SP registra segundo maior número de mortes causadas pela polícia em cinco anos
Alta da letalidade policial sob governo Tarcísio reverte tendência de queda e reacende debate sobre uso da força e controle institucional
247 - O estado de São Paulo registrou 650 mortes provocadas por policiais militares e civis entre janeiro e outubro de 2025, configurando o segundo maior patamar de letalidade policial dos últimos cinco anos. O índice só fica atrás de 2024, quando a Operação Verão resultou oficialmente em 56 mortos e se consolidou como a ação mais letal da Polícia Militar paulista desde o Massacre do Carandiru. As informações são da Folha de São Paulo.
Os dados apontam para uma inflexão significativa na política de segurança pública estadual. Durante a gestão anterior, comandada por João Doria, houve uma redução de 54% nas mortes causadas por agentes de segurança entre 2020 e 2022. Já sob o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o cenário se inverteu: comparando períodos equivalentes —de janeiro a outubro—, a letalidade policial cresceu 69%. Antes da posse de Tarcísio, os números estavam no nível mais baixo em duas décadas.
As estatísticas incluem ocorrências envolvendo policiais tanto em serviço quanto fora dele. Questionada sobre o aumento das mortes, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que “todas as ocorrências dessa natureza são rigorosamente investigadas pelas Polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário”. A pasta acrescentou que, desde 2023, mais de 1.200 agentes foram “presos, demitidos ou expulsos por desvios de conduta”.
Ao longo de 2025, casos de mortes envolvendo pessoas desarmadas e que não representavam ameaça imediata tiveram desfechos distintos. Em julho, o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, foi morto com um tiro pelas costas enquanto corria para pegar um ônibus em Parelheiros, na zona sul da capital, logo após sair do trabalho. O policial militar Fabio Anderson Pereira de Almeida, que estava de folga e disse ter confundido Guilherme com um assaltante, foi preso mais de um mês depois e permaneceu detido por menos de duas semanas. A decisão judicial que concedeu liberdade ao PM considerou atenuantes como o fato de ele ser réu primário, ter emprego e residência fixa.
Em contraste, outros episódios resultaram em prisões após análise de imagens captadas por câmeras corporais. Em junho, um homem em situação de rua foi morto a tiros de fuzil depois de permanecer mais de uma hora rendido por policiais. Um tenente e um soldado foram presos mais de um mês depois, após a Corregedoria examinar as gravações. Os PMs alegaram que a vítima tentou tomar a arma de um dos agentes, mas as imagens mostram o homem se movimentando com calma e aparentemente obedecendo às ordens.
Outro caso que gerou forte comoção ocorreu em julho, em Paraisópolis, também na zona sul da capital. Uma perseguição policial terminou com a morte de Igor Oliveira de Morais Santos, de 24 anos, que, segundo as imagens, estava com as mãos para cima no momento do disparo. O episódio desencadeou protestos na comunidade, com bloqueio de ruas, incêndio de lixeiras, depredação de veículos de imprensa e carros tombados durante os atos.
A coleta de provas nesses casos esteve diretamente ligada ao funcionamento das câmeras corporais da Polícia Militar, cujo modelo foi alterado durante a atual gestão. A morte de Jeferson de Souza Santos, de 23 anos, só foi registrada porque o equipamento antigo, da fabricante Axon, grava continuamente, mesmo sem acionamento manual, embora sem áudio. Já no caso de Paraisópolis, a gravação ocorreu graças ao acionamento remoto das câmeras mais novas, fabricadas pela Motorola, que ativam automaticamente outros dispositivos em um raio de 20 metros. Segundo a corporação, a câmera que registrou a morte de Igor foi acionada dessa forma.
O avanço da letalidade não se concentrou apenas na capital. Regiões do interior, como Ribeirão Preto, Campinas e Piracicaba, além de municípios da Grande São Paulo, como São Bernardo do Campo e Guarulhos, apresentaram os maiores aumentos em 2025 em comparação com o ano anterior. “É o que a gente chama, aqui na ouvidoria, de interiorização das mortes”, afirmou o ouvidor das polícias, Mauro Caseri. Ele destacou que o órgão analisa se há relação entre o aumento das mortes e a atuação do crime organizado, além de alertar para a fragilidade das investigações. “É sempre preciso investigar se houve preservação do local, se as câmeras corporais foram utilizadas. Você tem um conjunto de tecnologia que poderiam nos levar a uma conclusão mais efetiva dos casos que não são respeitadas”, disse.
A SSP declarou ainda que os protocolos operacionais “são revisados rotineiramente” e que o governo investe em equipamentos de menor potencial ofensivo, como as 3.500 armas não letais incorporadas recentemente, além da ampliação do uso das câmeras operacionais portáteis, em conformidade com acordo firmado no Supremo Tribunal Federal (STF). A secretaria também informou que o estado registrou 1.061 mortes em confrontos com policiais em serviço nos últimos dois anos, o que, segundo a pasta, representa uma redução de quase 25% em relação aos primeiros anos da gestão anterior.
Para o coordenador científico do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Sérgio Adorno, o cenário revela uma crescente politização da área de segurança pública. “O custo político de ser condescendente com a letalidade é baixo. Por quê? Porque não há cobrança. Quem cobra são setores politizados da sociedade, ligados aos direitos humanos, e as áreas de pesquisa que mostram que esse tipo de política não resolve o problema da segurança”, afirmou. Segundo ele, há uma aceitação tácita de excessos em nome da ordem pública. “O governo, de alguma maneira, aceita que esses excessos sejam feitos em nome da ordem pública, da tranquilidade etc. E eles não só pensam assim, mas muitas vezes sentem que há apoio popular.”



