Votando além da pseudo-democracia
Stein e os Verdes desafiam a realidade básica da política estadunidense, que se trata de clichês e mentiras
Originalmente publicado pela LAProgressive em 29 de setembro de 2024
É possível expandir os objetivos desta eleição além da pseudo-democracia bipartidária da nação?
Eu tenho que escrever isso. Tenho que expressar solidariedade com todos os outros eleitores perdidos e divididos por aí, que estão lutando com a questão do momento: Em quem eu devo votar? A guerra genocida e em expansão de Israel — apoiada e fomentada por ambos os candidatos mainstream, “legítimos” — destruiu a simplicidade abstrata do processo de votação. Não temos escolha senão votar a favor do assassinato contínuo?
Ou podemos votar a partir da profundidade das nossas almas?
Entra o Partido Verde. Entra Jill Stein (novamente). Ela é inequívoca em sua objeção à cumplicidade dos EUA no massacre de Israel — em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano. Aqui está o que ela disse, por exemplo, em uma entrevista ao Middle East Eye. Quando perguntada qual seria o seu plano — se eleita — para os primeiros cem dias no cargo, ela disse:“Eu pego o telefone e a guerra genocida acaba. A Casa Branca tem controle absoluto sobre Israel porque não há como Israel sobreviver 24 horas aqui sem o apoio dos EUA.”
Mais tarde, na entrevista, ela observou: “Eu me oponho à guerra em Gaza como um símbolo do império, que está em seus últimos dias, e precisamos fazer a transição para um mundo multipolar, em vez de tentar ser o poder unipolar, único dominante ao redor do mundo, para nós estarmos envolvidos em confrontos militares ao redor do mundo, a fim de manter o poder único, quando já não somos mais a única potência econômica.”
Transcendendo o Deus da Guerra
Não-o-o! Um candidato não pode falar assim! Sinto uma onda imediata de cinismo. Isso é idealismo, não realidade política. Ainda não aprendeu isso? A política estadunidense não trata-se de valores bonzinhos, como essa simples verdade no site do Partido Verde:“Não há paz sem justiça. Precisamos de um cessar-fogo imediato, do fim do massacre em Gaza e da libertação completa de tanto os reféns israelenses mantidos pelo Hamas e quanto dos reféns palestinos mantidos em prisões israelenses. Mas para garantir um cessar-fogo permanente e o fim da ocupação ilegal de Israel na Palestina, devemos assumir a responsabilidade por esses crimes de guerra.”
Stein e os Verdes desafiam a realidade básica da política dos EUA, que consiste de clichês e mentiras. Decisões geopolíticas reais — em obediência às entidades corporativas controladoras — são tomadas a portas fechadas. O público estadunidense recebe uma palmadinha verbal na cabeça, cujo objetivo é transcender todas as notícias angustiantes. Assim, como Kamala Harris declarou repetidas vezes: “Sou inequívoca e inabalável no meu compromisso com a defesa de Israel e a sua capacidade de se defender.”
E então ela acrescenta, para apaziguar todos aqueles irritados eleitores anti-genocídio: “Muitos palestinos inocentes foram mortos.” Claro, mudando para a voz passiva. O Hamas cometeu atrocidades em 7 de outubro — mas e as milhares de crianças palestinas mortas nos escombros, milhares aterrorizadas e famintas, sem acesso a cuidados médicos, água limpa ou um lugar para viver — bem, isso simplesmente aconteceu de alguma forma. E sobre essas palavras: “muitos palestinos inocentes”? Elas parecem implicar que um número não especificado de palestinos inocentes mortos está tudo bem.
O Que Exatamente Kamala Ganhou?
E, ah sim, o governo Biden continua fornecendo a Israel bilhões de dólares em armas, não importa o que ele faça, permitindo passivamente que o genocídio continue e que a guerra se espalhe. Israel pode fazer o que quiser; tem impunidade. Harris tampouco expressou ter qualquer problema com isso.
Mas, como aparentemente a maioria dos eleitores sabe, Harris e os democratas, não importa a sua posição sobre Israel, são muito, muito melhores do que Donald Trump, o maior mal desta eleição e a verdadeira razão pela qual os democratas devem vencer. Não só Trump é o bom amigo e o candidato preferido de Benjamin Netanyahu, ele é absolutamente louco em uma notável variedade de questões: de “enforquem Mike Pence” a imigrantes haitianos “comendo os animais de estimação” dos moradores de Springfield, Ohio.
E em relação à eleição atual, Trump disse: “Agora, se eu não for eleito, vai ser um banho de sangue. Isso vai ser o mínimo. Vai ser um banho de sangue para o país.”
Trump pode ganhar, não importa o quê, mas aparentemente ele está um pouco atrás de Harris nas pesquisas. Assim, os democratas — incluindo os seus apoiadores relutantes — clamam com desespero que estadunidenses sãos têm que votar em Harris. Votar nos Verdes é virtualmente o mesmo que votar em Trump.
Ah, o paradoxo! Em certo sentido, tem sido assim por grande parte da minha vida. A primeira eleição em que eu tinha idade suficiente para votar (a idade para votar era então 21) foi Nixon vs. Humphrey. Eu era um fervoroso militante contra a guerra do Vietnã e optei por não votar, achando que não havia uma diferença real entre os candidatos. Mas rapidamente comecei a me arrepender dessa decisão, à medida que a presidência de Nixon dominava o país; prometi nunca mais deixar de votar em uma eleição, nacional ou local, e mantive esse compromisso.
Além dos Clichês do Estado Está a Pérola Azul
Mas hoje o paradoxo eleitoral está consumindo a alma da nação. Nos levantamos e votamos pela sanidade, pelo candidato que diz: “Não há paz sem justiça”? A enormidade dessa escolha não pode ser ignorada. Não podemos votar pela evolução da nação além da violência, especialmente à medida que a crise climática se intensifica?
“Acho que é muito importante que as pessoas não aceitem a sua impotência”, disse Stein na entrevista. “Estão dizendo a você que você é impotente. Na verdade, você não é impotente. Você é poderoso. Ninguém é dono do seu voto. Eles têm que ganhar o seu voto. E a menos que você os faça ganhar o seu voto, você é impotente.”“...E o que você vê”, ela continua, “é o que você vai ver mais. Ao longo da história, fazemos progresso quando nos levantamos como movimentos, e esses movimentos então têm veículos políticos.”
Então deixo penetrar em mim essas palavras. Isso é maior do que uma eleição. Apenas um movimento — tanto espiritual quanto político — pode nos empurrar além das guerras atuais e impedir que aconteçam futuras guerras, incluindo guerras nucleares. Não há paz sem valorizar todas as vidas humanas.
Qual é o estado desse movimento no momento presente? Harris começará a transcender a sua capitulação militar (e ganhar os nossos votos)? Um voto em Stein fará mais do que ajudar Trump?
Eu deposito meu voto para...?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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