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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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"Temos que ser os mais honestos, caso contrário não nos perdoarão"

A normalização da imoralidade nas instituições corrói a democracia e desafia a esquerda a reassumir o compromisso ético que a distinguiu historicamente

"Temos que ser os mais honestos, caso contrário não nos perdoarão" (Foto: ABr)

Em 1991 deixei o PT e me filiei ao PSB; as razões um dia eu conto, mas ficou um ensinamento do Jacó: “a gente sai do PT, mas o PT não sai da gente”.

Fato é que, com a ajuda do Jacó Bittar, então no PDT, e com apoio político do ex-ministro Roberto Amaral, então secretário-geral do PSB, organizamos o PSB em Campinas e em dezoito cidades da região, além de lançarmos candidato a prefeito em Campinas.

Roberto Amaral, grande intelectual, esteve em Campinas e proferiu uma palestra num Salão Vermelho lotado de militantes socialistas; ele falou sobre a história do PSB e concluiu dizendo: “a nós, socialistas, não basta sermos honestos ou parecermos honestos, temos que ser os mais honestos, caso contrário não nos perdoarão”. Nunca esqueci essas palavras.

Conto essa história para confessar: estou combalido pelas frequentes imoralidades e falta de decoro de figuras da República e, principalmente, porque muitos parecem não se importar com a imoralidade que viceja.

Como assim?

No Senado, figuras medíocres como Davi Alcolumbre e outros tantos eleitos em 2018 e 2022, figuras constrangedoras, ombreiam com seus iguais da Câmara dos Deputados, Casa presidida pelo juvenil, mas maldoso, Hugo Motta e recheada de deputados que não passariam num teste psicotécnico sério.

Os congressistas que citei, ao lado de outros tantos, são a vergonha do Congresso Nacional, e a institucionalidade parece não dar conta de colocá-los na linha, nem a nossa militância.

Pelo lado do Poder Judiciário também ocorrem vergonhas em série, e não apenas nos tribunais superiores.

Não faz muito tempo, noticiou-se que juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo, em festa para mais de mil pessoas promovida no Clube Atlético Monte Líbano, em São Paulo, a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) distribuiu presentes, oferecidos por empresas públicas e privadas, para juízes estaduais — uma imoralidade. E os juízes ainda tiveram a “cara-de-pau” de dizer que a Apamagis é uma entidade privada e que o interesse das empresas é apenas mercadológico, não comprometendo a independência dos juízes.

Os “mimos” sorteados foram: automóveis, cruzeiros, viagens internacionais e hospedagem em resorts, com direito a acompanhante, sem contar as cotas de patrocínio compradas por empresas públicas e privadas; encarregou-se da “divulgação e infraestrutura do evento” a operadora de planos de saúde Qualicorp, que também estava entre os patrocinadores.

Na época, a Qualicorp estava envolvida em investigações e denúncias de práticas ilícitas, relacionadas ao seu fundador e ex-CEO, José Seripieri Filho; Seripieri limpou a própria barra por meio de uma delação premiada com a PGR, homologada pelo STF, na qual teria revelado pagamentos ilícitos (propinas e caixa dois) a políticos de renome, como Aécio Neves, José Serra e Renan Calheiros, mas todos seguem por aí, poderosos e abscônditos.

E não é só.

Há escritórios de advocacia de esposas ou familiares de ministros do STF firmando contratos com empresas ou consórcios que foram, ou são, alvo de investigações pela Corte, outra imoralidade.

Podemos citar como exemplo o escritório da esposa de Alexandre de Moraes, indicado por Temer, advogando para o Banco Master, em um contrato de R$ 129 milhões.

Sabe-se também que o escritório da esposa de Dias Toffoli, indicado por Lula, firmou contrato com um consórcio alvo da Lava Jato, a Queiroz Galvão e Iesa; o consórcio é suspeito de repassar propinas em contratos com a Petrobras, que foram alvos da Operação Lava Jato. Mais uma imoralidade.

O próprio STF, em 2023, decidiu que não há impedimento — de fato, não há impedimento automático —, mas trata-se de inegável imoralidade.

Não podemos esquecer do ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, que “pegou carona” em um jato particular para a Grécia, em setembro de 2024, para participar da festa de aniversário do cantor Gusttavo Lima, realizada em um iate de luxo. Logo Gusttavo Lima que, segundo levantamento feito pela Folha, assinou pelo menos 14,5 milhões de reais em contratos com 13 prefeituras para realizar shows ao longo de 2024, tudo com emendas impositivas e PIX, tema sob investigação pela PGR e pelo STF.

Outro ponto: a viagem ocorreu em uma aeronave de propriedade de um empresário do setor de apostas (bets), identificado como José André Rocha Neto, um dos donos da empresa “Vai de Bet”; na época, ele era alvo de uma operação policial e era considerado foragido, além de ter sido interrogado na CPI das Bets, outra imoralidade.

Fico nesses três exemplos; contudo, muitos dos ministros do STF escorregam no decoro e na moralidade pública em algum ponto.

O princípio da moralidade na administração pública exige que os atos dos agentes públicos sejam pautados não só pela legalidade formal, mas também pela ética, integridade e boa-fé, como honestidade e lealdade. Isso significa que um ato pode ser ilegal mesmo que pareça estar em conformidade com a lei, se for considerado imoral, iníquo ou prejudicial à sociedade.

O princípio impõe que a conduta do agente público seja guiada por um conjunto de regras éticas, buscando a eficiência e a probidade na prestação do serviço público, por isso o combate ao nepotismo, como previsto na Súmula Vinculante nº 13 do STF.

A violação à moralidade pode levar à anulação do ato administrativo, mesmo que ele aparente estar em conformidade com a lei. O controle é exercido inclusive pelo Poder Judiciário, sendo essa a boa interpretação do previsto no art. 37 da Constituição Federal.

A moralidade vem sendo ignorada e seu descumprimento, normalizado, especialmente quando quem se porta com falta de decoro ou de forma imoral é alguém poderoso.

Ou nós, da esquerda, assumimos a defesa da moralidade, sem pragmatismos, e lutamos pelo decoro em toda a institucionalidade, ou nada nos diferenciará dos indecorosos e dos imorais.

Essas são minhas reflexões, num dia de muito mau humor.

Nota do editor: A menção à Qualicorp não fala da época dos fatos. Últimos patrocínios de eventos da Apamagis ocorreram em 2019 e 2022

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.