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Fumar, um prazer que mata: História de um vício mortal que virou droga de Estado

Onde teve início o hábito de fumar, uma "mania letal" segundo as advertências da Organização Mundial da Saúde e dos médicos de todo o planeta? A história do cigarro tem a ver sobretudo com a religião e o dinheiro: O tabaco sempre foi um instrumento religioso, até virar fonte de lucros milionários

Onde teve início o hábito de fumar, uma "mania letal" segundo as advertências da Organização Mundial da Saúde e dos médicos de todo o planeta? A história do cigarro tem a ver sobretudo com a religião e o dinheiro: O tabaco sempre foi um instrumento religioso, até virar fonte de lucros milionários (Foto: Gisele Federicce)
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Por: Equipe Oásis

O fumo, no início das civilizações humanas, não era um objeto de consumo de massa, e sim um produto sagrado cujo uso era exclusivo dos sacerdotes. Os xamãs dos maias e dos astecas, ao redor do ano mil, sopravam a fumaça do tabaco em direção ao Sol e aos quatro pontos cardeais para se comunicarem com as divindades. A pequena nuvem de fumaça, "imaterial" como poderia ser um espírito, era um importante instrumento religioso. Até hoje, pajés indígenas e médiuns da umbanda e do candomblé lançam mão da fumaça do tabaco para rituais de cura e de purificação espiritual.

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O fumo do tabaco foi descrito pela primeira vez já na época da descoberta da América por cronistas como Bartolomeu de las Casas. Participante da segunda viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo, ele narra que o uso do tabaco era costumeiro entre os indígenas Taino (população pré-colombiana que habitava o atual Santo Domingo): "Os indígenas misturam o próprio sopro com o fumo de uma erva chamada pentum (ou tobago) e sopram como danados". Anos depois, o governador espanhol de Santo Domingo, Dom Fernando Oviedo, acrescenta: "Entre as muitas artes satânicas que praticam, os indígenas possuem uma altamente nefasta, a aspiração do fumo de folhas que eles chamam tabaco e que produz neles um profundo estado de inconsciência".

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A função do fumo do tabaco entre os nativos americanos era, portanto, e claramente, a de provocar um estado alterado de consciência, o que ocorria quando a fumaça era aspirada com força e em grande quantidade. O tabaco na época era também cheirado na forma de pó, para os usos mais variados, sobretudo para a cura de moléstias (acreditava-se que ele tinha poderes curativos) ou então misturado com cinzas e usado como goma de mascar. Até hoje é usado dessa forma pelos índios ianomâmis no Brasil, com efeitos aparentemente positivos no equilíbrio do ph no interior da boca e também para a saúde dos dentes (como revela um estudo feito por pesquisadores da universidade de Turim, Itália). Já os indígenas das planícies da América do Norte fumavam o cachimbo, mas apenas por ocasião de importantes cerimônias espirituais ou durante as reuniões dos conselhos de anciãos.

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Recreação para marinheiros e soldados

Proveniente das Américas, o tabaco fez sua entrada triunfal na Europa levado pelos marinheiros de Cristovão Colombo. Em 1560, um embaixador português na França, Jean Nicot, promoveu o tabaco como planta medicinal (vem dele o nome do princípio ativo dessa planta, a nicotina) Rapidamente, no entanto, o tabaco tornou-se matéria prima para consumo recreativo primeiro entre os marinheiros e soldados europeus. Isso não significa que na Europa e na Ásia ninguém tinha nunca fumado nada antes da descoberta do tabaco americano. Simplesmente, fumavam-se outras coisas.

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Os persas, a antiga população ariana do atual Irã, bem como os citas, antigo povo da Mesopotâmia, utilizavam sementes de maconha (Cannabis sativa), chamada marijuana na Europa. Como conta o historiador grego Heródoto: "Eles se metiam sob uma espécie de tenda bem fechada, feita de várias camadas de cobertas, e atiravam as sementes sobre pedras incandescentes; as sementes queimavam produzindo um fumo que nenhum vapor grego poderia superar. Os citas gritavam de alegria..." O motivo, é fácil de imaginar: inalando fumaça da cannabis, iam às alturas...

