Caso Benício: por que a Justiça deu habeas corpus à médica e negou o benefício à técnica de enfermagem
As duas profissionais são investigadas após a aplicação incorreta de adrenalina em um hospital particular de Manaus
247 - A decisão da Justiça do Amazonas de conceder habeas corpus à médica Juliana Brasil Santos e negar o mesmo pedido à técnica de enfermagem Raiza Bentes Praia, no caso da morte do menino Benício Xavier, de 6 anos, teve como base fundamentos jurídicos distintos relacionados ao grau de risco processual atribuído a cada investigada. As informações são do g1, que detalhou os despachos dos desembargadores responsáveis pelas decisões.
As duas profissionais são investigadas após a aplicação incorreta de adrenalina em um hospital particular de Manaus. De acordo com a apuração policial, a médica teria prescrito uma dosagem inadequada do medicamento, enquanto a técnica teria realizado a aplicação de forma intravenosa e sem diluição, procedimento considerado de alto risco para crianças.
Segundo os autos, Juliana Brasil Santos teria reconhecido o erro em documento encaminhado à Polícia Civil e em conversas com o médico Enryko Queiroz, embora sua defesa sustente que a manifestação ocorreu em momento de forte abalo emocional e não configuraria confissão formal.
Já a técnica de enfermagem afirmou, em depoimento, que seguiu fielmente a prescrição médica ao administrar a adrenalina por via intravenosa. Ela também declarou que mostrou a prescrição à mãe da criança antes do procedimento e que informou sobre a forma de aplicação.
Por que a médica recebeu o habeas corpus
No dia 27 de novembro, a desembargadora Onilza Abreu Gerth entendeu que não havia elementos concretos que justificassem a decretação de prisão preventiva contra a médica. Entre os pontos considerados na decisão estão a ausência de risco real à ordem pública, o fato de Juliana possuir residência fixa, trabalho estável e vínculos familiares, além de ter colaborado com as investigações.
A magistrada também avaliou que a guarda dos registros e documentos do atendimento está sob responsabilidade do hospital, o que reduziria a possibilidade de interferência da médica na produção de provas. Outro fator relevante foi a avaliação de que uma prisão preventiva, naquele momento, seria medida desproporcional, além de haver risco de ilegalidade caso a custódia fosse decretada sem fundamentos individualizados.
Por que a técnica teve o pedido negado
Em decisão posterior, o desembargador Abraham Peixoto Campos Filho negou o habeas corpus da técnica de enfermagem. Para ele, ainda persistem riscos à ordem pública e ao andamento das investigações, especialmente diante da gravidade concreta do caso.
O magistrado destacou que a morte de uma criança dentro de um hospital particular gerou forte comoção social e que existem indícios de violação da confiança inerente ao exercício profissional. Também pesou o fato de a investigação apurar, além do possível homicídio qualificado, suspeitas de falsidade ideológica e uso de documento falso, o que, na avaliação do desembargador, justificaria a adoção de medidas cautelares mais rígidas.
Segundo a decisão, a liberdade irrestrita da técnica poderia comprometer a coleta de novos depoimentos e o esclarecimento de pontos ainda pendentes da apuração.
O que aconteceu com Benício
Benício Xavier foi levado ao hospital com tosse seca e suspeita de laringite. De acordo com o pai, Bruno Freitas, a médica prescreveu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa.
“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Nós perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado por via intravenosa. Falou que estava na prescrição e que ela ia fazer”, relatou o pai.
Após a primeira aplicação, o menino teria apresentado piora súbita, sendo encaminhado à sala de emergência. Ainda segundo o relato do pai, a oxigenação caiu drasticamente, uma nova médica foi acionada, e foi solicitado um leito de UTI.
Na unidade de terapia intensiva, o quadro clínico se agravou, e a criança precisou ser intubada por volta das 23h. Durante o procedimento, sofreu as primeiras paradas cardíacas. O pai afirmou que o sangramento ocorreu porque a criança vomitou durante a intubação. Apesar das tentativas de reanimação, Benício morreu às 2h55 da madrugada.
“Queremos justiça pelo Benício e que nenhuma outra família passe pelo que estamos vivendo. O que a gente quer é que isso nunca mais aconteça. Não desejamos essa dor para ninguém”, disse Bruno Freitas.
Investigações em andamento
Em nota, o Hospital Santa Júlia informou que a médica e a técnica de enfermagem foram afastadas de suas funções e que instaurou uma apuração interna por meio da Comissão de Óbito e Segurança do Paciente.
A Polícia Civil do Amazonas afirmou que as investigações seguem em curso para esclarecer todas as circunstâncias da morte de Benício e que novos detalhes não estão sendo divulgados para não comprometer o andamento dos trabalhos.

