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Reinaldo, o ídolo do Atlético, abre o jogo: "O projeto da ditadura era eliminar qualquer um que pensava diferente"

Reinaldo, o artilheiro de punho erguido, em conversa sincera com o 247 no próximo domingo

Reinaldo, o ídolo do Atlético, abre o jogo: "O projeto da ditadura era eliminar qualquer um que pensava diferente" (Foto: Divulgação Atlético-MG)

Por Denise Assis (247) 

Em uma conversa emocionada, Reinaldo revela, por exemplo, que foi Telê Santana o responsável pela sua não ida à Copa da Espanha, quando o Brasil, com um time estelar, saiu derrotado “por ele mesmo, pela arrogância da equipe”, analisa. Segundo ele, “Telê era um conservador, reacionário”

Num dia 7 de setembro de 1971, em plena ditadura militar, o jovem José Reinaldo Lima é tirado do desfile cívico, na cidade de Ponte Nova, no interior de Minas Gerais, para falar com um coronel, representante do Clube Atlético Mineiro. O caça talentos, ouviu falar sobre as manobras e dribles daquele garoto de apenas 15 anos, e o queria em campo, no próximo treino.

A família de classe média, de pai ferroviário e a mãe professora, começava a distribuir pelo mundo, os seus oito filhos, que iam em busca de oportunidades profissionais, depois de cursarem o colégio de freiras -  as meninas -,  e o colégio Salesiano, de padres, – os meninos. Reinaldo achou que havia chegado a sua vez. Agarrou a oportunidade e, com as bençãos da mãe, que aprovou a escolha, lá foi ele, de Ponte Nova para a capital, Belo Horizonte, exibir o que havia aprendido nas peladas de rua, no primeiro treino do time de aspirantes. 

Depois de correr feito azougue, dar fintas magistrais e finalizar o treino com um gol, fato inusitado para os meninos tímidos que chegam a um grande time, foi catapultado para o time profissional, premiado por seu talento.

De cara, participou de um jogo contra o Valério de Itabira, num campeonato “populista”, organizado pelos milicos ditadores, chamado “Campeonato do Povo”. Àquela altura, ainda sem o senso crítico afiado que foi adquirindo à medida que amadurecia, Reinaldo não fez gol, mas suas jogadas foram de tal modo apreciadas que assinou contrato e começou a ganhar como profissional e a agir como tal. Logo deixava a sua marca nos gramados. Preocupado com as desigualdades sociais e o racismo que não chegou a perceber contra si, mas que via acontecer ao seu redor, adotou o punho esquerdo cerrado e para o alto, símbolo da luta dos Panteras Negras, um grupo ativista contra o racismo nos Estados Unidos, na década de 1970.

O gesto não incomodou ao seu clube, mas começou a ser visto como por demais desafiador pelos militares que povoavam os postos chave do futebol e das confederações desportistas, como o almirante Heleno Nunes, presidente da Confederação Brasileira de Desportos. Deitaram os olhos sobre a sua vida, as suas amizades, os seus interesses, explicitados quando já era um nome nos gramados. Procurado pelo jornal alternativo O Movimento – a imprensa de resistência na época da ditadura -, abriu o verbo contra o arrocho salarial, o racismo, a falta de democracia, pregou a favor da anistia e pelo direito ao voto para a escolha dos dirigentes do país. Pelo fim da ditadura.

Desde então, passou a ser achincalhado dentro e fora do campo. Vida profissional e pessoal passaram a ser esculachadas em revistas especializadas de futebol e nas colunas de fofocas. Era hetero, mas por ser totalmente desprovido de preconceito, como as pessoas de bem devem ser, não se furtava a receber amigos gays, e a ter como compadre o irmão do religioso Frei Beto, um então exilado e perseguido político. Daí para ser rotulado de “viado”, “comunista” e “drogado” foi um pulo. “Eu me preocupava com a minha mãe, que se revoltava com aquilo tudo, discutia na rua, não se conformava. Eu não queria ver a minha mãe sofrendo por minha causa”, diz, até hoje demonstrando mágoa.

Não se drogava, mas levava a fama. “Eu era um jovem de 20 anos. Tinha uma vida normal dos que têm essa idade. Nada demais, porque eu era um atleta, não podia abusar, tinha a minha carreira”, reage, como se ainda tivesse apontados para si os dedos daqueles que ajudaram a afastá-lo para fora dos campos.

Não era comunista: “eu tinha consciência, me preocupava com esse racismo estrutural que a gente tem até hoje e que precisamos continuar a combater. Queria a democracia. Eu queria, como acredito que a maior parte dos jovens daquela época queriam, ver a normalização. Não ter um governo de exceção, militar, que existia, o AI-5 e toda a aparelhagem que usavam para prender, torturar e matar os filhos do Brasil. Os próprios brasileiros”, diz, ainda com grande carga de indignação.

“Então eu comecei a fazer o gesto (dos Panteras Negras), porque eu era artilheiro do campeonato brasileiro, com um recorde até hoje, porque eu fiz 28 gols no conjunto de partidas, um recorde que permanece até hoje. Eu fazia esse gesto nas minhas comemorações, além de ter me manifestado nessa entrevista (ao Movimento), dizendo que a gente queria ver um país praticando a democracia, que desse a anistia e que os militares voltassem para o quartel. Os militares têm outra função, que não é a de dirigir o país. Por causa desse gesto e da minha manifestação eu sofri uma perseguição severa”, recorda.

Durante todos esses anos, depois de relacionamentos destruídos, do sofrimento da mãe, e do seu próprio, que mais tarde desembocaram em uma dependência química, da qual se livrou graças à sua força emocional, como descreve, Reinaldo buscou documentação que comprovasse tudo o que dizia. Confessa que foi um alívio ver a concretude dos papéis do SNI comprovando os monitoramentos a que se referiu, sempre que teve a carreira obstruída, as escalações brecadas, o seu nome retirado de competições, com da Copa de 1982, por ingerência política.

“Na ocasião eu já sentia toda essa perseguição e toda essa pressão”, afirma. Por isso eu entrei com esse requerimento para que fosse reparada toda essa sabotagem, essa sacanagem que fizeram comigo durante esse período, que foi a minha melhor fase no futebol, que com certeza me tiraram muitas oportunidades”, revolta-se. Não só pessoal, mas sobretudo profissional. Eu fui muito prejudicado”. 

Ninguém tinha ou tem dúvidas quanto a isso. Basta ver alguns replays de suas jogadas para constatar que Reinaldo deslizava pelo campo em busca da bola, deixando atrás de si marcadores atônitos, sem entender como, até mesmo sem bola - como no jogo do Atlético do Rio Grande do Norte, pelo Brasileirão -, ele deixou toda a defesa travada na pequena área, sem usar a bola. Apenas com giros de corpo, como num balé, cujos passos só ele dominava.

Em uma conversa emocionada com o “Denise Assis Convida”, que vai ao ar na TV 247 no próximo domingo, às 12h, Reinaldo revela, por exemplo, que foi Telê Santana o responsável pela sua não ida à Copa da Espanha, em 1982, quando o Brasil, com um time estelar, saiu derrotado “por ele mesmo, pela arrogância da equipe”, analisa. Telê era um conservador, reacionário”, arremata. Essa é uma conversa que vocês não podem perder.

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