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Jean Wyllys

Jornalista, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Barcelona, pesquisador no ALARI at Hutchins Center de Harvard e escritor baiano

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Sim, Dilma, nós podemos!

Na questão LGBT, Marina merece todas as críticas, mas Dilma pouco fez em 4 anos; tem agora, contudo, a chance de assumir um compromisso com a luta que nunca deveria ter abandonado

Na questão LGBT, Marina merece todas as críticas, mas Dilma pouco fez em 4 anos; tem agora, contudo, a chance de assumir um compromisso com a luta que nunca deveria ter abandonado (Foto: Jean Wyllys)
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Artigo publicado na Carta Capital

A presidenta Dilma Rousseff - agora candidata à reeleição - parece preocupada com a luta contra a homofobia (incluindo aí a lesbofobia e a transfobia) e aparentemente se indignou com o recuo programático de Marina em relação aos diretos da comunidade LGBT. Ela tem razão, sim, mas...

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Todos sabem aqui o quanto eu critiquei a vergonhosa "errata" da candidata Marina Silva, que apagou, do programa de governo do PSB, todas as propostas concretas relacionadas aos direitos da população LGBT, justificando-se com explicações inacreditáveis. E, nessa crítica, concordamos com a presidenta e com a militância do PT — tanto com os militantes petistas que sempre atuaram na defesa do estado laico, dos direitos civis e das liberdades individuais, quanto com aqueles outros militantes petistas que chegaram a essa luta só no início dessa semana. Inclusive esses últimos são muito bem-vindos; contudo, eu quero lhes avisar que eu tenho memória!

A presidenta Dilma governa o Brasil há quase quatro anos. Este período foi muito ruim para as minorias em geral (mas, em particular, para as minorias sexuais). O governo Dilma cancelou o programa "Escola sem homofobia", cedendo à chantagem da bancada fundamentalista e, em especial, à chantagem de Garotinho, que, dias atrás (e não coincidentemente) almoçou com a presidenta e fez, com ela, várias selfies. Foi também o governo Dilma que se aliou a partidos fundamentalistas como o PRB (da Igreja Universal do Reino de Deus), o PR (do Garotinho), o PSC (do pastor fundamentalista), o PP (da família de parlamentares viúvos da ditadura e capitães hereditários da política), o PMDB (um dos partidos com mais membros na bancada de fundamentalistas religiosos).

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Durante o governo Dilma, os vendilhões do templo ganharam mais poder e dinheiro, com ministério e outros lotes da administração pública além da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados por um ano (o que resultou num impacto negativo sem precedentes na luta legislativa em favor das minorias religiosas, étnicas e sexuais). O governo Dilma também regrediu em relação às políticas públicas de combate à AIDS e às DST que orgulhavam o Brasil até então, chegando ao ponto de vetar as publicidades elaboradas pelo próprio Ministério da Saúde para a prevenção do HIV entre jovens LGBT.

Foi o governo Dilma que acatou parcialmente uma recomendação do Vaticano na ONU que exclui e desprotege os direitos das famílias homoafetivas, e que, no mês de Junho, na mesma ONU, absteve-se na votação que aprovou a resolução homofóbica sobre a "proteção da família" (de apenas algumas famílias, excluindo as outras) apresentada pela Rússia e companhia (Rússia, aquele país onde a livre manifestação da homossexualidade e todo tipo de ativismo em favor dos direitos civis das minorias sexuais é hoje criminalizado).

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Aliás, lembra, presidenta Dilma, que foi seu governo que, com a mesma rapidez da Marina — em apenas 24 horas — revogou uma portaria do Ministério da Saúde que beneficiava as pessoas transexuais?

Mais: durante o governo Dilma o número de assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais e trans (não qualquer tipo de assassinatos, mas aqueles motivados pelo ódio às pessoas LGBT) cresceu exponencialmente (mais de 300 por ano), apesar da boa vontade e dos esforços da ministra Maria do Rosário e sua equipe na SDH (mas políticas públicas não se fazem só com boas intenções e aprovação de leis, depende de algum esforço da presidenta junto a sua base).

