A China não falha ao planejar, nem falha por não planejar
Ao contrário do caos político e econômico dos EUA, o planejamento central chinês segue guiando o país rumo à modernização socialista e à liderança global
Cheguei à chamada “idade da razão” durante o primeiro mandato de Ronald Reagan (1981-1985), e recordo com nitidez duas lições que moldaram minha visão de mundo. Ambas vieram de meu pai e foram reforçadas por um ambiente cultural hegemonicamente anticomunista em plena Guerra Fria.
A primeira era sua frase recorrente: “Quem não planeja, planeja falhar.” A segunda era sua admiração por Milton Friedman, economista símbolo do neoliberalismo e autor de Free to Choose (Livre para Escolher), de 1979, um livro que inspirou Reagan a proclamar: “O governo não é a solução para o nosso problema; o governo é o problema.”Décadas depois, essa crença ainda ecoa na Casa Branca sob o governo do presidente Donald Trump, cuja política de desmonte do Estado levou à paralisação de serviços públicos e ao aumento da pobreza entre trabalhadores federais norte-americanos, muitos dos quais dependem hoje de bancos de alimentos.
O fracasso planejado dos Estados Unidos
Desde os anos 1970, os EUA atravessam um ciclo contínuo de declínio. O sistema americano parece ter normalizado a crise como mecanismo de controle social, perpetuando a concentração de poder nas mãos de elites econômicas. Nas escolas, aprendíamos não apenas a desprezar o planejamento estatal, mas também a demonizar qualquer país que o praticasse — especialmente os socialistas.
A ironia é que a famosa frase “Quem não planeja, planeja falhar” é atribuída a Benjamin Franklin, um dos fundadores dos Estados Unidos. Ele escreveu originalmente: “Ao deixar de se preparar, você está se preparando para falhar.” Franklin, no entanto, ajudou a criar um sistema político que, por design, limitava a capacidade do governo de organizar e planejar o próprio futuro.A expressão também é associada ao filósofo Herbert Spencer, criador do conceito de “sobrevivência do mais apto”, usado depois por Darwin. Spencer defendia o individualismo extremo e o “darwinismo social”, teoria que justificava a exclusão dos pobres e o racismo científico. Ambos — Franklin e Spencer — eram homens de sua época: acreditavam na superioridade de sua raça e gênero, e promoveram ideias misóginas e escravocratas.
A visão racista e o mito da superioridade ocidental
Apesar de Franklin admirar aspectos da filosofia confuciana, via os chineses como “selvagens nobres”. Spencer foi ainda mais longe, descrevendo a China como uma “civilização fracassada”, habitada por um povo “servil e sem criatividade”. Essas ideias ecoam até hoje no discurso político americano, como mostrou a declaração recente do vice-presidente J.D. Vance, ao justificar a guerra comercial contra Pequim: “Pegamos dinheiro emprestado de camponeses chineses para comprar o que esses camponeses fabricam.”
O êxito do planejamento chinês
Desde 1949, a República Popular da China passou por fases desafiadoras em seu planejamento centralizado, mas o balanço histórico é inquestionavelmente positivo. Nenhum outro país conseguiu avanços tão profundos em desenvolvimento humano, justiça social e rejuvenescimento nacional em tão pouco tempo.A recente Quarta Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, realizada em Pequim entre 20 e 23 de outubro, reafirmou esse caminho. O principal resultado foi a aprovação das Recomendações para a formulação do 15º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social Nacional, que servirá como guia estratégico até 2030, com o objetivo de alcançar a modernização socialista até 2035.
A nova etapa do socialismo moderno
O novo plano prioriza a construção de um sistema industrial moderno, fortalecendo a autossuficiência tecnológica e a inovação científica em áreas como computação quântica e biomanufatura. Também busca expandir o mercado interno, aumentar o consumo doméstico em setores como saúde e cultura, e reduzir a dependência das flutuações do comércio global.Além disso, a China reafirma sua vocação de motor do crescimento mundial, promovendo a abertura econômica de alto padrão, a cooperação internacional e o compromisso com o desenvolvimento verde, mantendo suas metas de neutralidade de carbono e de combate às mudanças climáticas.
Planejar é governar com responsabilidade
O planejamento é o núcleo de uma governança responsável. É a chave do sucesso chinês na erradicação da pobreza extrema e na promoção da igualdade entre gêneros e etnias. Em um mundo cada vez mais marcado pela improvisação política e pela desigualdade sistêmica, a China demonstra que planejar não é apenas prever o futuro — é criar um futuro melhor para todos.
Franklin e Spencer, com suas contradições e preconceitos, não poderiam imaginar que o verdadeiro exemplo do valor do planejamento viria, séculos depois, do Oriente que eles desprezavam.
O autor, Josef Gregory Mahoney, é professor de política e relações internacionais e diretor do Centro de Civilização Ecológica da Universidade Normal da China Oriental, em Xangai. Também atua como pesquisador sênior do Instituto para o Desenvolvimento do Socialismo com Características Chinesas na Universidade do Sudeste, em Nanquim
Este artigo foi originalmente publicado pela Beijing Review e cedido ao Brasil 247
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




