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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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A corrupção acabou. Viva a corrupção!

Em uma sociedade capitalista, o governo e o capital desenvolvem relações de interdependência entre si, bem como com uma série de instituições, entre as quais a corrupção

Chico Rodrigues e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)
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Os romances, os filmes e os livros de história nos contam que toda vez que um rei morria os arautos anunciavam por todo o reino “o rei está morto. Viva o rei!” Este anúncio cumpria três funções primordiais concomitantes que eram avisar a todos do reino que o rei morreu, fazer uma última saudação ao rei defunto e saudar o novo rei. Saudar o novo rei significava saudar à instituição monarquia e mostrar a todos – ao povo e aos nobres – que as instituições permaneciam funcionando e que seria assegurada uma transição dentro das normas, sem riscos de quaisquer formas de revoltas ou ameaças que pudessem desestabilizar o reino. Mesmo que houvesse uma disputa sangrenta pela sucessão real, o que não era incomum, ao final a instituição monarquia restabeleceria a ordem no reino.

Instituições são instrumentos sociais que regulam as ações humanas, estabelecendo um conjunto de regras, de normas comportamentais e de procedimentos que instituem padrões comuns a todas as pessoas. Existem diversas instituições e elas agem de maneira interdependente de maneira a suprir diferentes necessidades humanas. As regras e procedimentos institucionalizados coagem as pessoas, punindo aquelas que não submeterem-se a eles.

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A monarquia age de maneira interdependente com o Estado, o governo, o direito, a religião e com outras instituições sociais. 

Existem instituições que podem determinar comportamentos considerados socialmente ilícitos ou desviantes, como a corrupção, por exemplo.

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Em uma sociedade capitalista, o governo e o capital desenvolvem relações de interdependência entre si, bem como com uma série de instituições, entre as quais a corrupção. A corrupção desempenhou e ainda desempenha uma função importante na acumulação primitiva do capital. Ela facilita acumulação por despossessão sustentadas por práticas predatórias de acumulação. Historicamente o capital necessita de novos territórios para garantir a sua acumulação. Em seu estágio atual, a acumulação por despossessão ocorre de maneira ampla e avança implacável, depredando e privatizando bens ambientais comuns e globais como também privatizando ativos públicos tais como universidades, empresas de saneamento e de transporte. 

A democracia estadunidense legalizou um certo tipo de corrupção exercida por meio dos lobbys ou grupos de pressão. Nos dicionários, o sentido político da palavra lobby refere-se a “um grupo de pessoas, físicas ou jurídicas, que se organizam em torno de um objetivo em comum e tentam interferir nas decisões do poder executivo e legislativo para que estas coincidam com os seus interesses” (Dicionário Informal). O problema está em que esta pressão é exercida de maneira desigual porque há lobistas que utilizam-se do poder econômico dos grupos que representam para distribuírem fartas somas de dinheiro e privilégios para que os congressistas estadunidenses votem defendendo os interesses de quem os “financiou”. Por outro lado, aqueles que defendem os interesses populares possuem poucas opções de luta, como os movimentos nas ruas e os abaixo-assinados com os quais procuram pressionar os congressistas; dificilmente poderão concorrer com o dinheiro distribuído pelos lobbies empresariais. 

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No filme SOS Saúde (Sicko, 2007), o cineasta Michael Moore mostra imagens de congressistas posando, exibindo orgulhosamente réplicas gigantes dos cheques com valores polpudos recebidos dos lobistas da indústria farmacêutica e/ou das empresas de seguros de saúde para aprovarem leis e políticas de interesses desses grupos econômicos. O lobby tornou a corrupção legalizada nos EUA.

O governo Bolsonaro é o mais corrupto de história do Brasil. Casos de corrupção atingem membros de sua família, políticos de sua base de apoio, amigos próximos e religiosos que o apoiam. Em geral, os poucos que são presos ou indiciados buscam repetir à exaustão um discurso de defesa que tem como pilares a religião, a perseguição política e a mentira pura e simples. 

