McDonald’s se livra de pagar R$ 324 milhões após definição de que seu sorvete não é sorvete
CARF anula autuação ao concluir que Receita não analisou provas técnicas na classificação tributária de sobremesas
247 – O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) anulou uma cobrança de R$ 324,3 milhões aplicada à Arcos Dorados, operadora do McDonald’s no Brasil, ao concluir que a Receita Federal não avaliou corretamente as provas técnicas ao classificar determinados produtos da rede para fins de tributação. A decisão, que envolve o período de 2018 a 2019, foi noticiada pelo Brazil Stock Guide, especializado em análises regulatórias e corporativas.
A controvérsia girou em torno da classificação fiscal de cones, sundaes e milkshakes vendidos pelo McDonald’s. A definição é decisiva porque determina se os produtos estão sujeitos a uma carga tributária federal de 9,25% ou se podem se beneficiar de um regime de alíquota zero.
Pelo regime não cumulativo brasileiro, sorvetes e sobremesas congeladas são tributados integralmente pelo PIS, à alíquota de 1,65%, e pela Cofins, à alíquota de 7,6%, totalizando 9,25% sobre a receita bruta. Já as bebidas lácteas, categoria que inclui produtos como iogurtes, contam com alíquota zero desses tributos, conforme legislação federal voltada ao incentivo ao consumo de derivados do leite. Essa diferença explica o valor elevado da autuação e a relevância econômica do caso.
A Receita Federal sustentava que as sobremesas do McDonald’s deveriam ser tratadas como sobremesas congeladas, o que afastaria o benefício fiscal. A empresa, em resposta, argumentou que os produtos se enquadram como bebidas lácteas, por conterem mais de 51% de leite em sua composição e apresentarem características físicas de líquidos de alta viscosidade, e não de sólidos totalmente congelados.
Ao analisar o processo, o CARF afirmou que a autoridade fiscal não pode se basear em presunções ou na percepção do consumidor. Segundo o colegiado, é obrigação do Fisco examinar provas técnicas e laboratoriais. Os conselheiros criticaram a decisão administrativa anterior por ignorar laudos especializados e aplicar automaticamente uma interpretação interna da Receita, sem avaliar as especificidades dos produtos efetivamente comercializados.
De acordo com as provas apresentadas, as sobremesas não passam pelo mesmo processo de congelamento do sorvete tradicional e mantêm propriedades líquidas no momento da venda. Essa distinção técnica, segundo o CARF, as aproxima mais, do ponto de vista regulatório, das bebidas lácteas do que dos sorvetes propriamente ditos.
Impacto direto nas margens de lucro
A decisão também impôs limites à aplicação automática de orientações internas da Receita Federal. Embora esses entendimentos sejam vinculantes dentro do órgão, o conselho destacou que eles não se sobrepõem ao direito do contribuinte a uma análise probatória completa, especialmente em disputas que envolvem classificação técnica de produtos.
Os julgadores ainda apontaram uma inconsistência interna da própria Receita. A mesma orientação administrativa reconhece que milkshakes podem se enquadrar no regime de alíquota zero se cumprirem requisitos técnicos, mas, no caso concreto, a autuação aplicou a carga tributária mais elevada de forma uniforme a todos os produtos.
O impacto da decisão é ampliado pela importância do Brasil para o McDonald’s. A rede opera mais de 2 mil restaurantes no país, um de seus maiores mercados fora dos Estados Unidos. Em um país de clima predominantemente tropical, sobremesas geladas como cones e sundaes são produtos de alto volume de vendas, o que transforma a classificação tributária em uma questão estratégica, com efeitos diretos sobre custos e margens, e não apenas em um detalhe técnico.



