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Oásis

Paris com telhado de vidro

As galerias cobertas de Paris so as precursoras dos modernos shopping-centers. A maior parte delas ainda funciona. Venha passear nesses parasos da burguesia endinheirada

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Por Luis Pellegrini

Fotos de Lamberto Scipioni

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Nenhum outro lugar na face da Terra espelha melhor os anseios da burguesia do que as galerias cobertas de Paris. Nas primeiras décadas do século 19, quando os lucros da Revolução Industrial começaram a encher os bolsos da nova classe social emergente, elas começaram a surgir em toda parte na capital francesa. Chegaram a ser mais de uma centena. Hoje, cerca de vinte galerias ainda restam, desempenhando o mesmo papel original. Todas estão na Rive Droite, a margem direita do rio Sena, nas imediações da Bolsa de Valores, da Ópera e do Palais Royal. Percorre-las é mergulhar direto nos tempos em que, em Paris, os homens não saíam às ruas sem cartola e bengala, e as mulheres sem seus espartilhos, luvas e chapéus. Os tempos gloriosos da Belle Époque.

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As galerias cobertas são uma invenção parisiense. Sua aparição resulta de uma conjunção de vários fatores. Para começar, desde sempre os plebeus invejaram as grandes galerias construídas no interior dos palácios dos nobres. Ao abrigo da chuva, do vento e do frio, suas majestades reais e seus incontáveis cortesãos passavam horas e horas, todos os dias, caminhando para lá e para cá nessas galerias. Elas eram o fórum ideal para todo tipo de fofocas, passarela para a exibição de vestuários suntuosos, galeria de arte para que o dono do palácio apresentasse suas mais recentes aquisições, salão de chá, território para as mais extravagantes caçadas amorosas.

Enquanto isso, fora de suas casas e dos seus locais de trabalho, o povão só dispunha das igrejas e dos mercados como opção de lazer. Paris, no início do século 19, não dispunha de esgotos nem de calçadas. Os dejetos eram atirados diretamente nas ruas. Como se não bastasse, as viaturas a cavalo, a multidão de miseráveis ao relento, a poeira e, nos muitos dias de chuva, a lama malcheirosa, tornavam o caminhar nas ruas uma experiência muito desagradável e arriscada. E isso para uma população que já tinha inventado um dos principais verbos parisienses: flâner, caminhar ao vento, sem lenço nem documento.

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Galeria Vero-Dodat

Era preciso que alguém encontrasse uma solução. O povo agora tem dinheiro, pode pagar? Pois que tenha suas próprias galerias. E elas começaram a surgir, Vivienne, Colbert, Panorama, Jouffroy, uma atrás da outra. Atravessando quarteirões, ligando uma rua a outras; todas bem calçadas, algumas com belos mosaicos ou ladrilhos; todas cobertas por vitrais que obstruem a chuva, mas deixam passar a luz do dia; sobretudo, maravilha das maravilhas, todas recheadas de lojas e butiques, de cafés e restaurantes, situadas nas proximidades de salas de espetáculos, de salões de baile e de jogos de azar. O shopping center, paraíso burguês, fora inventado. Nele, os capitalistas emergentes podiam desfrutar dos seus prazeres prediletos e se oferecer o espetáculo da própria prosperidade. Podiam, finalmente, por em prática o princípio fundamental da filosofia burguesa: “Vender e comprar, o objetivo da vida”, como explica com ironia Gustave Flaubert no seu Dicionário das Idéias Recebidas.

As galerias cobertas – também chamadas passages, passagens -, reinaram em Paris durante mais de um século. Depois, no período entre as duas grandes guerras, muitas caíram em desuso. Várias das maiores e mais bonitas felizmente se salvaram, permanecendo abertas e funcionais até hoje, para alegria do visitante. Praticamente todas foram restauradas, mas algumas, como a Vivienne e a Colbert, preservaram nos mínimos detalhes as suas características originais. Seu interesse como patrimônio histórico e cultural é imenso. Claro, o tempo não pára, e hoje, embora a forma arquitetônica dessas galerias permaneça a mesma, o visitante deverá usar sua imaginação para ter uma idéia da atmosfera e do fausto singular dos quais elas foram teatro. Mas esse esforço vale a pena.

