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Plínio Gentil

Procurador de Justiça no Estado de S. Paulo. Doutor em Direito e em Educação. Professor universitário. Integrante do Coletivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP

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Sobre interrupção da prescrição e o Estado-Penitência

Trata-se de mais uma face, pouco visível talvez, do punitivismo penal, expressão da visão neoliberal de mundo, que foi perdendo até mesmo o humanismo dos juristas liberais clássicos, cultuadores do punir para reeducar

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Conforme amplamente noticiado, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no último dia 24 de abril, concluindo julgamento virtual do habeas corpus n. 176.473, impetrado pela Defensoria Pública da União, formou maioria para considerar que o acórdão confirmador da sentença condenatória constitui causa interruptiva da prescrição, nos termos do artigo 117, IV, do Código Penal.

Foram vencidos alguns ministros, entre eles Ricardo Lewandowski, para quem esse entendimento da maioria “afronta direito fundamental do acusado de ser julgado em tempo razoável”.

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Em primeiro lugar, o julgamento do Supremo atribui ao citado artigo 117, IV, um conteúdo que ele não tem. Como consta desse dispositivo, o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. Ora, o acórdão que confirma uma condenação já decretada pelo juízo de primeiro grau, na sentença, pode ser tudo, menos um acórdão condenatório, como consta do artigo 117, IV, do Código Penal.

Não, não é a mesma coisa, como poderia parecer. Vistas as hipóteses de prescrição da pretensão punitiva, postas pelos incisos I a IV do artigo 117, todas elas configuram, sem exceção, medidas repressivas seqüenciais em direção ao acusado. É como se, à medida em que age contra o réu, o estado fosse premiado com o direito de ver reiniciado o prazo para exercer o seu direito de punir. Ora, no caso do HC 176.473 o estado agiu, sim, mas o fez ao condenar o réu na sentença: o acórdão que a confirma não traz nenhuma novidade substancial. Diferente seria se a sentença fosse absolutória e o tribunal, atendendo recurso da acusação, condenasse. Aí sim, seria um acórdão condenatório

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Observe-se que o mesmo artigo 117 do Código Penal menciona, como causa interruptiva da prescrição (inciso III), a decisão confirmatória da pronúncia, que também virá de um acórdão, em julgamento de recurso em sentido estrito. Isto bem demonstra que, quando quis, o legislador criminal foi bem claro, estabelecendo de modo inequívoco uma hipótese de interrupção da prescrição. Aliás, no caso da confirmação da pronúncia, decisão que encerra o procedimento preparatório que leva ao júri, faz sentido essa causa interruptiva, dadas as especialíssimas particularidades desse rito procedimental, a fazer da etapa de plenário aquela realmente apta a julgar o réu, eis que já fixados a natureza do delito e o juízo constitucionalmente competente[2].

Tampouco se deve justificar a interrupção da prescrição, pelo acórdão confirmador da sentença condenatória, com o argumento de que, afinal, inocorreu inércia do estado. O direito à prescrição, mais do que penalização ao estado, representa garantia de quem tem direito à duração razoável do processo, sendo nisto irrelevantes tanto a diligência quanto a negligência estatais.

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De resto, o entendimento agora majoritário do Supremo tem, na prática, o efeito de desestimular apelações da defesa e, ainda, o de servir de aval à lentidão do estado em julgar definitivamente causas criminais. Todavia, paradoxalmente, a razão de ser da prescrição é justamente inibir a demora estatal e assim não permitir que alguém permaneça parte considerável da vida sob ameaça de uma pena, por algo que está legitimamente contestando. 

Trata-se de mais uma face, pouco visível talvez, do punitivismo penal, expressão da visão neoliberal de mundo, que foi perdendo até mesmo o humanismo dos juristas liberais clássicos, cultuadores do punir para reeducar. O que passa aos poucos a importar para o estado e sorrateiramente desliza para o sistema de justiça é segregar o delinqüente padrão. À medida em que o estado neoliberal abandona investimentos em políticas sociais, aumenta gastos e faz suas apostas no agigantamento do aparato repressor: o estado-providência converte-se em estado-penitência[3]

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[1] Doutor em Direito e em Fundamentos da Educação. Professor universitário. Procurador de Justiça em S. Paulo. Contato <pabgentil@pucsp.br> 

[2] Essa lógica não escapa a amplo setor da jurisprudência, como demonstra aresto do STJ, publicado em 04 de junho de 2019: “[...] O Estatuto Repressivo dispõe, em cada inciso (art. 117, incisos II e III, do CP), que a prescrição se interrompe pela pronúncia e pela decisão confirmatória da pronúncia, evidenciando a cautela elegida, a fim de delimitar os respectivos lapsos. Logo, diante da técnica legislativa adotada, extrai-se que o legislador não contemplou o acórdão confirmatório como um novo marco interruptivo da prescrição, eis que se absteve da mesma técnica, quando da previsão do inciso IV, do art. 117, do Código Penal” (RHC 109.952-SC).

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[3] A observação e as expressões são de Loïc Wacquant, tiradas de pesquisa feita nos EUA, hoje de absoluta pertinência no Brasil, em seu Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.

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