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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Questão de prestígio

Brasileiros em terras distantes me ensinaram um mágico poder do chocolate

Imagem Ilustrativa (Foto: Luis Cosme Pinto)

Meu primeiro cigarro não teve fumaça, nicotina ou alcatrão.

Não traguei, não tossi, não apaguei a guimba em cinzeiro ou sola de sapato.

Meu primeiro cigarro não era de fumar, era de comer. Castanho, doce, macio. Cigarrinhos de chocolate ao leite, que imitavam o formato dos cigarros de verdade e vinham em caixinhas vermelhas da marca PAN.

Minha avó Lili presenteava a mim e a meus dois irmãos com as doces caixinhas. Certa vez, um de meus manos perguntou: “vó, não faz mal?” e Lili repetiu um provérbio, que naqueles anos 1970 tinha a popularidade de um Chicabon ou a bossa de um Ovomaltine: “o que não mata engorda, menino”.

Lili seguia o senso comum, que associava engordar a algo saudável. Talvez, porque uma das consequências da tuberculose, quase uma pena de morte em décadas anteriores e que ainda assombrava o país, era o emagrecimento.

O esbelto de hoje, naqueles tempos era feio, fraco, quase um moribundo. Nelson Rodrigues, implacável, decretou: “Todo canalha é magro”.

Na volta de uma viagem para a Itália, em que engordei quase dez quilos em um mês - com massas, tiramissú, vinho à farta e chocolate nos intervalos - meu pai me apertou num abraço e exclamou com alívio: “Agora, sim. Tá bonito, tá forte!” Minhas filhas, ainda crianças, se entreolharam em silêncio.

Aprendi em terras estrangeiras que chocolate não mexe só com estômagos e balanças. Tenho um amigo que vive na Europa. Homem rico, daqueles que a gente nunca sabe o que dar de presente porque ele tem tudo. Pois na última visita, me implorou: “sabe aquele chocolate Prestígio, antigo, recheado de coco? Traz duas caixas, cada uma com vinte”.

Podia comer os melhores do mundo em qualquer loja europeia, mas pediu um chocolate brazuca, bem simples e nada artesanal. Já me contou que se deleita com um Prestígio depois do almoço, sempre que a saudade do frescobol em Ipanema aperta. Anda preocupado por que dos quarenta Prestígios, só resta meia dúzia.

A repórter, parceira de muitos carnavais, plantões e eleições, havia sido promovida a correspondente em Nova York. Eu ia passar uns dias de primavera por lá e uma amiga em comum me aconselhou. “Leva um Sonho de Valsa, mais brasileiro impossível. E o melhor: não tem em Nova York”.

De tão feliz com a surpresa, a repórter se viu em um dilema, que me contou em mensagem: “Morro de vontade de comer e morro de medo de perder. Abro a porta da geladeira e fico paquerando o meu Sonho”. Até que numa noite de invencível larica, mastigou o presente com café expresso e licor. Já o papel celofane, lilás com as letras douradas, descansou por anos na gaveta. Um vestígio do sabor da infância, que ela dividia com o pai, em longínquas tardes de domingo na Vila Ré. 

Estou num mercado da Vila Buarque. Na prateleira, muitas consoantes impressas em papéis coloridos, são os chocolates de hoje: SNYCKER, CHARGE, TRENTO, NEUGHBAUER, SUFLAIR, HERSHEY, CRUNCH.

Não sei se melhores ou piores, aposto que diferentes, mesmo que parecidos.

É preto no branco, como Diamante Negro e Galak.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.