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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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Trump está de olho nas terras raras e no Brasil soberano

As terras raras, o lítio, a Amazônia e o pré-sal são apenas capítulos de uma disputa muito maior

O presidente dos EUA, Donald Trump, a bordo do avião presidencial, a caminho de viagem à Ásia - 24/10/2025 (Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein)

As tensões entre o governo Trump e o Brasil de Lula vão muito além da retórica sobre tarifas e esconde um conflito mais profundo: o incômodo do império diante de um país que insiste em ser soberano. Desde que voltou à Casa Branca, Trump tenta redesenhar o mapa político do continente, tentando converter a América do Sul novamente em quintal de Washington. 

A estratégia é a de pressionar, intimidar e subordinar o Brasil às regras de um jogo em que a Casa Branca dita as regras, define os “inimigos” e escolhe quem pode ou não ser parceiro da China. Ao contrário de Bolsonaro, que ajoelhava e agradecia, Lula resiste. E é justamente essa resistência que provoca fúria nos EUA de Trump.

A escalada começou com a imposição do tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, alegando “práticas desleais” e “falta de cooperação”. Na verdade, o que o governo norte-americano chama de “deslealdade” é o simples fato de o Brasil agir como país autônomo: fortalecer os BRICS, ampliar relações com a China e defender o multilateralismo.

A retaliação tarifária é o instrumento clássico de uma política de coerção disfarçada de negociação. Por trás dos números, o objetivo é outro — enfraquecer o Brasil de Lula e seu projeto de reindustrialização, criando instabilidade econômica e ruído político às vésperas do ano eleitoral de 2026 e de uma campanha presidencial na qual, segundo as pesquisas, Lula será reeleito, vencendo as direitas que ainda sequer tem candidato para chamar de seu. 

O Brasil e o jogo geopolítico das terras raras

Entre os temas sensíveis que emergiram nos contatos do Brasil e dos EUA iniciados na Malásia Brasil está a questão das terras raras — minerais estratégicos para a indústria de alta tecnologia, energia limpa e defesa. Em pronunciamento divulgado pouco antes do encontro com Trump na Malásia, o presidente Lula deixou claro que o Brasil está disposto a dialogar sem restrições: “Se ele quiser discutir a questão de minerais críticos, de terras raras, se quiser discutir etanol, açúcar, não tem problema. (…) Coloque o que quiser que estou disposto a discutir todo e qualquer assunto.”

O interesse dos Estados Unidos é evidente. Reduzir sua dependência da China, que domina a cadeia global de produção e refino desses minerais raros. E, claro, tentar impedir as excelentes relações de Lula com o presidente Xi Jinpig. Estudos recentes apontam indícios de reservas estratégicas de minerais da família de terras raras na Bacia do Parnaíba, que abrange os estados do Maranhão, Piauí e Ceará, no Nordeste; na região de Araxá e Poços de Caldas, em Minas; e Catalão, em Goiás, no Sudeste e Centro-Oeste. São 23% das reservas mundiais, a segunda maior do mundo. A primeira é a China, com 49%. 

O desafio é transformar recursos geológicos em moeda de poder. Assim, o jogo vai além do comércio entre dois países, apontando para o reposicionamento do Brasil num cenário em que o controle de minerais críticos se tornou tão importante quanto o do petróleo no século XX.

Soberania tecnológica

O tema das terras raras, mencionado por Lula e cobiçado por Trump, é mais do que uma pauta comercial — é uma fronteira estratégica da soberania tecnológica. E o Brasil começa a despontar como potência mundial nesse campo. As terras raras são insumos vitais para a transição energética e para a reindustrialização, já que delas derivam os superímãs usados em motores elétricos, turbinas eólicas e veículos de nova geração. 

A China domina quase toda a cadeia de refino e produção. E é justamente esse domínio que os Estados Unidos tentam contornar. Nesse contexto, o Brasil surge como alternativa estratégica, tanto para quem busca matéria-prima quanto para quem deseja romper a dependência chinesa.