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Durante o governo Dilma o Brasil conquistou o direito ao casamento civil igualitário por uma decisão do Conselho Nacional da Justiça (que veio depois de outra anterior do Supremo Tribunal Federal que iniciou o caminho, e de várias decisões de juízes, tribunais superiores estaduais e corregedorias — e que foi provocada por uma ação do meu mandato endossada pelo PSOL), mas a presidenta não foi capaz sequer de se pronunciar a respeito! Não esperava a militância corajosa a favor do casamento igualitário da Cristina Kirchner, do Pepe Mujica, do Barack Obama, mas, pelo menos, um aceno, uma palavrinha, um alento...

E ainda dorme no Congresso (onde a base governista é maioria) o projeto de lei que eu apresentei para traduzir essa conquista numa reforma ao Código Civil, como dorme o meu projeto de lei de identidade de gênero (ambos também assinados por uma deputada coerente e lutadora do seu partido, Érika Kokay). Aliás, também dorme numa gaveta a criminalização da homofobia, sobre a qual a senhora agora se manifesta a favor, depois de quase quatro anos sem fazer nada para que fosse aprovada.

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Ainda lembro, presidenta, que foi a senhora que disse (copiando as palavras do pastor Malafaia, o mesmo a quem a candidata Marina se submete, e a cuja marcha homofóbica a senhora enviou o ministro Gilberto Carvalho para falar em seu nome), que não permitiria, em seu governo, "propaganda de opção sexual", algo que eu espero que a senhora saiba que não existe, já que a orientação sexual não é uma opção e não tem propaganda que possa mudá-la ou promovê-la.

A homofobia é um sistema, retroalimentado principalmente por discursos religiosos fundamentalistas que desqualificam desumanizam e difamam a comunidade LGBT. Logo, a forma com que seu governo alimentou de poder e dinheiro os fundamentalistas religiosos faz com que os tímidos acenos de hoje, em campanha, pouco valham, pois o sistema homofóbico precisa ser combatido de forma sistêmica, com políticas públicas, garantia de direitos e desarticulação das hostes formadas pelos vendilhões do templo, que vivem dele.

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Eu reconheço, contudo, uma diferença entre a senhora, presidenta Dilma, e a candidata Marina. Seu governo cede ao fundamentalismo como parte de uma concepção nada democrática e covarde de "governabilidade", que a leva a ceder também aos abusos dos ruralistas, banqueiros e outras corporações. E imagino que, muitas vezes, a senhora faça isso com muita dor, até pessoal — mas, mesmo assim, faz! Já a Marina cede não só em função do cálculo eleitoral (e, em última instância, da "governabilidade"), mas por estar submissa aos dogmas fundamentalistas que estruturam sua visão de mundo. Ela, portanto, oferece mais riscos aos direitos das minorias religiosas e sexuais (a comunidade LGBT). E não pode mudar; não vai mudar.

É importante reconhecer - e eu reconheço - que o governo Dilma fez avanços significativos em outras áreas se o compararmos com os governos FHC e se o consideramos uma extensão dos governos Lula: por exemplo, houve avanços em relação aos direitos sociais (segurança alimentar, saúde e educação - esta última mais em se tratando de acesso à escola do que de qualidade do ensino) dos mais pobres, principalmente daquelas famílias chefiadas por mulheres. E esses avanços não são pouca coisa, nem podemos abrir mãos deles.

Faltam duas coisas, presidenta. Em primeiro lugar, uma sincera autocrítica por tudo o que a senhora não fez nesses quase quatro anos de governo. Em segundo lugar, um compromisso público concreto de mudar, de fazer o que não fez até agora se tiver a chance de um segundo mandato. Mesmo que não exista possibilidade de a senhora ter meu voto no primeiro turno, como a candidata Marina também não o terá, eu espero essa atitude da minha presidenta, como cidadão desse país.

Vamos criticar a Marina, sim, mas a crítica precisa estar fundada em ações que deem a ela a autoridade moral necessária para que não seja, apenas, hipocrisia eleitoreira, mas um sincero compromisso com a luta que a senhora nunca deveria ter abandonado.

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