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Regina Abrahão

Sindicalista, feminista, funcionária pública do RS

9 artigos

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Você é mesmo de direita?

Nesta conjuntura adversa, parte da esquerda se calou. O que antes era motivo de orgulho de seus militantes, orgulhar-se de ser esquerda, diminuiu. O fascismo passou a se declarar de direita, com este mesmo discurso conservador, e insistir na criminalização da esquerda retraída.

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Tempos atrás conversei com uma colega de trabalho e militância, Maria*. Muitos anos atrás estivemos juntas na luta em defesa dos trabalhadores de nossa categoria. Tínhamos posições políticas próximas na época. Anos depois, nossas posições políticas são antagônicas. Mesmo assim nossa conversa foi cordial, afetuoso até, em função da amizade da época. Tempos depois li uma postagem de Maria* nas redes, onde ela se dizia surpresa com a postura política de uma amiga de muitos anos, que segundo ela, continuava a ser de esquerda “apesar de tudo o que a esquerda fez de errado”. Na ocasião discordei da análise[RA1]  mas não levei o assunto adiante. Hoje penso diferente. Deveria, sim, ter perguntado a ela o que, em sua concepção, significa ser de esquerda. Aos poucos constatei o crescimento e a publicização do termo Direita. Depois percebi o quanto pessoas se confundem, e acabam por defender políticos e bandeiras contra seus próprios interesses. 

Mas, afinal, de onde vem este conceito? Vem da localização onde sentavam-se as bancadas que participaram da Assembleia Nacional Constituinte após a revolução francesa, em 1789. Girondinos, da bancada conservadora e de maiores posses, sentavam-se à direita. Jacobinos, mais radicais e que defendiam suas ideias de forma mais veemente, sentavam-se à esquerda. Os de direita eram os mais conservadores; os de esquerda, mais progressistas. Este conceito foi reforçado depois com a teoria Marxista explicando o que são de meios de produção, mais valia, entre outros. E a doutrina econômica de Edmund Burke trouxe o liberalismo econômico. Isto vai se refletir, hoje, em como administrar o Estado e quais são as ideias e ações propostas por cada posição. No Brasil de hoje, grosseiramente, podemos considerar que:

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A direita propõe um Estado mínimo, com a defesa intransigente da propriedade privada e dos meios de produção privados. É contra a presença do Estado na economia, política de cotas, defende a meritocracia, quer que o indivíduo se esforce individualmente para atingir as condições de bem-estar social. Defende a livre iniciativa, e a auto-regulamentação do mercado. Tem valores conservadores referentes ao indivíduo e a instituições como o casamento e princípios religiosos. É contra o aborto, a diversidade de gênero, a liberdade sexual, ao Estado laico e a qualquer equidade na distribuição de renda, já que as iniciativas econômicas devem ser de responsabilidade individual. Segurança, para a direita, se resolve com encarceramento e leis mais severas. Vê com bons olhos a privatização do SUS, a medicina para quem pode pagar. Resumindo, um pensamento conservador em relação ao indivíduo e liberal com a economia de mercado e Estado mínimo.

A esquerda propõe um Estado de bem-estar social, com uma máquina pública garantindo os direitos básicos do cidadão, a oferta de acesso à propriedade privada mesmo que subsidiada para as classes populares (fim social), a valorização do trabalho e uma política de distribuição de rendas (ainda que tímido). Defende a política de cotas e reparações, por entender que não existe hoje igualdade de oportunidades. Dentro do capitalismo defende a existência da livre-iniciativa com o Estado regulando a economia. Defende a garantia dos direitos ao indivíduo, à diversidade e liberdade sexual, o direito ao aborto e políticas de planejamento familiar, a outras formas de constituição da família e posturas individuais. Segurança, para a esquerda se resolve com educação e condições de vida. Quer o SUS com acesso universal e gratuito. Resumindo, um pensamento libertário em relação ao indivíduo, com igualdade de oportunidades para todos e o Estado forte à serviço da população.

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O chamado centro tem posições menos conservadoras em relação ao indivíduo e mais próximas ao liberalismo quanto à economia. Dependendo da conjuntura vemos alianças entre centro e direita ou centro e esquerda. Varia de acordo com as conveniências.

Devo reforçar que os conceitos acima são estão extremamente resumidos, existem outros inúmeros posicionamentos políticos entre esquerda e direita. Incluindo seus extremos.