Potência global

O desafio brasileiro é transformar o potencial mineral em poder industrial e soberania tecnológica, consolidando uma cadeia nacional de produção — e não apenas de extração. A disputa por terras raras, portanto, não é apenas científica: é política, econômica e civilizatória. Com o apoio da China, o Brasil pode se tornar potência global em terras raras.

Para Trump, um Brasil soberano, industrializado e articulado com a China e o Sul Global é uma ameaça muito maior do que qualquer disputa comercial. É o exemplo vivo de que a dependência não é destino. Por isso, ele tenta minar a liderança de Lula na América Latina e no mundo, cercando o país com sanções e provocações diplomáticas — da “cruzada moral” evangélica à guerra tarifária. O apoio amplo, geral e irrestrito a governos de ultra-direita — o de Milei, por exemplo — é, para Trump, a tradução do que ele gostaria de transformar a América Latina e o Brasil acima de tudo.

Momento “bipolar” da geopolítica mundial 

Trump sabe que os Estados Unidos não dispõem da capacidade produtiva e tecnológica da China para processar terras raras — microinsumos essenciais à fabricação de semicondutores, baterias, turbinas e armamentos. Ele busca, portanto, o controle da segunda maior reserva do planeta, localizada aqui. O movimento trumpista é evidente. Pressionar o Brasil, fragilizar sua soberania e transformar o país em fornecedor de matéria-prima bruta para a indústria norte-americana, repetindo o velho ciclo de dependência.

Mas, como lembra Elias Jabour, o momento “bipolar” da geopolítica mundial pode se converter em oportunidade histórica. Ao invés de submeter-se à lógica de Washington, o Brasil pode negociar com a China em novos termos, exigindo transferência de tecnologia e cooperação industrial. É essa inversão de lógica — da exportação bruta para a produção soberana — que incomoda Trump.

O Brasil e o jogo geopolítico das terras raras 

O verdadeiro campo de batalha não está apenas no subsolo, mas no modelo de desenvolvimento que o Brasil escolhe seguir. Se o país souber transformar suas reservas em base para uma nova revolução industrial verde e digital, poderá romper o "destino" colonial que as elites submissas tentam perpetuar.

É por isso que a reeleição de Lula — e a continuidade de um projeto nacional capaz de combinar soberania, inclusão e ciência — representa um obstáculo real para os planos de Trump e de seus aliados locais. Em resumo, as terras raras estão sem dúvida no radar de Trump. Mas o que realmente mais incomoda o império é a perspectiva de um Brasil soberano, industrializado e independente, capaz de decidir o próprio destino.

O porrete trumpista

O recado de Washington é truculento. Quem ousar divergir do império será punido. Trump e seus conselheiros da ultra-direita não conseguem diferenciar o Brasil de 2025 do Brasil de 1964. Por isso adotaram a política do “Big Stick”, a doutrina norte-americana do início do século XX, articulada pelo presidente Theodore Roosevelt, que aconselhava: "use a diplomacia, mas sempre leve consigo um porrete."

As terras raras, o lítio, a Amazônia e o pré-sal são apenas capítulos de uma disputa muito maior: o controle do futuro. Trump quer garantir que o Brasil volte a ser exportador de minérios e importador de tecnologia, o mesmo papel colonial que as potências sempre reservaram ao sul. Lula aposta no contrário: num país que transforma riqueza natural em valor agregado, e soberania em política de Estado.

A verdadeira disputa, portanto, vai além das terras raras. É pelo direito de o Brasil decidir seu próprio destino, sem joelhos dobrados nem porta-aviões à vista no Lago Paranoá ou bombardeando a Baía de Guanabara, como sugerem os dois ridículos filhos de Jair — os bolsonaros autodenominados líderes da extrema-direita, que se fazem de bobos ou decidiram continuar juntos para sempre, a serviço da atual caricatura de imperador do mundo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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