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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Um país mandado às favas

"O país da delicadeza perdida também é o país da falta de ética, da ausência de respeito e dos escrúpulos mandados às favas"

(Foto: Brasil 247)
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Quando da edição do AI-5, Pedro Aleixo, vice-presidente de Costa e Silva, demonstrou preocupação com o tipo de lei que arreganharia de vez os dentes da ditadura, que havia tomado o país de assalto. Ao ser questionado pelo ditador acerca de tal preocupação, Aleixo disse: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”. Na fatídica reunião, na qual se decidiu endurecer o regime via Ato Institucional número 5, Jarbas Passarinhos, por sua vez, disse: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. Como resultado, o Brasil foi mergulhado nas trevas que duraram 21 anos. Aqueles que se opuseram à ditadura foram perseguidos, presos, desaparecidos, torturados e mortos. 

Cinquenta e oito anos depois se observa que as práticas das nossas polícias são, com raras exceções, herança do período ditatorial. Certamente que tais práticas nefastas não ficaram restritas ao campo da segurança pública, mas se estenderam para os demais âmbitos da sociedade. Assim, o que se tem é a constatação de que o atual governo uniu sob o mesmo fétido e bolorento manto, parte da fala de Aleixo com parte da fala de Passarinho, ou seja, o “guarda da esquina” está solto, demonstrando não ter disciplina nem obedecer a hierarquias. Com o “guarda da esquina” fora da casinha, quem sente suas garras a lanhar-lhes a pele, o cassetete arder nas costas e as balas perfurarem seus corpos são as pessoas pobres, invisibilizadas e abandonadas pelo Estado que, em vez de lhes proteger, torna-se seu mais terrível algoz. 

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No contexto em questão, o que temos visto é a audácia de praças e oficiais das diferentes forças militares proferindo impropérios contra todos e todas que ousem se posicionar em favor dos direitos dos humilhados e ofendidos. Como o “guarda da esquina” tem as costas largas, para ele ninguém é cidadão, mas bandido, até que se prove o contrário. Se questionados, seus superiores dirão “às favas com os escrúpulos de consciência”.  Quantas vezes não tomamos conhecimento de militares de todas as patentes, de soldado raso a general, atacando verbalmente e ameaçando de morte o ex-presidente Lula, por exemplo, como se não existisse a Constituição Federal nem os regulamentos disciplinares de suas Forças? Quem nunca viu seguidores da atual seita que saqueia o país agredindo artistas, intelectuais, parlamentares e membros do judiciário, usando de forma distorcida e equivocada a liberdade de expressão ou a imunidade parlamentar a seu bel prazer?

Ao incentivar esse tipo de comportamento extremista, políticos e formadores de opinião estrangulam o Estado Democrático de Direito e empurram o país inteiro para a barbárie, ferindo a democracia de morte. O que é bastante preocupante é que muitos desses extremistas agem à luz do dia e se orgulham de ser o entulho que são, pois contam com a impunidade, apostando na lerdeza de uma justiça caolha e seletiva. E é assim que se dão as queimas de arquivo, os infartos, os silenciamentos e os indultos àqueles que poderiam abrir o bico, jogando tudo no ventilador. 

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É compreensivo que o Brasil que não se incomodou com 700 mil mortes, vítimas do descaso do atual “governo”, não derrame uma lágrima quando uma criança indígena é arremessada para a morte nas águas dos nossos rios de mercúrio. O país da delicadeza perdida também é o país da falta de ética, da ausência de respeito e dos escrúpulos mandados às favas. Como esperar que um país assim, imerso em tamanha tristeza, lamente quando uma garota é estuprada até a morte por bárbaros que, por lei nem poderiam estar em suas terras? E o que dizer do desaparecimento de uma aldeia inteira consumida pelas chamas da ambição, da ganância e do descaso, sem que isso nos tire sequer uma noite de sono?

Em outubro, o Brasil poderá voltar a ser o que era quando foi brutalmente parado. Até lá, o caminho será longo e tortuoso. O jogo, como dizem, será bruto, pois muitos não desejam ver seus sigilos de cem anos quebrados, por saberem muito bem o que há neles. Outros não querem que suas licitações indecentes sejam analisadas em detalhes ou que suas promoções para patentes inexistentes sejam revistas. O Brasil na capa da última edição da revista Time atiçou ainda mais a matilha. A realidade é uma bomba armada no colo do Brasil. Em meio a tanto, os Yanomami gritam por socorro. São gritos dilacerantes, pois estão sendo mortos a sangue frio graças à nossa omissão. Como ainda conseguimos dormir, fingindo não os ouvir?

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