New York Times processa Pentágono por censura prévia à imprensa
Jornal acusa governo Trump de impor restrições inconstitucionais a repórteres e compara medidas à censura da ditadura militar no Brasil
247 - O jornal The New York Times ingressou com uma ação judicial contra o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, acusando o órgão de impor um sistema de censura prévia à imprensa, em violação direta à Constituição norte-americana. As informações foram publicadas pelo site Consultor Jurídico (ConJur).
De acordo com a petição apresentada pelo jornal, as novas regras impostas aos jornalistas credenciados para a cobertura da área militar violam os direitos à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e ao devido processo legal. O processo sustenta que a política atual reproduz práticas típicas de regimes autoritários e faz uma comparação direta com a censura imposta no Brasil durante a ditadura militar dos anos 1970.
Naquele período, censores permaneciam dentro das redações para controlar previamente o que poderia ser publicado. Segundo a ação, algo semelhante passa a ocorrer agora dentro do próprio Pentágono, sob a autoridade do atual secretário de Defesa, Pete Hegseth, no governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“A divulgação de quaisquer informações não autorizadas por funcionários do departamento podem levar a punições, independentemente de a coleta de notícias ocorrer dentro ou fora das instalações do Pentágono e de as informações em questão serem classificadas ou não classificadas”, aponta a ação.
Além disso, os repórteres passaram a ser obrigados a assinar um “termo de compromisso” concordando com um conjunto de regras que agora somam 21 páginas — anteriormente, todas as normas cabiam em apenas uma página. Aqueles que se recusarem a assinar o documento podem ter suas credenciais “negadas, não renovadas, suspensas ou revogadas” e, uma vez descredenciados, são obrigados a devolver imediatamente seus crachás de acesso.
Diante das novas exigências, diversos veículos de comunicação abandonaram a cobertura oficial no Pentágono. Entre eles estão The New York Times, Washington Post, CNN, ABC News, CBS News, NBC News e até a conservadora Fox News. Permaneceram apenas alguns veículos de menor expressão nacional, alinhados ao governo Trump.
A petição do NYT alerta que o atual modelo cria um ambiente propício à censura direcionada por conteúdo e por posicionamento editorial. O jornal afirma:
“Uma lei ou política que permite a comunicação de certa maneira para alguns, mas não para outros, levanta o espectro da censura de conteúdo e de ponto de vista. E esse perigo atinge seu ápice quando a determinação de quem pode se expressar e quem não pode é deixada à discrição ilimitada de um funcionário público”.
Risco de autocensura e intimidação
O jornal também aponta o risco de autocensura, fenômeno igualmente observado durante a ditadura brasileira, quando veículos deixavam de publicar informações por medo de represálias. Para o NYT, a ameaça permanente de punição gera um efeito inibidor sobre a atividade jornalística.
Segundo o processo, a política do Pentágono permite que autoridades classifiquem um jornalista como ameaça à segurança simplesmente por tentar apurar ou publicar informações não previamente autorizadas. Isso, segundo o jornal, pode resultar na “proibição imediata de acesso ao Pentágono”.
O próprio NYT afirma que esse mecanismo constitui “uma intimidação que leva os veículos de imprensa a censurarem a própria expressão, mesmo em casos em que esses funcionários não cheguem a usar, efetivamente, sua discrição e seu poder para controlá-los”.
A ação também sustenta que a política atual é inconstitucionalmente vaga, pois não apresenta critérios objetivos para orientar sua aplicação. O jornal afirma que, “sem diretrizes que governem o exercício da discricionariedade, o departamento pode decidir quem pode e quem não pode ter acesso ao Pentágono, com base no conteúdo da expressão ou no ponto de vista expressado”.
Além disso, o NYT alega violação direta à cláusula do devido processo legal, prevista na Constituição dos Estados Unidos, que garante que nenhuma pessoa pode ser privada de direitos sem um procedimento legal claro e justo. Segundo a petição, a política “não fornece o tipo de aviso que permita às pessoas comuns entenderem qual conduta é proibida” e “autoriza e até mesmo incentiva a aplicação arbitrária e discriminatória”.
A argumentação se baseia em precedentes da Suprema Corte, como City of Chicago v. Morales e Woodhull Freedom Foundation v. United States, este último citado da seguinte forma:
“Uma lei é inconstitucionalmente vaga se não fornecer a uma pessoa de inteligência comum uma notificação clara sobre o que é proibido ou se for tão desprovida de critérios que autorize ou incentive uma aplicação seriamente discriminatória”.
O Pentágono é a sede física do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, órgão que comanda as Forças Armadas, que incluem Exército, Marinha, Força Aérea, Corpo de Fuzileiros Navais (Marines) e Força Espacial.
Segundo a reportagem, o presidente Donald Trump e o secretário de Defesa Pete Hegseth tentam alterar o nome do órgão para Departamento da Guerra (U.S. Department of War – DoW), medida que ainda depende de aprovação do Congresso.



