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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Tainha

Quando os turistas voltam pra casa, a viajante transforma a vida da comunidade

Águas frias do Paraná (Foto: Luis Cosme Pinto)

Quem nasce na cidade de Registro é registrado ou registrense? Se a família fez a certidão de nascimento no cartório municipal, as duas respostas estão certas. Registrado porque o tabelião assinou e reconheceu firma do responsável e registrense porque é a denominação de todos que são naturais de lá.

Registrense, isso mesmo. Assim como quem nasce em Sorriso é sorrisiense, em Palmital, palmitalense, e em Cornélio Procópio, Procopense.

Minha avó, quando via um meditabundo de olhar perdido perguntava: “Tás pensando na morte da bezerra?” Pois eu, além de matutar sobre a vida de quem acaba de nascer, penso no rebanho inteiro, enquanto o carro avança pela Régis Bittencourt, a caminho do Paraná.

Não sei você, mas poucas situações mexem mais com meus neurônios do que as curvas e retas de uma estrada.

Quando minhas filhas viajavam comigo o tempo escorria manso enquanto imaginávamos gatos e borboletas desenhados pelas nuvens; a gente também refletia sobre cores de carros, nomes de cidades, as placas dos caminhões, a brincadeira de stop.

O município de Registro ficou pra trás e devaneio que hoje as meninas vibrariam com a diversidade de nomes das funcionárias e funcionários do pedágio. Ao passar na cabine somos informados do preço e logo abaixo, em letras vermelhas, do nome de quem cobra: Hevelyne, Michelle, Rayanne, Romário.

- Débito ou crédito?

Não sei por que, mas nunca ouvi a pergunta ao contrário. É como Fla-Flu, por que não Flu-Fla? É nessa intrincada questão que me concentro, enquanto o carro sobe a serra e atravessa túneis, acompanhado de meia dúzia de jamantas.  

Talvez seu pensamento, querida leitora ou leitor, seja: afinal, qual o destino dessa viagem? Não se apoquente, sigo para Matinhos, que apesar do nome, fica no litoral. Lá, mora meu amigo André. Mais ou menos 8 horas de viagem.

Num país de tanto mar, a gente quase não conhece as praias do vizinho Paraná. Sabemos da prosperidade de Curitiba, Londrina, Maringá e pouco ouvimos sobre os encantos de Matinhos, Guaratuba, Ilha do Mel. As paisagens são lindas, mas faz frio, o vento corta, o salva-vidas deve estar debaixo do cobertor e o surfista resfriado. O mergulho na praia deserta é adiado.  

Quem adora a temperatura é outra visitante: a tainha. O peixe sobe em direção ao sudeste para a desova.

São vastos cardumes, milhares de bichos graúdos.

“Tem de três, quatro e até sete quilos, eu mesmo peguei uma de oito”. É o que me garante Silvana.

Sempre admirei história de pescador e na da pescadora acredito sem ressalva.

A visita das tainhas é no período certo, quando o turismo diminui por causa do fim do verão. De maio a julho, as redes voltam carregadas com tainhas carnudas, isso mata a fome da comunidade e aumenta o trabalho em peixarias, restaurantes, pousadas. Até o jornalismo tira sua lasquinha. São clássicas as reportagens com imagens submarinas e os depoimentos dos experientes pescadores e dos turistas fascinados com a alegria de puxar a rede.

As tainhas também sacodem outro tipo de rede. É nessa época o campeonato de futebol de praia na Ilha do Mel. Lá estão pescadores, garçons, entregadores, marinheiros que nas horas vagas fazem gols e golaços. Nas semifinais, o time da Brasília goleou o da Encantada. Já o Imperial meteu seis a três no Pontal.

Não deu tempo de ver a finalíssima caiçara, já a tainha assada que pousou na mesa silenciou o restaurante. Restaram as espinhas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.