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José Roberto Batochio

Advogado criminalista, foi presidente Nacional da OAB, da OAB/SP, da AASP Associação dos Advogados de São Paulo e deputado federal (PDT/SP)

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Sem o devido processo legal não há democracia

"Autoria e materialidade de crimes têm de passar pelo devido processo legal, garantidos aos acusados os direitos insculpidos na Constituição", diz Batochio

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“Quem quiser garantir a própria liberdade deve preservar até seu inimigo da opressão; pois, se infringir esse dever, estabelece um precedente que atingirá a si próprio” (Thomas Paine, em Dissertação sobre os primeiros princípios do governo)

Com autoridade de coadjutor das libertárias revoluções americana, em 1776, e francesa, em 1792, o inglês Thomas Paine legou-nos preciosa obra política e influenciou a consolidação dos Estados constitucionais. Sua militância revolucionária não o poupou da prisão em Paris, no período do Terror jacobino, escapando, porém, da guilhotina de Maximilien de Robespierre, sob cuja lâmina implacável a também revolucionária Manon Roland pronunciou a célebre frase: “Ó, liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!”.

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Na quadra atual, em que o Brasil vivencia as mais longas e duradouras liberdades democráticas de sua história, ressurge certa dogmática jurídica fortemente rechaçada na obra de Thomas Paine. Ela se fundamentaria no princípio da terapia homeopática similia similibus curantur: semelhante pelo semelhante se cura. A quem viola a lei também se pode punir com violações à lei – ideia sedutora em conjuntura política de afrontas a valores essenciais do Estado Democrático de Direito, pisoteados por grupos radicais de extrema direita.

Devido processo legal? Liberdade de opinião e expressão? Vedação de censura? Imunidade parlamentar? Direito de não ser preso senão em flagrante delito inafiançável ou por imutável sentença judicial? Eis valores democráticos sagrados, mas preteridos, paradoxalmente em nome de sua preservação, quando se recorre à multicitada máxima de Ovídio de que os fins justificam os meios.

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Substancialidade das democracias, o devido processo legal veda ao Estado-sancionador, garante da legalidade e repressor dos delitos, atribuição para sumariamente investigar, acusar e infligir penas antecipadas a acusado protegido pelo princípio magno da presunção de inocência.

Somente a condenação transitada em julgado, ancorada em provas irrefutáveis, após exercida ampla defesa, inclusive com integral ciência da acusação posta em juízo mediante acesso aos autos da ação penal – esta, quando pública, iniciada pelo Ministério Público –, pode impor graves restrições, pessoais, políticas e patrimoniais ao investigado, de que são exemplos as restrições que vêm sendo amiúde aplicadas nestes tempos de inquietação.

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A dramática quadra institucional que atravessamos, marcada por atentados à democracia, propostas e atos de sabotagem das instituições e vandalismo político, suscita o uso de instrumentos de defesa da ordem que minimizam a legalidade estrita. O combate não só à violência materializada, mas também ao ato apenas cogitado, à propaganda ideológica, ainda que abjeta, tem se verificado em desalinho com a Constituição.

Na origem do fenômeno reponta o inquérito n.º 4.781/2019 do Supremo Tribunal Federal (STF), o das fake news, instaurado pela respeitável vítima de torpes ofensas, que é ao mesmo tempo julgadora dos atos que manda apurar, malgrado a não rara oposição do titular exclusivo da ação penal, o Ministério Público. A partir dele – do inquérito – e com fundamento em portarias da Justiça Eleitoral, continentes de normas particularistas que fazem as vezes de leis gestadas no Congresso, o Tribunal Máximo, aquele que segundo a frase em busca de autor “é o que erra por último”, acaba por enfeixar poderes próprios do Estado de Defesa e do Estado de Sítio.

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Parlamentares e governantes eleitos pelo povo são presos sem flagrante de crime inafiançável nem julgamento. Influenciadores digitais mofam na cadeia. Deputados que têm contas censuradas nas redes sociais nem podem dar bom dia aos leitores. Um ex-ministro da Justiça sumariamente preso por suposta omissão em outra função executiva. Um governador afastado. Jornalistas amordaçados e multados. Um juiz impedido de se manifestar, no país onde magistrados comparecem a talk shows e lavram tuítes. Mesmo um partido político (de esquerda) foi silenciado nas redes. Impõem-se multas de trânsito de até R$ 100 mil por hora.

Invoca-se o truísmo de que a liberdade de expressão não pode blindar criminosos que se utilizam da perfídia das notícias falsas, da incitação ao crime, da tentativa de dissolução das instituições democráticas, da calúnia, injúria e difamação. Correto. Mas é também verdade banal que autoria e materialidade de crimes têm de passar, sempre, pelo cadinho do devido processo legal, garantidos aos acusados os direitos insculpidos na Constituição, sem penas ante tempus, ressalvadas, se inevitáveis, as medidas cautelares previstas na lei.

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Aos que chancelam esse estado de coisas, havendo-o por mal necessário e reação legítima da “democracia militante”, não se deve juntar a voz legalista da advocacia. Se a advertência de Thomas Paine não for bastante, que sirva a de Norfolk, personagem em Henrique VIII, de William Shakespeare: “Não acendas fornalha tão quente para o teu inimigo / que venha a te queimar também”.

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