917, o poder na antiga União Soviética. (Embora surgido mesmo os sovietes em 1905.)

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No entanto, tentar aqui associar ao vocábulo “Rússia” todo o acervo vinculado à expressão “sovietes” é ignorar a pluralidade e transnacionalidade que os comissariados populares transpõem às comunidades diversas. Em sentido mais libertário, soviete é semântica do devolver ao povo o exercício efetivo do poder, por sua potência deliberativa. E vale para qualquer nação que se queira, com franqueza, “restituir” ao povo o poder que lhe pertence.

Por outro lado, a história da Rússia é de igual valor às demais nações (da OTAN e todas mais) uma epopeia. Não se pode ignorar tudo que sofreu e lutou o povo russo, com destaque as conquistas do poder, com sangue e suor dos trabalhadores, das mulheres e dos camponeses na Revolução de 1917.

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E é deste intervalo histórico que outro estigma se apregoa àquela nação. É na experiência do comunismo russo (soviético) que essa forma de organização popular melhor se expressou num determinado tempo histórico (com seus sucessos e fracassos, um legado). Não por acaso, quando o poder é realmente do povo, participado pelo povo, representado na máxima expressão do povo, o ódio de classe se arvora. No caso do sistema capitalista, que trocam os atores aristocratas pelos burgueses, faz mexer com a infraestrutura e a superestrutura (como nos ensina Karl Marx) para “devolver” ao dono do capital todo o “seu” poder e glória.

Por falar em comunismo, não há qualquer necessidade de avançarmos neste texto sobre o conceito desse termo. Grosso modo, pretendeu o comunismo de Karl Marx e Friedrich Engels, como organização política, todavia, como estruturação social, econômica e política dos povos, “a constituição do proletariado de classe, a derrubada do domínio da burguesia, a conquista do poder político pelo proletariado” (MARX E ENGELS, 2008, p. 32.) com vistas a romper com a espoliação da classe trabalhadora e as injustiças produzidas pelo abismo entre burguesia e proletariado.[2]

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E é por este escopo que se organizaram as nações capitalistas com suas empresas multinacionais, seu poder de influência cultural, seu domínio econômico e militar, para calcificar na mente das pessoas em todo o mundo um mito de que o comunismo seria a “besta-fera” a destruir a humanidade, “a comer criancinhas”, a produzir todo nível de crueldade visível. Exatamente, por oposição, é o que vem fazendo o capitalismo com suas desigualdades abissais, porém, de forma sofisticada e “feliz”. Falácia de quem domina os meios de produção cognitiva.

O ódio como arma de guerra

A proposta deste texto, ao buscar uma analogia cabível entre o antissemitismo e uma concepção que se possa chamar de antissovieticismo não é defender a Rússia e a ocupação militar que realiza neste tempo histórico. É, ademais, buscar a sobriedade e fraternidade das relações entre os povos, restituindo a verdade dos fatos para reverberar outra pedagogia de um humanismo dialético e justo.

Ainda dói em todo imaginário (e alma) da população mundial o terror produzido pelo nazismo alemão no fim da década de 30 e metade da década de 40: milhões de inocentes assassinados sob os mais torpes requintes de crueldade, sendo em sua maioria judeus (principalmente, os pobres). Destarte, é fundamental repudiar toda e qualquer narrativa que se aproxime por distante que seja de atos antissemitas.

Na outra ponta das ambiências de repúdio, por mais que se queira buscar a paz entre a Rússia e a Ucrânia na atual guerra de 2022, seja justa[3] ou injusta a justificativa dos russos para a ocupação do território vizinho, qualquer pessoa honesta, ética, democrática e humanista deve repugnar o que estão chamando de “russiofobia”[4] que prefiro denominar de “antissovieticismo”, pensando primeiramente numa falsa compreensão do que venha a ser o soviete, aludindo a um sovieticismo vulgar, desconectado da história, da cultura e da política dos soviéticos, portanto, enviesando semânticas da luta, da organização e da soberania popular e poder concreto, para denominar um efeito do que seja ruim, prejudicial à humanidade (e mesmo aos russos), portanto, passivo de ser política, econômica e militarmente atacada.

Povos (sovietes) do mundo inteiro, uni-vos... para produzir uma pedagogia humanista em que o ódio não possa reinar, sendo efeito, o repúdio e luta efetivamente contrária às injustiças e espoliações dos pobres civilizações afora.[5]

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[1] Um exemplo claro do preconceito que vai virando racismo, que vai se tornando repulsa, que virará ódio e que terá consequências trágicas: fui alertado, enquanto escrevia o texto, para tomar cuidado com o uso dessa palavra (nuclear) quando me referir aos “soviéticos”. Ora, e quando me refiro aos EUA, à França, à Inglaterra que também possuem bombas atônicas e ameaçam o mundo com uma guerra nuclear? Não vão me censurar?

[2] Numa síntese singela, podemos entender a melhor operacionalidade do que venha a ser o comunismo a partir do escrito na Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, em Atos dos Apóstolos, capítulo 2, 44-45, a saber: “os cristãos viviam unidos e tinham tudo em comum (...) e dividiam seus bens com alegria e conforme a necessidade de cada um”.

[3] Alegam as autoridades russas o risco de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), países liderados pelos Estados Unidos, apontar suas bases militares para a capital da ex-URSS. E lembram que durante séculos – mostra a História – suas fronteiras foram invadidas por povos hostis aos russos, portanto, não querem “pagar pra ver” nações beligerantes e adversárias na disputa geopolítica ficarem tão próximas a Moscou.

[4] Que aliás, discordo veementemente. Uma ideia de fobia remonta potencial de medo das pessoas, pânico com o que lhe é alheio e assustador em dada circunstância, espaço ou tempo. No caso em tela, o que estão fazendo as nações ocidentais com a Rússia é produzindo um imaginário que leva as demais sociedades ao ódio de seu povo, território, civilização.

[5] Referências Bibliográficas:

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2013.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 

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