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Oásis

Permafrost: O gigante adormecido do aquecimento global

O avanço do aquecimento global pode liberar na atmosfera um enorme volume de metano e dióxido de carbono retido no permafrost, o solo perenemente congelado do Ártico. O processo, segundo cientistas, já começou e tem potencial de acelerar ainda mais a elevação das temperaturas no planeta

O avanço do aquecimento global pode liberar na atmosfera um enorme volume de metano e dióxido de carbono retido no permafrost, o solo perenemente congelado do Ártico. O processo, segundo cientistas, já começou e tem potencial de acelerar ainda mais a elevação das temperaturas no planeta (Foto: Gisele Federicce)
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Grandes blocos de permafrost no litoral do Alasca se partem e caem ao mar.

 


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Por Eduardo Araia

Permafrost é uma palavra cujo significado é conhecido basicamente apenas por cientistas e ambientalistas, mas pode cair na boca do povo em um espaço de tempo relativamente curto. O motivo: essa camada de terra, gelo e rochas em tese permanentemente congelada, presente sobretudo nas regiões árticas (ver quadro), também está cedendo ao avanço do aquecimento global. Além de inclinar árvores, rachar a pavimentação de estradas e colocar em risco outras obras de infraestrutura, a elevação das temperaturas nessas áreas causa uma imensa liberação de gases de efeito estufa (GEE), entre eles o metano, cuja capacidade de reter calor é 25 vezes maior do que a do dióxido de carbono.

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Na Sibéria, grandes fissuras aparecem no permafrost e assinalam o início do processo de derretimento.

Permafrost, ou pergelissolo na tradução em português é um solo permanentemente congelado. O "permanente", no caso, é definido como a continuidade, por dois ou mais anos, do registro de temperaturas mais baixas do que zero grau centígrado nessa superfície. O principal fator que controla a formação do permafrost é o clima: nas áreas onde ele existe, a temperatura média do ar é igual ou inferior a 0°C. Típico de altas latitudes, esse clima se caracteriza habitualmente por invernos longos e gelados, com pequena precipitação de neve, e verões curtos, frios e relativamente secos. Isso representa 20% da superfície emersa da Terra, espalhando-se basicamente pelo Ártico, sub-Ártico e Antártida.

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No Alasca, é comum ver-se áreas de permafrost como a da foto que se partem e derretem por causa do aquecimento global.

Super-reservatório de gases

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Além de manterem o permafrost, as baixas temperaturas impedem a decomposição de matéria orgânica e o movimento descendente da água. Isso restringe o desenvolvimento do solo e acarreta um acúmulo de material orgânico na superfície – cujos gases retidos, sobretudo o metano e o dióxido de carbono, mas que seriam liberados no caso de degelo acentuado, representam a grande ameaça em termos de aquecimento global.

Nas áreas de permafrost em que a temperatura média anual está abaixo de 0°C, uma parte do solo congelado durante o inverno não descongela por completo ao longo do curto verão. Com isso, uma camada de permafrost vai se formar e expandir-se para baixo a cada ano, a partir do solo congelado no inverno. Existem camadas de permafrost a até cerca de 700 metros de profundidade.

No litoral do Alasca, construções como a da foto caíram ao mar por causa do derretimento do solo de permafrost sobre o qual se assentavam

O congelamento e o descongelamento cíclico das águas subterrâneas situadas nas camadas superficiais do permafrost fazem o solo se deslocar e se mexer, o que resulta em modificações estruturais consideráveis, um problema que afeta seriamente a construção de edifícios, estradas e outras obras de infraestrutura nessas regiões.

O permafrost recobre cerca de 13 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 25% das terras do hemisfério norte. Por volta de 63% do território russo é ocupado por ele. Essa área abriga restos de plantas e animais, acumulados ao longo de milênios. Com o degelo que ocorre nos meses mais quentes do ano, esses materiais começam a se decompor, injetando metano e dióxido de carbono na atmosfera.

Esse filhote de mamute de cerca 10 mil anos foi descoberto quase intacto no permafrost do norte da Sibéria.

Um cenário ainda mais sombrio

Cientistas integrantes do Permafrost Carbon Research Network calculam que, nos próximos 30 anos, cerca de 45 bilhões de toneladas métricas de carbono originado do metano e do dióxido de carbono chegarão à atmosfera quando o permafrost degelar ao longo dos verões. O volume é equivalente à emissão global de GEE feita durante cinco anos em razão da queima de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás. Por volta de 2100, os pesquisadores preveem um cenário ainda mais sombrio: daqui até lá, por volta de 300 bilhões de toneladas métricas de carbono serão liberados do permafrost. Para Edward Schuur, da Universidade da Flórida (EUA) e membro do Permafrost Carbon Research Network, toda essa emissão significa um aquecimento entre 20% e 30% mais rápido do que se se tratasse apenas da liberação de combustíveis fósseis. Desde 1970, o Ártico se aqueceu num ritmo duas vezes maior do que o do restante do mundo. De acordo com Schuur, até mesmo carbono aprisionado antes da aurora da civilização humana já está sendo liberado na atmosfera.