Os sumérios, muito antes deles, utilizavam o ópio em cerimônias particulares, sob a forma de tintura e pequenas bolas para serem ingeridas; muito provavelmente também o fumavam. O uso do ópio no Extremo Oriente, e do hashish (um parente asiático da maconha) no Médio Oriente tornaram-se muito difundidos já nos séculos da Idade Média. O primeiro se transformou depois numa praga social na China colonial onde, na primeira metade do século 19, estourou a terrível Guerra do Ópio.

A invenção do cigarro

Mas como aconteceu o processo de transformação do tabaco de substância sacra e curativa da antiguidade a droga venenosa dos nossos dias? Foi tudo questão de lucro comercial. Já no século 17, os ingleses começaram a comercializar o fumo do tabaco e com ele a obter grandes lucros. No início, seus consumidores eram os soldados e marinheiros. Mas rapidamente a droga caiu no agrado dos intelectuais de todos os tipos, que o consumiam sobretudo na forma de charutos ou de fumo para cachimbo. Escritores, poetas e pintores, ao fumar ostensivamente, queriam contestar os rígidos costumes comportamentais da época. Entraram em cena inclusive algumas mulheres tabagistas, que fundaram na Inglaterra a Ordem da Tabacaria.

Pintores como Adriaen Brower difundiram a imagem do fumante de cachimbo e Sebastian Bach compôs uma obra em homenagem ao fumante. Na sociedade burguesa abastada da Europa os convidados se retiravam após o jantar para uma sala e usavam uma veste fornecida pelo dono da casa. O nome dessa roupa era smoking; quando voltavam para a sala de jantar, os convidados voltavam a vestir suas próprias vestes, que não cheiravam a tabaco. Assim fazendo, não incomodavam os demais hóspedes. Mas ainda se fumava apenas charutos e cachimbos. A "peste do fumo", que se espalhou sem limite pelo mundo todo, começou num dia de 1832, quando soldados muçulmanos turcos que assediavam a cidade de São João do Acre, na Palestina, experimentaram enfiar tabaco nos cilindros de papel nos quais se conservava a pólvora, e os acenderam para fumar. Estava assim inventado o cigarro, e lançado o vírus da pandemia do fumo.

Da Turquia à Grã Bretanha, da França à Alemanha, as máquinas da Revolução Industrial puseram-se a confeccionar milhões e milhões de cigarros. Nessa época conturbada, cheia de conflitos bélicos, o terreno era o mais adequado para uma evolução: um pouco pelos efeitos tônicos da nicotina e um pouco pela antiga mística relacionada aos dotes mágico-espirituais do tabaco, o cigarro passou a ser considerado uma espécie de doping para os soldados que combatiam nos frontes de batalha. Curiosamente, o tabaco também passou a ser preconizado aos sacerdotes cristãos como antídoto às tentações de tipo sexual.

Poder para criar dependência

Durante a guerra civil norte-americana, o uso surgiu primeiro entre os soldados confederados, depois também entre os combatentes da União. Apareceu na época um tipo de cigarro confeccionado com tabaco mais claro, selecionado para a indústria dos cigarros que, no final da Guerra de Secessão, espalhou-se em toda a parte. O sabor dessa nova variedade era mais suave e seu cheiro mais agradável. Seu poder para criar dependência, no entanto, era muitas vezes superior ao do tabaco praticamente selvagem até então cultivado.

Em 1880, finalmente, foi inventada uma tecnologia de fabricação capaz de garantir preços baixos para a produção em grande quantidade de cigarros. A publicidade fez o resto ao aconselhar, por exemplo, o uso de cigarros "para se manter a linha", em vez de consumir doces e caramelos. Nos filmes, quase sempre, os atores apareciam segurando com elegância cigarros acesos entre os dedos, ou dando longas baforadas, com expressão sonhadora no olhar. Tudo pensado e feito para dar exemplo e arregimentar novos consumidores. No final da Segunda Guerra Mundial, os pacotes de cigarro que os soldados americanos recebiam grátis substituíam o dinheiro nas transações no mercado negro. O cigarro tornou-se a seguir um dos produtos mais amados (e protegidos) dos governos pela gigantesca renda que passaram a representar graças aos impostos de consumo embutidos no seu preço. Nos anos cinquenta e sessenta do século passado, com a desculpa do estilo realista, atores, cantores e escritores apareciam em toda a parte, cinemas, teatros, restaurantes, com o cigarro entre os dedos. Os cigarros tinham definitivamente transformado o uso sagrado e extemporâneo do tabaco em um vício quotidiano de massa. E numa droga de Estado.

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