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Oásis

Benito Mussolini - Grão-Mestre da ditadura

Como foi que um modesto professor de escola primária conquistou a Itália e se tornou "Il Duce"? Através do partido único, da corrupção da classe política, da violência generalizada e do culto à personalidade do líder

Como foi que um modesto professor de escola primária conquistou a Itália e se tornou "Il Duce"? Através do partido único, da corrupção da classe política, da violência generalizada e do culto à personalidade do líder (Foto: Gisele Federicce)
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Em Roma, Benito Mussolini costumava discursar ao povo desse balcão na Praça Veneza

 

 

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Por: Gianpaolo Fissore (Revista Focus Storia 48)

"Poderia fazer desta sala surda e cinzenta um acampamento de homens sob meu comando. Poderia arrombar a porta do Parlamento e constituir um governo composto exclusivamente de fascistas. Poderia, mas não desejo, pelo menos por enquanto, que isso aconteça". Foi com essas palavras que não deixam margem a dúvidas sobre suas intenções finais, que Benito Mussolini se apresentou à Câmera dos Deputados da Itália em 16 de novembro de 1922, disposto a arrancar dos parlamentares um voto de confiança.

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Depois de meses de violências cometidas por seus esquadrões contra os partidos e os sindicatos de esquerda, no dia 26 de outubro teve início a mega manifestação que passou à história com o nome de "Marcha sobre Roma". Ela só se concluiu no dia 30 de outubro, depois que 25 mil camisas-negras, como eram chamados os militantes fascistas, conseguiram entrar e se agrupar em Roma sem enfrentar nenhum obstáculo ou dificuldade. Ao mesmo tempo, o chefe do fascismo chegara a Roma vindo de trem, de Milão. Seu trunfo era ter sido virtualmente encarregado, pelo rei Vitório Emanuel, de formar um governo de coalizão.

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Foto tomada durante a 'Marcha de Roma' mostra o líder fascista em pose típica


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Porrete e respeito às leis

O advento do fascismo italiano, como sustenta o historiador inglês Donald Sassoon no livro Come nasce un dittatore (Rizzoli), foi o resultado da combinação entre o uso da força, exibida e ameaçadora com a mobilização teatral dos "esquadrões" fascistas, e o respeito formal da lei. Embora na retórica do regime aquela tomada de poder tenha sido celebrada sempre como ruptura violenta, como "indiscutível ato revolucionário", a verdade é que Mussolini prestou juramento ao soberano e à Constituição e se apresentou formalmente ao Parlamento, ao qual pediu e obteve plenos poderes. "Diga a verdade, fizemos uma revolução única no mundo", disse ele a um jornalista. Benito Mussolini tinha naqueles dias apenas 39 anos de idade. Era e continua sendo o mais jovem primeiro ministro da história da Itália Unida.

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Como seu aliado Adolf Hitler, Mussolini costumava exibir expressões tresloucadas durante seus discursos ao povo


Um único homem no comando

Pela primeira vez, com efeito, no período democrático da Europa Ocidental, o poder tinha sido confiado ao chefe de uma milícia-partido por ele mesmo formada. Um soldado-político que declarava que o Estado liberal estava superado e que o parlamentarismo, com seus deputados democraticamente eleitos, estava virtualmente morto. Apesar das proclamações antidemocráticas e do exercício do poder com métodos violentos e sem respeito às regras, a data de início do regime ditatorial só seria oficial cerca de dois anos depois, a 3 de janeiro de 1925. Só então Mussolini assume, durante discurso à Câmera dos Deputados, a responsabilidade moral e política de alguns crimes cometidos durante o seu mandato, declarando-se pronto a desencadear a violência para eliminar toda e qualquer oposição. Fez na ocasião referimento explícito ao assassinato de Matteotti, o deputado socialista que tinha denunciado na tribuna do Parlamento as violências e as intimidações perpetradas pelo partido fascista.

