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Sergio Ferrari

Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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Roche e o caso do câncer de mama

Os lucros multimilionários das multinacionais farmacêuticas

Cientistas avançam em estudos sobre como tratar o câncer de mama (Foto: YinYang/istock)

Uma pesquisa recente sobre quatro medicamentos contra o câncer de mama produzidos por esta multinacional com sede em Basileia, na Suíça, revela que, 27 anos após o início de sua comercialização, quase 100 patentes continuam a protegê-los exclusivamente. Nada menos do que um instrumento compacto de blindagem que gerou vendas de mais de 156 bilhões de francos suíços (US$ 192 bilhões), garantindo assim o monopólio nessa especialidade até 2042.

O Herceptin, um dos mais vendidos da Roche desde seu lançamento no final dos anos 1990 —primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa— é prescrito para uma forma particularmente agressiva de câncer de mama que afeta mais de 400.000 pessoas a cada ano em todo o mundo. Em combinação com três outros medicamentos derivados (Perjeta, Kadcyla e Phesgo), o Herceptin garantiu à Roche o controle quase absoluto do mercado. A substância ativa desses medicamentos é o Trastuzumabe e o Pertuzumabe, dois tipos de anticorpos monoclonais que funcionam ligando-se à proteína HER2 nas células cancerígenas para interromper seu crescimento e ajudar o sistema imunológico a destruí-las.

Qualidade médica ou monopólio?

O relatório recém-publicado pela organização não governamental suíça Public Eye tenta responder a uma pergunta essencial: como explicar a longevidade desse medicamento biológico e sua lucratividade multimilionária em um mercado farmacêutico altamente competitivo? Embora o Herceptin tenha sido um avanço para o tratamento desse tipo de câncer, a principal razão de seu sucesso, de acordo com o relatório da Public Eye, é porque "usou e abusou de várias táticas para estender seu monopólio e atrasar [assim] a concorrência o máximo possível".

Um medicamento é considerado "biológico" quando é feito a partir de células ou organismos vivos, um processo mais complexo e caro do que os medicamentos convencionais, feitos a partir de substâncias inertes. Daí o maior número de patentes. O grande problema com essas patentes de produção é que elas dificultam o desenvolvimento e a comercialização de medicamentos genéricos ou biossimilares. O estudo recém-divulgado pela Public Eye identifica 183 patentes concedidas à Roche nos Estados Unidos e 95 na Europa. No final de setembro de 2025, 100 das primeiras e 64 das segundas ainda estavam em vigor. Por outro lado, em ambos os lados do Atlântico, outros 20 pedidos de patentes da Roche, um gigante entre os gigantes com mais de 100.000 funcionários em cem países, já estão sendo processados.A investigação da Public Eye não foi fácil porque não tinha um inventário anterior. Para compilar a lista de patentes relacionadas ao Trastuzumabe e ao Pertuzumabe, seus pesquisadores contaram com documentos judiciais, autoridades regulatórias, escritórios nacionais de patentes e com a própria Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), além de artigos científicos e outras publicações. "Devido à dificuldade de reconstruir um quadro tão completo", admite o relatório final, "é possível que a lista real de patentes da Roche para esses tratamentos seja ainda mais extensa" (https://www.publiceye.ch/fr/thematiques/pharma/prix-des-medicaments-des-brevets-abusifs-comme-remparts-contre-la-concurrence/brevets-abusifs-de-la-pharma-roche-ou-lempire-du-mab).

O mecanismo diabólico das patentes

Uma patente é um direito exclusivo concedido ao titular ou proprietário de uma invenção. Portanto, ninguém mais pode reproduzi-la ou comercializá-la legalmente nos países onde foi concedida. Para ser patenteável, uma invenção deve atender a três requisitos: deve ser "nova", no sentido de ser a primeira de seu tipo; realmente "inventivo", ou de uma criatividade original, e totalmente utilizável, isto é, de aplicação industrial com o propósito para o qual foi concebido e projetado. No setor farmacêutico, existem dois tipos de patentes: patentes primárias, que protegem a estrutura molecular de um medicamento, e patentes secundárias, que protegem as modificações do mesmo medicamento patenteado. Na prática, estes últimos prolongam artificialmente o seu período de exclusividade.

A extensão da exclusividade é assegurada e protegida, fundamentalmente, por uma "selva de patentes", ou seja, várias patentes ao mesmo tempo. Se estes forem registrados em etapas ao longo do tempo, o monopólio de um produto pode exceder os 20 anos estipulados pelo direito internacional, como foi e continua sendo o caso do Trastuzumabe e do Pertuzumabe.

Apenas 5% das patentes da Roche para essas duas moléculas são primárias. Os 95% restantes têm a ver com patentes secundárias que protegem um processo de fabricação (40%); formulações, doses ou métodos de administração (30%); métodos de utilização (13%) ou associações com outras substâncias ativas (12%). Conhecida em inglês como "evergreening", essa estratégia de pequenas modificações para acumular patentes secundárias de forma abusiva é prática comum na indústria farmacêutica. A Roche nos Estados Unidos, por exemplo, conseguiu 16 patentes secundárias para Trastuzumabe e Pertuzumabe, todas com títulos idênticos. Treze dessas patentes foram aprovadas.

