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Reforma trabalhista na Argentina ameaça estatuto do jornalista e direitos culturais

Projeto do Executivo propõe revogar garantias históricas da imprensa e redirecionar recursos da seguridade social para fundos empresariais

O presidente da Argentina, Javier Milei, em Buenos Aires - 26/10/2025 (Foto: REUTERS/Cristina Sille)

247 - A reforma trabalhista enviada pelo Poder Executivo ao Senado da Argentina tem provocado forte reação de setores do jornalismo, da cultura e da comunicação. O projeto, apresentado sob o argumento de “modernização” das relações de trabalho, inclui dispositivos que podem revogar direitos históricos de profissionais da imprensa e alterar profundamente o financiamento de políticas públicas culturais.

De acordo com a agência Prensa Latina, a proposta prevê, entre outros pontos, a revogação do Estatuto do Jornalista Profissional e a transferência de recursos do sistema previdenciário para novos fundos voltados ao pagamento de indenizações trabalhistas, o que levanta alertas sobre a perda de direitos e o favorecimento direto às empresas.

Em um comunicado divulgado em sua página no Facebook, a jornalista, professora, doutora em Comunicação, pesquisadora e ensaísta argentina Cynthia Luján Ottaviano advertiu para o alcance das mudanças previstas no texto. Segundo ela, o projeto atinge diretamente a base legal que sustenta o exercício do jornalismo no país. “Isso mesmo, no que eles chamam de lei de modernização trabalhista que acaba de entrar no Senado argentino, a qual, na realidade, elimina direitos trabalhistas. No final, no artigo 26 das revogações, diz: ‘A Lei 12.908 fica revogada.’ Sabe qual é? A Lei do Estatuto do Jornalista Profissional na Argentina”, afirmou.

Ottaviano explicou que essa legislação é fundamental para assegurar direitos a jornalistas e outros trabalhadores da imprensa, além de contribuir para o fortalecimento da democracia por meio da atividade jornalística. A revogação do estatuto, segundo a especialista, comprometeria garantias profissionais construídas ao longo de décadas.

A proposta do Executivo também inclui a revogação da Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual. Com isso, seriam eliminados os recursos destinados ao Provedor de Justiça responsável pela defesa dos direitos do público, além da extinção de fundos hoje direcionados ao Instituto Nacional de Música e à Casa do Teatro. Na prática, a medida deixaria a rádio e a televisão públicas argentinas sem recursos e afetaria a principal fonte de financiamento do Instituto Nacional de Cinema.

Ao comentar esse cenário, Ottaviano fez um alerta direto sobre os impactos para o setor cultural. “Nossa arte, nossa cultura e nossa comunicação estão em perigo na Argentina”, declarou. Ela também reforçou a necessidade de ampliar a divulgação das informações sobre o projeto. “As pessoas devem divulgar este vídeo porque, disfarçado de modernização do trabalho, estão acabando com os direitos dos trabalhadores, tanto homens quanto mulheres, e também com os direitos à comunicação, à cultura e ao jornalismo”, disse.

Outro ponto central da reforma envolve a criação dos Fundos de Assistência ao Trabalho. Esses fundos seriam abastecidos por uma transferência multimilionária de recursos atualmente vinculados à Agência Nacional de Seguridade Social (ANSES). A ideia é que os valores sejam utilizados para o pagamento de indenizações por rescisão de contrato, retirando essa responsabilidade financeira direta das empresas.

Na prática, trata-se de uma reconfiguração dos Fundos de Rescisão Laboral aprovados em 2024 com a Lei das Bases, mas que haviam sido rejeitados pelos empregadores por serem considerados excessivamente onerosos. Pelo novo modelo, as empresas contribuiriam mensalmente com 3% da folha de pagamento bruta de seus funcionários para o FAL, montante que poderia ser investido em instrumentos financeiros autorizados pela Comissão Nacional de Valores Mobiliários.

O detalhe mais controverso, no entanto, está no mecanismo de compensação previsto. As contribuições empresariais destinadas ao Fundo de Assistência ao Trabalho seriam deduzidas das contribuições patronais ao Sistema Integrado de Pensões da Argentina, tornando o custo praticamente neutro para as empresas. Na avaliação de críticos da proposta, isso representa uma transferência direta de recursos da seguridade social para o setor privado, com impactos de longo prazo sobre o financiamento da previdência e a proteção dos trabalhadores.

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