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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Que tipo de gente precisa ser blindada?

A maioria dos parlamentares que defendia o voto impresso e auditável defende votação secreta para aprovar processos investigativos

Plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados)

No prédio onde moro, todos os dias encontro com o senhor Vicente pelos corredores. Não sei e não me interessa saber em quem ele votou nas eleições de 2018. O que sei é que todos os dias, faça chuva ou faça sol, ele está por lá fazendo seu trabalho. Certamente o salário que recebe mal dá para pagar as despesas básicas, como acontece com a maioria da população brasileira. E se você, caro leitor, me perguntar o que nossos deputados e senadores fazem em prol de pessoas como o senhor Vicente, direi que fazem o mesmo que sempre fizeram.

Vicente não está entendendo do que trata a tão falada PEC da Blindagem, assim como não compreende a razão de tanta movimentação política para livrar da cadeia os criminosos que atentaram contra a democracia brasileira. As cenas dantescas daquele 08 de janeiro ainda inquietam a alma simples daquele senhor. Vicente me confessa que também não consegue entender que um deputado, pago com dinheiro público, esteja fora do Brasil tramando contra seu próprio povo sem que nenhuma forma de punição lhe aconteça. Na sua cabeça, os juízes que condenaram os criminosos que planejaram um golpe de estado deveriam ser enaltecidos e não perseguidos. 

Seu Vicente sabe, no entanto, que não precisa ser blindado em absolutamente nada, pois nunca tomou um centavo de ninguém. Não desviou emendas parlamentares e nem possui aviões utilizados por terceiros para fins escusos. Seu Vicente, que não é bobo nem nada, já entendeu que a tal da PEC da Blindagem aprovada por suas excelências é um verdadeiro “salve” ao cometimento de crimes de qualquer espécie. Ora, se o político não usa sua imunidade parlamentar como escudo para destilar ódio, perseguir opositores e cometer crimes, mas unicamente para o exercício do mandato para o qual foi eleito, por qual razão esse político precisa ser blindado? 

Como escárnio pouco é bobagem, além da famigerada PEC da Blindagem (seu Vicente entendeu “PEC da Bandidagem”), suas excelências também votarão muito em breve o PL da anistia (mesmo contra a vontade expressa de mais de 54% da população), já rebatizado de PL da Dosimetria, cuja intenção é diminuir as penas de todos aqueles, “manés” e mandantes, que formavam a organização criminosa desbaratada pela Polícia Federal e condenada pelo Supremo Tribunal Federal. 

A pífia argumentação para levar adiante mais esse ataque às instituições, ao povo brasileiro e à Constituição Federal se dá em nome de uma certa “pacificação do país”, que pode muito bem ser resolvida deixando as Instituições trabalharem, sem que “se passe a mão” na cabeça dos bandidos brancos e ricos que dominam as estruturas do poder. Sim, pois nunca na história desse país se soube de algum projeto de lei para anistiar os pobres e pretos que definham nos presídios brasileiros. Muitos dos quais, inclusive, já cumpriram suas penas. 

E enquanto os amiguinhos do Dudu (não é possível ser defensor do Dudu e da democracia ao mesmo tempo) votam em causa própria, importantes discussões como o apagamento docente, que se avizinha, nem é cogitada. Já a votação da isenção de Imposto de Renda para salários de até 5 mil mensais só será colocada em votação após a votação da PEC da Blindagem e da anistia aos criminosos do 8 de janeiro. Registre-se, seu Vicente, que a maioria dos parlamentares que defendia com unhas e dentes o voto impresso e auditável nas últimas eleições, hoje defende votação secreta para aprovar processos investigativos contra eles. 

 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.