As providências tomadas "em defesa do Estado", varadas a 5 de novembro de 1926, depois que já estavam dissolvidos os sindicatos e os partidos e fechados ou suspensos todos os jornais não fascistas, assinalaram o fechamento definitivo de todos os espaços de liberdade. A partir daquele momento, opor-se a Mussolini, ao seu governo e ao seu partido significava estar fora da lei. Apesar de tudo isso, alguns historiadores até hoje não concordam em definir a Itália fascista como um Estado totalitário.

Atitude típica do ditador quando falava ao povo


Ditadura de partido único

Foi muito seguida, por exemplo, por muitos historiadores do pós-guerra, a posição abalizada da socióloga Hannah Arendt que, identificando a essência do totalitarismo com o terror e o extermínio de massa, limitou a abrangência dos regimes totalitários ao nazismo e ao comunismo estalinista. Segundo essa estudiosa alemã, depois radicada nos Estados Unidos, Mussolini se satisfez com a "ditadura de partido único", no que foi imitado, no período entre as duas grandes guerras, por governos de direita surgidos na Romênia, Polônia, Hungria, Portugal, Espanha e nos Estados bálticos.

Mas outros historiadores, como é o caso do italiano Emilio Gentile, têm diferente opinião. Gentile considera que o fascismo tenha antecipado Hitler e Stalin, ao impor na Itália uma sociedade que passou a existir sob controle total do poder constituído. Uma verdadeira ditadura, enfim. E um primeiro exemplo de totalitarismo do qual o partido, o Estado e o Duce constituíam os pilares indissolúveis.

Grupo de 'camisas-negras', militantes fascistas agrupados numa das muitas milícias organizadas pelo partido


A doutrina do fascismo

"Um partido que governa totalitariamente uma nação é um fato novo na história. Ele não pode ser relacionado a nenhum outro", escreveu o próprio Mussolini na sua Doutrina do Fascismo (1932). A operação de aparelhamento fascista do Estado através de um partido dominante teve início já em 1923 com a instituição das milícias voluntárias para a segurança nacional. Esse ato colocou a força armada do partido em dependência direta do chefe do governo. Mas ela só começou a agir realmente como instrumento opressor da população italiana a partir de 1926, quando o "feixe" tornou-se o emblema nacional do Estado. Em 1928, o Grande Conselho, órgão supremo do partido, tornou-se órgão estatal. O aparelhamento partidário do país ocorreu com rapidez e, a partir de 1932, possuir a carteirinha de membro do PNF (Partido Nacional Fascista) passou a ser necessária para a participação em qualquer concurso público. Cinco anos mais tarde, essa carteirinha tornou-se documento equivalente à carteira de identidade.

Mussolini e Adolf Hitler desfilam pelas ruas de Munique (1940). A aliança entre os dois ditadores determinou os rumos da Segunda Grande Guerra


Monopólio social

O partido, para cujas organizações confluíram, no decurso dos anos 30, todas as categorias de cidadãos, sem distinção de sexo e idade, desde adolescentes urbanos até mulheres camponesas, deveria desempenhar a função de "grande pedagogo" seguindo os cidadãos "em todas as fases do seu desenvolvimento, antes mesmo que viessem à luz, antes da sua formação, sem abandoná-los nunca, dando a todos uma consciência e uma vontade unitária e profundamente direcionada".

O monopólio da atividade política, da atividade assistencial e do tempo livre (desde as colônias de férias às atividades recreativas após o horário de trabalho), o enquadramento e a mobilização das gerações mais jovens, dos soldados e dos indivíduos de vanguarda, constituiu uma das bases mais importantes daquele regime totalitário. Ele era feito de coerção violenta, mas também desfrutava do apoio e do consenso de largas faixas da população. Desde pequeno, segundo a doutrina mussoliniana, o "homem novo", o futuro cidadão-soldado, teria de ser esvaziado da sua própria individualidade para deixar-se inteiramente absorver pela comunidade totalitária. Desse processo fazia parte o culto constante da personalidade do chefe supremo.