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O esplendor um tanto desbotado da Galeria Véro-Dodat, a imensa cúpula da Galeria Colbert, a elegância refinada da Vivienne, o Museu Grévin – um dos melhores museus de cera do mundo – na Galeria Jouffroy, a animação da Panoramas, os bouquinistes (livreiros) da Verdeau, o teto recém restaurado da Galeria des Princes, a extraordinária abóbada em forma de pérgula da Grand-Cerf, o vitral em teia-de-aranha da Galeria du Caire, os restaurantes indianos da Brady, a opulência da Galeria da Madeleine, o estilo art-déco da Lido. Cada uma delas é um oásis do tempo no coração de uma metrópole ao mesmo tempo moderna e eterna: Paris.

 Galerias inspiram urbanistas de hoje

O aquecimento global parece estar chegando para ficar. Como em qualquer outro lugar, na Paris cosmopolita e super movimentada de hoje as estações do ano não são mais as mesmas. Ondas de calor aparecem nos meses errados, chuvas caem fora de época, a neve tornou-se tão rara que, nos anos em que ela cai, todos saem às ruas para apreciar o espetáculo. Os urbanistas correm atrás de soluções. Como contornar os problemas trazidos pelo novo clima? Com reinterpretações das antigas galerias cobertas. O princípio é simples: dotar as ruas de um telhado de vidro. Bairros tradicionalmente para pedestres, dotados de ruas estreitas e muito comércio, como Montorgueil ou a Rue de Lévis, já mostraram um vivo interesse pelos projetos apresentados. A Prefeitura de Paris ainda hesita para dar autorização, preocupada com as conseqüências que a medida poderá acarretar. Qual será o impacto energético da transformação de inteiras ruas em centros comerciais cobertos? Na medida em que serão instalados portais nas entradas e saídas desses bairros cobertos, como impedir que eles se transformem em bairros privados? Não existe o risco de fazer de Paris uma cidade murada?

As discussões prosseguem a todo vapor. Mas não se pode negar que as galerias cobertas de Paris, oásis de paz para todos os que adoram passear a pé, continuam inspirando os arquitetos e urbanistas contemporâneos.

Teto da Galeria Vero-Dodat

Vivienne, a rainha, Colbert, a rival

Dentre as galerias cobertas mais chiques e as mais populares, cada parisiense tem a sua preferida. Mas, em qualquer eleição, a Vivienne ganha fácil. Ela merece. Inaugurada em 1826, com 176 metros de extensão e 3 metros de largura, seu arquiteto usou como modelo a Grande Galeria do Louvre. Os motivos do piso são obra do mosaísta italiano Faccina. Extremamente bem conservado, esse piso em mosaico é um exemplo único nas passagens parisienses. Butiques luxuosas como a do estilista Jean-Paul Gaultier, a de Emilio Robba (vasos revestidos de tecidos), a da Casa Lopez (tapetes), a Livraria Siroux (instalada em 1828) contribuem para manter o ar faustoso da galeria. Sem falar nas suas casas de chá e chocolate quente, e na brasserie Le Bouganville, que continua a atrair clientes da Bolsa de Valores e jornalistas das várias agências nas imediações.

Passage Verdeau

Vizinha e rival histórica da Vivienne, também inaugurada em 1826, a Galeria Colbert tem 83 metros de extensão e 5 metros de largura. Sua arquitetura é mais simples e sóbria, mas, em compensação, conta-se que o luxo de suas lojas era de tirar o fôlego. Ela abriga hoje o Instituto Nacional de História da Arte. Mas lá dentro resta ainda, intacta em matéria de arquitetura, mobiliário e gastronomia, a brasserie Grand Colbert, uma das mais bonitas da capital.

Serviço:

Galeria Véro-Dodat, rue Jean-Jacques Rousseau, 2, 1o arrondissement.

Galeria Vivienne, rue Vivienne, 6, 2o arr.

Galeria Colbert, rue des Petits-Champs, 6, 2o arr.

Passage Choiseul, rue des Petits-Champs, 40, 2o arr.

Passage des Panoramas, boulevard Montmartre, 11, 2o arr.

Passage Jouffroy, boulevard Montmartre 11/12, 2o arr.

Passage Verdeau, rue de la Grange Batelière, 6, 9o arr.

Passage des Princes, boulevard des Italiens, 5, 2o arr.

Passage du Grand-Cerf, rue Saint-Denis, 145, 2o arr.

Passage du Caire, place du Caire, 2, 2o arr.

Passage Brady, rue du Faubourg Saint-Denis, 33, 10o arr.

Galeria de la Madeleine, place de la Madeleine, 9, 8o arr.

Galeria do Lido, avenue des Champs-Elysées, 78, 8o arr.

 

Assista ao vídeo e tenha um panorama geral das principais galerias cobertas de Paris.

 

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