Sem doutorado, sem pós-doc: como Djamila Ribeiro virou professora do MIT — e o que isso revela sobre mudanças na elite acadêmica
A trajetória da estudiosa carrega não apenas experiência individual, mas resistência histórica de muitos que foram silenciados antes dela
O que é necessário para dar aula em uma das universidades mais prestigiadas do mundo?
A resposta automática seria: doutorado, pós-doutorado e um currículo recheado de publicações em periódicos internacionais. No entanto, a nomeação da filósofa e escritora brasileira Djamila Ribeiro como professora visitante no Massachusetts Institute of Technology (MIT) desafia essa lógica — e aponta para mudanças mais profundas no próprio conceito de excelência acadêmica.
Anunciada como a primeira brasileira a integrar o Programa de Professores e Acadêmicos Visitantes Dr. Martin Luther King Jr., Djamila chega ao MIT sem doutorado ou pós-doutorado, mas com uma trajetória marcada pela produção intelectual de impacto, ativismo social e contribuição significativa para o debate público contemporâneo.
“Sou a primeira brasileira convidada para este programa que existe desde os anos 1990”, escreveu em suas redes sociais. A indicação partiu do Departamento de Estudos de Mulheres e Gênero e foi endossada pelos departamentos de Filosofia, Literatura e Arquitetura e Urbanismo, com aprovação unânime do colegiado.
O que é o Programa Dr. Martin Luther King Jr.?
Criado em 1991, o programa homenageia o legado do líder dos direitos civis e busca atrair acadêmicos que, em suas palavras, sejam “pioneiros na liberdade humana, acadêmica, científica e religiosa.”
Seu objetivo é diversificar o ambiente acadêmico de excelência, trazendo vozes historicamente excluídas do circuito universitário elitizado.
O convite a Djamila é para lecionar por um ano, com possibilidade de extensão para dois, incluindo um semestre sabático a cada ciclo. Para alguém cuja trajetória foi construída conciliando maternidade, trabalho e militância, essa pausa representa também um reconhecimento simbólico: o direito ao descanso, historicamente negado a corpos racializados e subalternizados.
É mesmo possível ensinar no MIT sem doutorado?
Sim. Embora cargos permanentes ("faculty") exijam, em geral, doutorado e forte produção acadêmica, o MIT — como várias outras universidades de ponta — mantém categorias específicas para profissionais excepcionais que vieram da prática social, cultural ou científica:
Professores visitantes (Visiting Professors): convidados para projetos temporários de ensino ou pesquisa.
Professores de prática (Professors of the Practice): profissionais que, apesar de não seguirem o caminho acadêmico tradicional, se destacam em suas áreas de atuação.
Lecturers: docentes com experiência prática e formação relevante, mesmo que sem doutorado.
Djamila Ribeiro não é um caso isolado. Outros nomes reforçam que a universidade de elite, lentamente, começa a reconhecer saberes que ultrapassam a torre de marfim acadêmica.
Exemplos que antecedem Djamila
Noam Chomsky, um dos intelectuais mais influentes do século XX, foi contratado pelo MIT em 1955 como pesquisador e professor assistente, pelo Departamento de Línguas Modernas e Linguística. No entanto, ele recebeu seu doutorado pela Universidade da Pensilvânia em 1955. O trabalho para a tese de doutorado foi em grande parte desenvolvido enquanto ele já estava afiliado ao MIT e em 1958 ele publicou Syntactic Structures, um trabalho seminal derivado de sua tese.
Ta-Nehisi Coates, escritor e jornalista premiado, foi professor visitante na NYU e no MIT sem ter concluído sequer um mestrado, sendo reconhecido por sua produção intelectual e impacto cultural.
bell hooks, uma das mais importantes pensadoras feministas negras, lecionou em diversas universidades americanas, incluindo Yale e Oberlin College, antes de completar sua formação acadêmica formal.
Jaron Lanier, cientista da computação e crítico social, foi contratado para posições acadêmicas em Berkeley e MIT sem ter finalizado a graduação — sendo reconhecido pela inovação prática no campo da tecnologia.
Esses exemplos ajudam a entender que, ainda que a exigência formal do doutorado continue sendo o padrão, existe na academia uma fresta — ainda que estreita — para trajetórias não convencionais de excelência.
Uma vitória política, cultural e epistemológica
A nomeação de Djamila Ribeiro representa mais do que uma vitória pessoal: é um gesto político. Em um sistema que historicamente privilegiou saberes eurocentrados, masculinos e brancos, a sua presença no MIT é uma ruptura simbólica. É também a reafirmação de que a produção de conhecimento não acontece apenas dentro dos muros universitários, mas também nas ruas, nos movimentos sociais e na atuação pública.
Autora de livros como Lugar de Fala e Pequeno Manual Antirracista, Djamila consolidou uma produção intelectual que dialoga com amplos públicos — algo que a própria academia, pressionada a repensar suas estruturas elitistas, hoje se vê obrigada a reconhecer.
Em tempos de disputas acirradas sobre quem pode ensinar, o que pode ser ensinado e quem tem direito à palavra, sua chegada ao MIT amplia as fronteiras do que se entende por educação de excelência.
Djamila dedicou a conquista aos seus ancestrais e aos seus Orixás, reafirmando que sua trajetória carrega não apenas uma experiência individual, mas também a resistência histórica de muitos que foram silenciados antes dela. Ainda assim, senti falta das nominações. Afinal, "meus ancestrais" podem ser — e são — figuras como Bárbara Carine, Giovana Xavier, Helena Theodoro, Ana Flávia Magalhães Pinto, Denise Ferreira da Silva, Sueli Carneiro e Conceição Evaristo: todas doutoras, todas pretas, todas imprescindíveis.
De toda forma, parabéns à recém-contratada. E parabéns também por levar consigo, além das falas, essas mulheres que tanto significam para a história e para o futuro da educação.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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