Mussolini visita uma das várias associações fascistas criadas para serem braços do partido


Culto da personalidade

Em 1932, durante as comemorações dos dez anos da Marcha de Roma, foi inaugurada uma Exposição da Revolução Fascista. O tema principal de uma infinidade de quadros, esculturas e fotomontagens era sempre o mesmo: Mussolini. O culto do líder tornou-se o elemento central da nova "religião política", uma outra novidade, segundo Emilio Gentile, da via italiana para o totalitarismo. A liturgia fascista, com seus mártires e os seus santos (os heróis da guerra patriótica e os combatentes em camisa negra caídos durante ações violentas empreendidas pelos esquadrões), os seus lugares de culto (as casas do "feixe" e a já citada Exposição da Revolução Fascista), os seus ritos de iniciação e de comunhão (o apelo aos mortos, os cortejos fúnebres, o juramento fascista), as suas vastas assembleias de crentes, o mito fundador extraído da romanidade antiga (Mussolini faz de Roma a vitrine do regime imaginando-a como uma capital universal) teve o seus deus-sacerdote na própria pessoa do Duce.

Ele era o chefe indiscutível que se considerava capaz de suscitar uma nova fé à altura de transformar as massas populares em uma "comunidade moral organizada totalitariamente", realizando dessa forma a unidade da nação e da estirpe.

Digno de nota, no entanto, é o fato de que só o assassinato de Matteotti, em 1924, foi capaz de dar fim ao apoio dos liberais ao fascismo. Até então, até mesmo os que se declaravam democratas o apoiavam.

Mais que uma ideologia política, o fascismo se apresentava ao povo italiano como um 'estilo de vida'


Fábrica de consenso

O culto a Mussolini, "o único chefe, de quem todo poder emana. O condutor, o único condutor ao qual nenhuma turba pode substituir", se desenvolveu a partir de 1926 por iniciativa de Augusto Turati, secretário do Partido Nacional Fascista até 1930. No decênio sucessivo, durante o longo secretariado de Achille Starace - o inventor do cerimonial que impôs a todos o dever de saudar o Duce com a saudação romana (o braço direito estendido para o alto) todo vez que ele surgisse em público – o ex-professor primário foi transformado em herói e quase um santo, um "homem da Providência", como fora definido pelo próprio Papa Pio 11 depois da assinatura, em 1929, do Pacto Lateranense.

Pensador e estadista, escritor, artista e fundador de impérios, mas também trabalhador da terra, hábil no manejo da forja metalúrgica, bem como excelente esportista em todas as disciplinas, "o mais belo, o mais forte, o melhor dos filhos da nossa Mãe Itália" (essa definição, de 1928, é de Augusto Turati), são apenas alguns dos epítetos dedicados ao Duce. Mussolini nunca perdeu uma oportunidade de se valorizar diante das câmeras de fotógrafos e cineastas: ora se mostrava no ato de discursar perante o público, ora de peito nu fatigando no labor da colheita, ora agarrando a picareta para aparecer como edificador da nova Roma, ora brincando com os filhos nos jardins de Villa Torlônia ou nadando a braçadas largas no Mar Mediterrâneo.

Mussolini gostava de aparecer em público sem camisa ou vestindo apenas um calção de banho


A imprensa durante o regime fascista

Para difundir essa imagem, Mussolini necessitava de meios importantes. Suprimidos em 1926 todos os órgãos de informação de oposição, ele encontrou um meio para manter em vida os grandes jornais nacionais, porém todos eles com direção e redações confiáveis e fieis. A subsecretaria da Imprensa e Propaganda tornou-se ministério em 1935 sob o comando de seu genro Galeazzo Ciano. O órgão foi em seguida transformado (1937) em Ministério da Cultura Popular, com o compito de orquestrar a propaganda e as informações. Deveria emanar diretrizes, filtrar e selecionar as notícias, censurar tudo que pudesse de algum modo atentar à "moral dos italianos". Vítima dessa censura foi, por exemplo, a foto do ex-campeão do mundo de pesos máximos, o italiano Primo Carnera, posto a nocaute em 1935 por Joe Louis, pugilista norte-americano à época pouco conhecido e ainda por cima "negro".

