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Pedro Desidério Checchetto

Psicologo Clínico, Pesquisador em Psicologia Social e Professor Universitário. Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP/URV - Espanha

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Saúde mental e Segurança Pública em tempos de 'gás de pimenta nos vagabundos'

"Que não nos deixemos levar por gritos de guerra que silenciem a razão"

Ricardo Nunes em evento da GCM (Foto: Reprodução/Vídeo)

Na última semana, um vídeo da formatura da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo ganhou destaque nas redes sociais. Nele, agentes e representantes do poder executivo municipal entoavam, como grito de guerra, a frase: “Gás de pimenta na cara de vagabundo”. O episódio gerou forte repercussão pública e levantou questões sobre os rumos das políticas de segurança pública e a relação entre discurso oficial e prática policial. 

O Brasil ainda figura entre os países com os maiores índices de homicídios do mundo. No entanto, o estado de São Paulo iniciou, a partir de 1999, uma trajetória consistente de redução da mortalidade violenta intencional. Naquele ano, a taxa de homicídios era de 44 por 100 mil habitantes. Em 2021, segundo o Atlas da Violência (2024), essa taxa caiu para 6,6 por 100 mil habitantes, muito abaixo da média nacional. 

Essa mudança não se deve a um único fator, mas a uma combinação de elementos. Entre eles, destacam-se o envelhecimento populacional, a regulamentação promovida pelo Estatuto do Desarmamento e o monopólio da violência exercido por grupos como o PCC. No entanto, o que consolidou essa trajetória foi uma série de políticas públicas inovadoras e baseadas em evidências científicas.

Entre as inovações destacadas pelo Atlas da Violência (2024), estão: a adaptação do modelo japonês de polícia comunitária, que reduziu significativamente a criminalidade em bairros como o Jardim Ângela; a criação do Infocrim no início dos anos 2000, inspirado em sistemas como o CompStat, nos Estados Unidos, que trouxe maior eficiência ao policiamento por meio do mapeamento de crimes e análises georreferenciadas; e, mais recentemente, o projeto Olho Vivo, com o uso de câmeras corporais, uma prática influenciada por iniciativas semelhantes implementadas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Essas ações foram avaliadas positivamente tanto pela melhoria na conduta policial quanto pela percepção de segurança pública.

Nos últimos anos, temos assistido a uma preocupante inversão na trajetória de redução da violência no estado de São Paulo. Embora o estado mantenha a menor taxa de homicídios do país, com 7,8 por 100 mil habitantes, houve um aumento nas mortes por intervenção policial, passando de 407 casos entre janeiro e outubro de 2023 para 676 no mesmo período de 2024, retornando aos níveis de 2020, anteriores à implementação das câmeras corporais. Paralelamente, o número de suicídios entre policiais militares paulistas atingiu um recorde em 2023, com 31 casos registrados, representando 28,2% dos suicídios de PMs em todo o país.

Incidentes recentes, como a morte do secretário-adjunto de Segurança e Controle Urbano de Osasco, Adilson Custódio Moreira, durante uma reunião na prefeitura, vítima de disparos efetuados por um guarda civil municipal; a Operação Escudo na Baixada Santista, que resultou em um número alarmante de mortes; e o lamentável episódio em que um policial militar foi flagrado jogando um cidadão de uma ponte, evidenciam uma preocupante escalada de violência e descontrole dentro das próprias forças de segurança.

Atendo regularmente policiais em minha prática clínica e afirmo, com segurança, que a maioria deles não deseja nem aprova os arroubos de violência desmedida que vêm sendo incentivados por alguns gestores públicos como forma de agradar uma parcela radicalizada do eleitorado. A violência urbana é, sem dúvida, um dos maiores problemas enfrentados pelo Brasil e gera revolta em todos nós. No entanto, é imprescindível lembrar que a taxa de criminalidade foi reduzida quando políticas de segurança foram pautadas em evidências e orientadas por resultados.

O desestímulo às armas de fogo, o investimento em inteligência para combater grupos organizados e as ações preventivas foram, historicamente, os pilares para a redução da violência no estado de São Paulo. Retroceder a práticas baseadas em força bruta e discursos populistas compromete não apenas o trabalho de uma geração de gestores e policiais, mas também a própria segurança da população.

O Brasil precisa de uma política de segurança que valorize vidas, sejam elas as dos cidadãos comuns, das vítimas de crimes ou dos próprios policiais. Uma gestão responsável é aquela que reconhece o valor das evidências científicas e recusa o apelo ao populismo violento.

Que não nos deixemos levar por gritos de guerra que silenciem a razão.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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