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Sara York

Sara Wagner York (também conhecida como Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior) é bacharel em Jornalismo, doutora em Educação, licenciada em Letras – Inglês, Pedagogia e Letras Vernáculas. É especialista em Educação, Gênero e Sexualidade, autora do primeiro trabalho acadêmico sobre cotas para pessoas trans no Brasil, desenvolvido em seu mestrado. Pai e avó, é reconhecida como a primeira mulher trans a ancorar no jornalismo brasileiro, pela TV 247

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Quarenta anos pagam Bolsonaro?

O que começa hoje não é um grande dia para a democracia brasileira — ainda que, à primeira vista, pareça ser

Quarenta anos pagam Bolsonaro? (Foto: Divulgação)

O que começa hoje não é um grande dia para a democracia brasileira — ainda que, à primeira vista, pareça ser. O julgamento de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e organização criminosa contra as instituições não dá conta da extensão do desastre que ele representou para o país. A pergunta que ecoa é: apenas quarenta anos de prisão seriam suficientes para reparar o desserviço histórico de seu governo?

Porque estamos falando de muito mais que um atentado ao STF, uma conspiração contra as urnas eletrônicas ou o incentivo criminoso aos atos de 8 de janeiro. O bolsonarismo foi um projeto de corrosão sistemática da vida pública, da ética e da esperança. Foi a sabotagem da ciência em plena pandemia, com campanhas contra vacinas e máscaras, boicote à compra de imunizantes, incentivo a aglomerações e a promoção de placebos como a cloroquina — tudo isso diante de 700 mil mortes. Foi a negligência criminosa na tragédia yanomami, a destruição recorde da Amazônia, o incentivo ao garimpo ilegal e à grilagem de terras.

Foi também a prática sistemática de corrupção e privilégios: escândalo das joias sauditas, vendas ilegais de presentes oficiais, orçamento secreto, rachadinhas, nepotismo e enriquecimento ilícito de uma família inteira protegida pelo poder. Some-se a isso a apologia à ditadura militar, a defesa da tortura, as declarações racistas, a misoginia contra jornalistas e mulheres, a LGBTfobia, o preconceito contra nordestinos, o armamento da população, o desprezo pela imprensa livre, a perseguição à cultura, à ciência e às universidades.

Bolsonaro não foi apenas um presidente que fracassou: ele foi um projeto de destruição. Um projeto que naturalizou a fome, ampliou a miséria, precarizou a vida e corroeu os pilares da democracia.

Por isso, a prisão em si não encerra a discussão. O que o Brasil precisa responder é se estamos dispostos a tratar Bolsonaro como uma figura isolada — ou como o sintoma de uma política de ódio que ainda ecoa nas ruas, nos templos, nos gabinetes e nas redes sociais. Se for apenas sobre ele, 40 anos talvez pareçam suficientes. Mas se for sobre o que ele representa, talvez ainda estejamos apenas no começo de uma longa e necessária reparação histórica.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.