Na Sibéria e no norte do Canadá (foto)o derretimento do permafrost faz surgir restos de animais congelados como o mamute da foto.

Pesquisadores da Universidade do Alasca em Fairbanks estão observando in loco as mudanças. Segundo Vladimir Romanovsky, do Laboratório de Permafrost da instituição, o ritmo do derretimento está se "acelerando". Ele calcula que a degradação em larga escala deverá começar em uma década ou duas. Seu modelo indica que, em meados deste século, o permafrost terá degelado em pelo menos um terço do Alasca e, por volta de 2100, em dois terços do estado.

Para Kevin Schaefer, do National Snow and Ice Data Center de Boulder, no Colorado, o degelo rápido não tem precedentes e está muito associado às emissões originadas do uso de combustíveis fósseis. Schaefer observa que já existem emissões de dióxido de carbono e metano originárias das regiões de permafrost, mas alerta que os volumes liberados na atmosfera devem subir drasticamente nas próximas duas ou três décadas. "Uma vez que as emissões começam, não podem mais ser desligadas", ressalta.

No Canadá, cientistas examinam zona de permafrost que sofre processo de derretimento

O assunto torna-se inevitável

O degelo ártico no verão está mudando inclusive a profundidade do solo examinada pelos cientistas. Em áreas do Alasca pesquisadas, o degelo ia de alguns centímetros a menos de um metro, mas agora os estudiosos observam que há derretimento a até cerca de três metros. O permafrost pode se estender por centenas de metros abaixo da superfície, mas por enquanto o problema se limita aos níveis superiores.

No relatório completo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) divulgado em 2007, a questão do permafrost sequer era abordada. O assunto, porém, torna-se inevitável num momento em que a emissão de GEE não para de subir e a concentração de CO2 na atmosfera se aproxima perigosamente do nível de 400 partes por milhão (teto para que a elevação média de temperatura se limite a 2°C). De acordo com a equipe de 41 cientistas do Permafrost Carbon Research Network, que divulgou um estudo sobre o tema publicado na revista Nature em novembro de 2011, as quantidades de GEE emitidas a partir do permafrost estão crescendo a cada ano. "Calculamos que o degelo do permafrost liberará a mesma ordem de magnitude de carbono que o desmatamento se os atuais índices de desmatamento continuarem", escrevem os autores no texto.

Sempre no Alasca, enormes áreas de permafrost localizadas no litoral se fragmentam antes de derreter.

Como que num símbolo da ameaça do permafrost, a professora Katey Walter Anthony, da Universidade do Alasca em Fairbanks, participante do grupo e coautora do estudo, aparece numa fotografia tirada em 2009 e divulgada mundialmente no final de novembro de 2011 na qual ela ateia fogo num ponto de vazamento de metano numa lagoa congelada no campus da universidade. As chamas se elevam até um ponto bem acima de sua cabeça. "Lugares como esse estão em toda parte. Estamos atingindo carbono antigo, que ficou armazenado no solo por 30 mil ou 40 mil anos", disse ela.

No litoral norte do Canadá, área de permafrost em processo de derretimento.

O fenômeno da retroalimentação

A previsão do Permafrost Carbon Research Network é bastante dramática, considera o pesquisador brasileiro Jean Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Na realidade", explica ele, "a estimativa de emissões do metano do permafrost nos próximos 30 anos baseia-se na premissa de que o aquecimento global é um processo contínuo e crescente – assim, parte do solo congelado nas regiões boreais (permafrost) descongelaria e a decomposição intensa da enorme quantidade de matéria orgânica desses solos liberaria uma quantidade muito grande de metano. Caso isso acontecesse, a concentração de metano na atmosfera aumentaria significativamente, o que retroalimentaria o processo, provocando um maior aquecimento da atmosfera."

Área siberiana. Cientistas examinam trecho do permafrost que derrete.

Para a equipe do Permafrost Carbon Research Network, já entramos num ciclo de retroalimentação. Fatores liderados pelas emissões originárias de combustíveis fósseis estão aquecendo o planeta. Isso faz o permafrost degelar, liberando mais GEE, o que incrementa a elevação de temperatura. "É importante controlarmos os níveis de emissões atuais de GEE para que o aquecimento global não extrapole os 2°C, em relação ao período pré-industrial. Se isso acontecesse, parte do problema do degelo do permafrost seria contornado", observa Ometto. Mas, no atual ritmo, interromper o processo de retroalimentação vai ser no mínimo muito difícil. A alternativa mais viável para amenizá-lo, segundo Edward Schuur, é controlar as emissões originárias de combustíveis fósseis ou reduzir o desmatamento – duas atitudes que a humanidade ainda reluta muito em tomar.

 

 

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