A China não quer perder mais de 15 minutos
Nos próximos 5 anos, país criará 10 mil “círculos de vida comunitária” para que moradores de cidades possam acessar a pé serviços essenciais
O país conhecido como “o gigante asiático” – seja por sua população, território, cultura, economia ou qualquer outro argumento – anunciou que nos próximos cinco anos implantará 10.000 “círculos de vida comunitária a 15 minutos”, com o objetivo de facilitar o acesso de centenas de milhões de residentes urbanos a serviços considerados fundamentais. Segundo fontes do Ministério do Comércio da República Popular da China (MOFCOM), responsável pela coordenação do plano, a ideia é que quem hoje perde muito tempo para chegar, por exemplo, a um hospital, consiga fazê-lo caminhando em menos de 15 minutos a partir de sua casa.
Um relatório recente do MOFCOM, em parceria com outros oito órgãos do governo, detalha que esses novos centros urbanos deverão oferecer atendimento integral a idosos, ampliar instalações públicas de cuidado infantil e garantir acesso universal à saúde e a serviços comunitários.
No campo financeiro, o plano prevê isenções fiscais e redução de aluguéis para negócios de interesse público, mas de baixo rendimento, como pequenas oficinas de reparo. Também haverá subsídios especiais para a renovação de centros comerciais comunitários e mercados de alimentos frescos. Em paralelo, será feito um investimento robusto em setores em expansão, como restaurantes especializados, novas livrarias e centros culturais, além das populares lojas de animais de estimação.
Com base nessas diretrizes, o governo chinês selecionará, até 2023, cerca de 100 cidades-piloto. Nelas, para cada 100 residências, ao menos 30 metros quadrados serão destinados a instalações de serviço comunitário. “Os moradores poderão acessar tudo o que precisam em até 15 minutos de caminhada a partir de suas casas”, reforçou o governo em Pequim.
Nada de novo sob o sol
Embora as chamadas “cidades de 15 minutos” tenham surgido na Europa em 2016, a China adaptou o conceito à sua própria realidade e o expandiu em ritmo sem precedentes. Entre 2018 e 2024 foram criadas 4.335 comunidades, beneficiando 107 milhões de pessoas, e a proposta foi consolidada como política nacional no 14º Plano Quinquenal (2021-2025).
O crescimento acelerado e a aceitação na China estão ligados à compreensão das autoridades de que o conceito não é rígido, podendo e devendo se adequar às necessidades de cada cidade.
Em Xangai, pioneira desde 2018 com mais de 500 círculos, 99% da população já tem acesso a serviços básicos em até 15 minutos de caminhada, graças à combinação de parques, consultórios médicos, áreas residenciais e centros comunitários.
Em Pequim, o distrito de Dongcheng transformou os tradicionais hutongs, criando corredores de serviço que conectam administração local, comércios e espaços culturais. O foco foi a renovação de bairros antigos e o atendimento à população idosa, garantindo acesso próximo a unidades de saúde.
Em Hangzhou, o modelo foi integrado ao sistema de cidade inteligente, utilizando aplicativos para mapear e otimizar a distribuição dos serviços. A cidade também adotou uma perspectiva ecológica, com corredores verdes e ciclovias. No bairro de Gongshu, caminhos de pedestres conectam escolas, mercados e transporte público em percursos de menos de 15 minutos.
Já Shenzhen incorporou os círculos de 15 minutos em seus novos projetos urbanos, especialmente no distrito de Nanshan, planejando centros comunitários em áreas de até 800 metros de cada conjunto residencial.
Outras cidades, como Chengdu, Wuhan e Xi’an, priorizaram respectivamente a integração de áreas verdes, a resiliência a eventos climáticos extremos e a preservação do patrimônio cultural dentro dos círculos comunitários.
15 minutos com características chinesas
Diferentemente do que ocorreu em outros países, a China ampliou o conceito de “círculos de vida comunitária” com um enfoque de governança integral. Isso incluiu políticas de bem-estar social, como centros de atendimento a idosos subsidiados pelo governo, a incorporação de infraestrutura digital moderna, como o uso de QR Codes para acesso a serviços públicos, e o alinhamento de toda a urbanização aos objetivos nacionais de “civilização ecológica” e “harmonia social”.
O propósito chinês não se limita a descongestionar megalópoles, como no Ocidente, mas garantir que serviços básicos cheguem a cada bairro, como parte do desenvolvimento nacional.
O documento “Xangai 2035”, plano urbano da cidade para o período 2017-2035, descreve a meta de “completar funções de educação, cultura, saúde, lazer e emprego em até 15 minutos de caminhada”. Essa definição integra o projeto ao modelo socialista de modernização.
Trata-se, portanto, não apenas de aproximar um supermercado ou uma estação de trem, mas de organizar a vida cotidiana em torno de um ecossistema completo, onde a escala humana se combina com a ambição de um país que pensa e age em milhões.
Um funcionário municipal de Chengdu resumiu a ideia ao afirmar que esses locais oferecem “não apenas serviços de consumo convenientes, mas também experiências culturais acessíveis para os cidadãos”, segundo o Diário do Povo, um dos principais veículos de imprensa da China.
Talvez aí esteja a diferença essencial: enquanto em outros países essas iniciativas ainda são projetos em construção, na China elas fazem parte de políticas de Estado que transformam a vida cotidiana de comunidades inteiras. No Ocidente, fala-se sobre o tempo; na China, ele é planejado. Tudo em 15 minutos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