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Voltando à Maria*, é mulher, mãe, trabalhadora, tem uma única propriedade (onde mora), usuária do SUS. Trabalhou exatos 30 anos para conquistar a aposentadoria. Frequentou escola pública, passou em concurso, sua crença é de vertente afro-brasileira. É solidária, dirigiu entidade sindical, lutou pelos direitos dos trabalhadores, por condições de trabalho, pelas condições de vida da clientela assistida em seu desempenho profissional. O que houve, então?

As causas são muitas e variadas. Me atrevo a começar pelo ranço da elite branca e ainda hoje escravocrata. O esquartejamento da esquerda sempre houve, mas endureceu quando privilégios (não os dela, os da classe A) começaram a ser minimamente compartilhados com as classes mais populares. O acesso à universidade, por exemplo, através da política de cotas, acesso à propriedade, via políticas habitacionais subsidiadas. A tímida política de redistribuição de rendas, de valorização do trabalho. A emergência de setores marginalizados através do combate à fome e o acesso aos bens de consumo antes restritos para o povão. Os memes do aeroporto parecendo rodoviária, o filho da empregada frequentando a mesma universidade do filho da patroa deram a dimensão do descontentamento (inclusive da classe média) intolerável a quem sempre teve privilégios. Mas o pior foi que enfureceu também aquela parcela que, sem possuir capital suficiente para tanto, julgou-se alçada a uma classe social superior.

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Foi quando a classe média passou a defender interesses que não eram os seus, apesar de pensar que eram. A mídia apoiou os interesses de seus grandes anunciantes, a burguesia. Sangrou o governo e a esquerda até derrubar o governo, que afinal nem era tão esquerda assim. O cristofascismo ascendente garantiu a demonização da esquerda, a crise econômica agravou, o governo, combatido desde o primeiro dia, não resistiu. O golpe vingou e a esquerda foi criminalizada. O discurso moralizador tomou conta do país, e o combate à corrupção, antes bandeira da esquerda, foi apropriado pela direita, apesar de serem seus baluartes os maiores corruptos. E o povo comprou o discurso. Com variações, esta situação se repetiu pelas Américas, felizmente começando a ser revertida.

Mas penso que um dos fatores (mesmo que totalmente falso) foi pouco avaliado e muito importante: O trocadilho de direita com certo e esquerda com torto ou errado. Ser de direita passou a ser direito, pessoa com honradez, cumpridora de seus deveres. Ser de esquerda passou, para grande parcela, a ser contra a família, heterossexualidade, cumprimento de compromissos. E o povão, muito por influência da mídia e das igrejas pentecostais cristofascistas, comprou o discurso. Acreditou, ou se inibiu em contestar, nos maiores absurdos criados e distribuídos fartamente pela extrema-direita fascista. Toda a quebra de comportamentos, todo o combate a preconceitos, toda a exigência de respeito à diferença passa a ser ameaça e risco. A esquerda tornou-se a culpada por todas as mazelas sociais, crises e ameaças ao estabelecido. Bolsonaro foi eleito com este discurso, o da defesa da família, dos costumes de ideias conservadoras se instalou.

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Nesta conjuntura adversa, parte da esquerda se calou. O que antes era motivo de orgulho de seus militantes, orgulhar-se de ser esquerda, diminuiu. O fascismo passou a se declarar de direita, com este mesmo discurso conservador, e insistir na criminalização da esquerda retraída. Mesmo os escândalos hoje infinitamente maiores, mas pouquíssimo divulgados, é capaz de arrefecer a fúria fascista. Adotaram a negação e disputam a consciência da população através de mentiras fartamente disseminadas pelas redes sociais. Mentiras muitas vezes repetidas tornam-se verdades, e se tornaram.

Voltando à Maria, o que faz alguém engajado, que lutou contra preconceitos e direitos se voltar para o que sabidamente é falso? Ainda não sei. Talvez circunstâncias da vida tenham mudado seus conceitos. Não creio que acredite nas mentiras disseminadas. Talvez tenha sofrido forte influência de alguém importante para ela. Talvez, como muitos, desiludida com esquerda e direita nem busque o centro, se abstenha ou anule o voto. O discurso que prima serem todos os políticos iguais segue forte em quem acreditou na mídia, odiou a esquerda e hoje se enoja com a direita. Quanto mais forte a crença, maior a decepção. Mas espero que, ao ler este texto, ela repense sua decisão de apoiar o que ela sempre condenou: A exploração do homem pelo homem, o machismo, a homofobia, a concentração de renda, a miséria. E volte a optar por quem, efetivamente, pode construir um país mais justo e melhor.

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*Maria é o nome fictício de uma grande e antiga parceira de lutas, colega, hoje desiludida com a esquerda e que se acredita hoje ser de direita.

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