Como documenta a Public Eye, mesmo que essas patentes secundárias não protejam a substância ativa, que permanece inalterada, elas ainda sobrecarregam os escritórios com registros oficiais de patentes, obrigando-os a realizar inúmeros exames. Essas circunstâncias estendem o monopólio de um medicamento e também aumentam o risco de patentes concedidas com muita facilidade devido ao acúmulo de pedidos.Outra estratégia frequentemente utilizada pelas multinacionais farmacêuticas para prolongar o monopólio de um de seus produtos é lançar uma nova versão quando sua patente está prestes a expirar. Isso aconteceu com os medicamentos da Roche para câncer de mama. Pouco antes de as patentes do Herceptin expirarem, a Roche mudou o método de administração de intravenoso para subcutâneo e, assim, obteve várias licenças secundárias. Embora essa nova maneira de gerenciar um produto existente seja mais prática e talvez menos cara, a Public Eye pergunta: essa modificação justifica a extensão de um monopólio de alto preço por mais 20 anos?

A introdução do Perjeta e do Phesgo 14 e 22 anos depois do Herceptin, respectivamente, permitiu que a Roche –atualmente a maior empresa de biotecnologia do mundo– estendesse seu monopólio até 2042 nos Estados Unidos e 2039 na Europa. Se levarmos em conta que a primeira licença da Roche para o Herceptin data de 1992, o monopólio desse produto já tem 50 anos nos Estados Unidos e 47 na Europa. Muito mais do que o dobro dos 20 anos estipulados pelo acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre direitos de propriedade intelectual para o comércio.

Graças a esses mecanismos, a Roche conseguiu impor preços exorbitantes em seus medicamentos para o tratamento do câncer de mama HER2. Mesmo na Suíça, seu berço e sede corporativa, a Roche não hesitou em pressionar as autoridades nacionais a impor seus preços. Em 2014, insatisfeita com o preço estabelecido pela administração federal, a Roche retirou o Perjeta da lista de medicamentos cobertos pelo seguro de saúde obrigatório, chantagem que se mostrou bem-sucedida quando, um ano depois, o reintroduziu com um preço mais alto. Em 2025, observa a Public Eye, a Roche repetiu essa estratégia com outro de seus medicamentos oncológicos, o Lunsumio. A partir de hoje, esse medicamento ainda não está na lista de medicamentos cobertos pelo seguro de saúde.

Contra esse mecanismo monopolista

As críticas não vêm apenas de organizações não governamentais, movimentos sociais, redes internacionais e países do Sul Global (como África do Sul e Índia, entre outros), mas também das próprias Nações Unidas. Em 2013, três organizações do sistema ONU publicaram um primeiro documento comum pedindo saúde para todos. Eles reconheceram ali o direito de acesso aos medicamentos, embora não criticassem diretamente a delicada questão das patentes, porque sabiam que isso os confrontaria diretamente com uma grande potência mundial como a indústria farmacêutica (https://www.who.int/es/news/item/05-02-2013-who-wipo-wto-release-study-on-health-innovation-and-access-to-medicines).

De lá para cá, a questão do monopólio de controle de medicamentos vem ocupando um lugar mais importante na agenda das Nações Unidas. A pandemia e o acesso a vacinas e medicamentos COVID transformaram-no num debate de proporções planetárias, alimentado ainda mais por números sobre o grave problema da exclusão de benefícios. De acordo com a OMS, quase 2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso regular a medicamentos essenciais (https://www.emro.who.int/fr/essential-medicines/strategy-access/).Este ano, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos produziu um relatório sobre o acesso à saúde para todos. Discutido na reunião de junho-julho do Conselho de Direitos Humanos, seu relatório incorpora uma análise de boas práticas e principais desafios sistêmicos e afirma "uma abordagem baseada em direitos humanos para garantir o acesso a medicamentos, vacinas e outros produtos de saúde como parte da realização do direito de todos ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e mental" (https://docs.un.org/es/A/HRC/59/29).

Sua última recomendação, embora disfarçada por um vocabulário tipicamente diplomático próprio de muitos dos documentos oficiais das Nações Unidas, é dirigida às empresas farmacêuticas. Apela a que respeitem o direito de todas as pessoas aos medicamentos, vacinas e outros produtos de saúde necessários e insiste no conceito de diligência devida, um mecanismo que procura minimizar o risco de decisões mal tomadas. Em linhas gerais, trata-se da obrigação da empresa de agir com o cuidado razoável necessário para evitar danos a terceiros ou para cumprir regulamentos, obrigação que se estende a "políticas e práticas empresariais nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, precificação, gestão de propriedade intelectual, distribuição e transferência de tecnologia, entre outras coisas".

Resumindo: muitos discursos e propostas que tentam resolver dramas, sem sucesso. Em vários países de baixa renda da África e da Ásia, mais da metade da população não tem acesso a medicamentos essenciais. Nos países em desenvolvimento, onde cerca de 42 milhões de pessoas vivem com HIV/AIDS, os tratamentos antirretrovirais que salvam vidas estão disponíveis apenas para 300.000 dos 5 a 6 milhões que precisam deles hoje. Este é um paradoxo sem resposta de um sistema de saúde internacional onde os números estratosféricos dos lucros da indústria farmacêutica escondem a realidade de quase um terço da população mundial carente de medicamentos essenciais.

Tradução: Rose Lima.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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