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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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Toffoli, sua renúncia é um “Haraquiri” ao Sistema de Justiça

A falência do sistema judiciário brasileiro e a traição ao povo, e suas consequências devastadoras

Dias Toffoli e José Genoino (Foto: Nelson Jr./SCO/STF | ABR)
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No dia histórico de 25/05/2023, o Brasil se deparou com mais uma de suas vergonhas alheias institucionais. Trata-se da confissão de culpa de um juiz (e não é qualquer magistrado) de que cometera um crime ao condenar um inocente sabendo – segundo suas próprias palavras – de que o sujeito era inocente.

Falamos do caso concreto. A apodrecida Ação Penal nº 470, mais conhecida como “Mensalão”. Neste evento, o ato condenatório do réu, Sr. José Genuíno pelo ministro da Suprema Corte do Brasil, Dias Toffoli, que, em resumo, declarou tê-lo feito apenas para que pudesse participar da dosimetria da pena [1].

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O que Toffoli confessou, clara como a luz do sol de verão, é considerado um crime perante o Código Penal, Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Senão, vejamos: “Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente: / Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa”.

Isto é, embora o mencionado dispositivo se refira à denunciação caluniosa, em extensão interpretativa, a lógica se aplica à condenação a quem se “sabe inocente”. E temos certo que não se pensou um dispositivo para diretamente reger o evento condenatório de inocentes porque, conforme reza o Código de Ética da Magistratura, é “impossível” se imaginar tal suposto[2]. Talvez seja a hora de propor mudanças nesta normativa.

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É presente, contudo, ainda dois agravantes nessa confissão de Toffoli. Um de caráter estrutural-institucional, a prova de que faz anos o Sistema de Justiça deste país é um fracasso civilizatório. Um compêndio colonial que teima em prover a desfaçatez de que serve para efetivamente operar como um instrumento de Estado, portanto, de servir à sua identidade-fim, o povo. Mas é, no entanto, a falência desse formato de Estado elitista, capitalista e neoliberal que se funda nas semânticas europeias e opera na manutenção do seu verdadeiro corpus, isto é, as relações de espoliações dos sujeitos, em particular, das pessoas vulnerabilizadas. 

Para resumir: o Poder Judiciário, tendo como fim, uma função constitucional de se apegar ao poder emprestado pelo povo para fazer justiça, com magistrados como Toffoli trai completamente os princípios da própria Carta Magna para praticar descaradamente a injustiça. Não se trata de apenas falência do sistema, todavia, de traição do povo.

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Outro agravante, na verdade, o desdobramento concreto da primeira tese, tem a ver com o caráter infraestrutural e histórico da sociedade. Senão, vejamos. Graças ao Mensalão em 2005, primeiro evento de uma sequência de tragédias contemporâneas em cascata, vimos brotar as Marchas de 2013; a Operação Lava Jato em 2014 e seus crimes de lawfare; o Golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff; a Prisão em Segunda Instância, a contragosto da CF-88, em 2017 do líder das pesquisas presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva; e a Eleição de 2018 de Jair Messias Bolsonaro, com todas as caricaturas neogóticas que poderiam evadir do inferno, como a falsa facada no “mito” e o surgimento funcional-estatal das fake News, entre outras sementes do fascismo.

Consequência: quase fim – e precarização potente – da Democracia, do Estado de Direito, do Estado Social e dos Direitos Humanos; 33 milhões de pessoas empurradas ao abismo derradeiro da fome e da miséria; genocídio de grande parcela dos povos Yanomami e outras etnias; 700 mil pessoas mortas pela pandemia da COVID-19, sendo que, concretamente evitáveis, cerca de 400 mil pessoas foram assassinadas pela ação e inação do Governo brasileiro; milhões de desempregados e dezenas de empresas destruídas ou quase falidas, entre as quais, a Petrobras, que ainda engatinha sua recuperação; surgimento das condições para a implantação de um Estado Teocrático (funcional) e consolidação do fundamentalismo parlamentar; reorganização da violência do neoliberalismo e sua agenda de corrosão das estruturas do Estado e sua capilaridade orçamentária (ex: EC nº 95), além do sequestro de suas riquezas; destruição do Meio Ambiente e enfraquecimento quase completo dos mecanismos de sua proteção; e outras tragédias que são culpas objetivas de ações – agora assumidas – como os julgados do ministro do STF aqui citado.

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Percebam que eu, de forma até egoísta, sequer adentrei na situação personalíssima do réu em si, o ex-deputado e lutador contra a Ditatura Militar, o Sr. José Genuíno, que teve sua vida – princípio máximo do liberalismo – destruída. Não existe indenização capaz de quitar a dívida que o Estado brasileiro tem com esse homem que foi esmagado pela opinião pública e pela opinião publicada (imprensa) e sua carreira e projetos interrompidos, 

Estes dias, assistindo a uma entrevista do Sr. Genuíno na TV Resistência Contemporânea, em um dos momentos em que foi indagado sobre essa confissão grotesca do ministro Dias Toffoli, o ex-guerrilheiro desabafou assim concluindo, ao que exponho como paráfrase: “na Ditadura Militar, a tortura começava pelos corpos e chegava na nossa subjetividade; nossa alma. No Mensalão [do Sistema de Justiça], a tortura começava na nossa subjetividade até chegar aos nossos corpos”. Mencionou assim, ao afirmar que teve sua saúde comprometida após sua injusta condenação no Mensalão; foi diagnosticado naquele momento com um aneurisma da aorta.[1] 

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Diante de tudo isso, da certeza que um julgamento injusto é a pior das tragédias de um Estado, face que se não se pode confiar no Sistema de Justiça como a última esperança para corrigir as crueldades da tirania dos detentores de força (seja o poder estatal; ou o capital econômico), o certo é que a RENÚNCIA do ministro Dias Toffoli à cadeira que ocupa na Suprema Corte seria o verdadeiro pedido de desculpas que este do magistrado, indigno da Cadeira, faria tanto ao País, quanto ao sujeito-réu, ambos injustiçados. Seria um “haraquiri”[4] à brasileira. Seria a devolução de um mínimo de dignidade ao povo e um pouquinho de honra a quem não a tem...

[1] Entenda os detalhes lendo: https://www.migalhas.com.br/quentes/387230/toffoli-diz-que-condenou-genoino-no-mensalao-acreditando-em-inocencia.

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[2] Embora, sinceramente, o Código de Ética da Magistratura, dado pela Resolução CNJ nº 60 de 19/09/2008, tenha pouca relevância, pois desempenha uma falsa crença de que todos os sujeitos magistrados são seres ilibados e ímprobos, abertos à reflexão e ação de coerência permanentes de seus agires, portanto, capazes de seguir esta normativa que não passa de um “roteiro” de bons modos e nada conjuga responsabilizações acerca de atos errôneos ou arbítrios e abusos, seguem alguns dispositivos que o ministro Dias Toffoli passou bem longe de obedecer:

“Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição”.

[3] Assista à entrevista por meio do link abaixo. Caso deseje ir direto ao ponto, adiante o vídeo ao minuto 24’ e perceba a relevância histórica dessa fala:

https://www.youtube.com/watch?v=gnuAz84EtzQ&t=194s

[4] Um tipo de suicídio realizado pelos japoneses, em especial, por samurais, todavia, também por autoridades ou outros sujeitos, no reconhecimento de desonra por este cometida que lhe afeta, entretanto, afeta toda a sociedade.

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