Na foto, Mussolini ajuda camponesas a preparar feixes de gravetos. O feixe, representando 'a união faz a força', era o principal símbolo fascista


Propaganda no rádio e no cinema

O rádio e o cinema desempenharam uma função precisa e importante no processo fascista que ficou conhecido como "fábrica do consenso". O primeiro foi colocado sob controle direto do Estado e usado de modo bastante inovador durante as grandes reuniões de massa, ocasiões nas quais a voz do ditador trombeteava com alto-falantes de um lugar a outro em toda a Itália. Isso aconteceu, por exemplo, a 2 de outubro de 1935, com a declaração de guerra à Etiópia; a 9 de maio de 1936, por ocasião da proclamação do império e também a 10 de junho de 1940, dia em que a Itália entrou em guerra ao lado do seu aliado nazista.

A outra arma poderosa para a criação do consenso foi o cinema. Todos os filmes, italianos ou não, distribuídos nas salas durante as duas décadas do fascismo, eram submetidos à censura. Com a sua produção diferenciada (cinejornais, documentários e os filmes que hoje chamamos de "ficção", o cinema teve um papel de primeira ordem na organização do consenso. Os cinejornais de propaganda eram obrigatórios antes da projeção de qualquer filme e transmitiam na telona a imagem idealizada do regime e do Duce, bem como da Itália e dos italianos.

"Se eu conseguir, se o fascismo conseguir plasmar como desejo o caráter dos italianos", afirmava Mussolini em 1926, "estejam tranquilos, certos e seguros de que, quando a roda do destino passar ao alcance de nossas mãos, estaremos prontos para agarrá-la e dobrá-la à nossa vontade". A promessa seduziu e convenceu a muitos: no final de 1939, segundo relatório do secretário do PNF Achile Starace, da população total de 43.733.000 de italianos, 21.606.468 estavam inscritos em alguma associação ligada ao partido fascista.

Cartaz de propaganda fascista mostra crianças cantando a célebre 'Facetta nera', um dos hinos populares do movimento

Começa a guerra trazendo o fim

Forjado o material humano, para usar a linguagem de Benito Mussolini, chegara o momento de "tomar de assalto a história". A 10 de junho de 1940 o Duce anunciou por rádio ao povo que a hora do destino tinha chegado: Tinha início assim, para os italianos, a Segunda Guerra Mundial. Envolvidos num cerimonial que era a principal (e para a maioria única) forma de participação na vida pública, milhões de italianos tornaram-se atores de um filme cujo final já se anunciava trágico.

Na esplêndida Villa Feltrinelli, a Gargnano, prudentemente longe de Milão onde os atentados começavam a pipocar, Mussolini morou de outubro de 1943 a abril de 1945. O seu mito estava fraturado. Na vida privada, era um pai entristecido pelo abandono da filha mais querida (Edda fugira para a Suíça depois da execução do marido, Galeazzo Ciano) e um marido infiel envelhecido, empenhado em manter a esposa Dona Rachele longe da amante Claretta Petacci, abrigada na vizinha cidadezinha de Gardone.

Em público, vociferava contra "as raças bastardas e mercenárias" que tinham invadido a Itália, e contra os "traidores de 25 de julho". Na prática, era subalterno dos aliados alemães e não mais capaz de controlar a anarquia dos combates.

A um jornalista, Gian Gaetano Cabella, confidenciou: "Nos diálogos que tantas vezes mantive com as multidões, tinha a convicção de que os gritos que acompanham os meus reptos e convocações fossem um sinal de consciência, de compreensão, de evolução. Em vez disso, era pura histeria coletiva".

Assim terminou Benito Mussolini: executado e pendurado pelos pés no Pìazzale Loreto, ao lado da amante Clara Petacci e de outros dirigentes fascistas.

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