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Bolsonaro já demonstrou que não abandona seus amigos pegos com a boca na botija. Foi assim com o Queiroz, foi assim com o Frederick Wassef e está sendo assim com senador Chico Rodrigues (DEM-RR) do Centrão, pego pela Polícia Federal (PF) em operação de combate à corrupção. O senador é vice-líder do governo no Senado, é amigo de Bolsonaro e emprega um sobrinho da ex-esposa de Bolsonaro em seu gabinete em Brasília.

Apesar das seguidas denúncias de corrupção que envolvem membros de seu governo e seus familiares, Jair Bolsonaro teve o desplante e a cara de pau de dizer, em declaração durante cerimônia realizada no Palácio do Planalto no dia 7 de outubro de 2020, que ele acabou com a corrupção no Brasil. Esta declaração foi uma resposta aos lavajtistas que criticaram a aproximação entre Bolsonaro e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), fato amplamente divulgado pela imprensa e enfatizado por uma fotografia mostrando um abraço fraternal entre Jair Bolsonaro e o ministro Dias Toffoli. 

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Na cerimônia em questão, Bolsonaro declarou que "é um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação”.

A resposta dos lavajatistas da PF a esta bravata foi a operação que só não prendeu o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) porque ele goza de imunidade parlamentar e só pode ser preso com anuência do Senado Federal. Todavia, esta operação atingiu Bolsonaro ao incriminar seu amigo e vice-líder do governo no Senado e atingir, levemente, é verdade, um primo de seus filhos que perdeu uma boquinha de 22 mil reais, salário que recebia por estar lotado no gabinete do senador amigo do “titio”. Só para lembrar, desde a campanha eleitoral Jair Bolsonaro declarou que iria governar defendendo os interesses da famiglia. Cunhado não é parente, mas primo dos filhos é.

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Ao dizer que seu governo acabou com a corrupção Bolsonaro rege sua banda, lança mais uma mentira, sopra o berrante para aglutinar e controlar seus eleitores. 

A corrupção acabou porque ela tornou-se o normal, transformou-se no modus operandi deste governo. Ela institucionalizou-se no Executivo e no Legislativo, salvo poucas exceções.

Bolsonaro repete esta mentira porque ainda possui uma base de apoio forte entre o capital rentista, o agronegócio exportador embasado no latifúndio, grandes corporações do varejo e setores entreguistas e antinacionalistas das forças armadas. Esta base lhe sustentará enquanto estiver implementando as reformas antipopulares.

Seu governo já produziu um racha na burguesia neocolonial brasileira. Parte da imprensa corporativa o combate, mas de uma maneira contraditória. Ela não quer Bolsonaro que corta verbas públicas de publicidade, deixando-a à míngua de dinheiro público, fundamental para o “bom funcionamento” de qualquer setor empresarial brasileiro que faz do governo seu banco particular e exclusivo. Contudo, a política econômica conduzida por Paulo Guedes interessa a essas corporações. Então é preciso atacar Bolsonaro sem atacar esta política. 

O capital industrial nacional também não quer Bolsonaro, mas não detém mais tanto poder como tinha há trinta anos devido ao processo de desindustrialização que vitimou a economia e as empresas nacionais desde os governos tucanos, com um breve interregno durante os governos do PT. Só lhe resta tentar reduzir os danos causados por uma política econômica pró-imperialismo. 

Bolsonaro e Guedes estão em queda de braço. O presidente não permite que seu ministro implemente todas as reformas neoliberais desejadas pelos segmentos da burguesia neocolonial que lhe apoiam. Ele sabe que essas reformas são impopulares e inviabilizariam seu projeto de reeleição. O já impopular Bolsonaro sabe que precisa segurar a sanha liberal de Guedes se quiser se reeleger e vai cozinhá-lo em banho maria e só descartá-lo quando a questão eleitoral assim o obrigar. Desta maneira ele não perde apoio o dos poucos setores que ainda o apoiam.

Para levar a contento seus objetivos, Bolsonaro construiu uma base parlamentar formada pelo que há de mais fisiológico e corrupto no Congresso brasileiro e o fez ao custo da liberação de muito dinheiro para esta base. Simultaneamente, deixou de criticar e ameaçar o Congresso e o STF em troca da aprovação do que for de interesse de seu governo e não ameace a democracia, do arquivamento dos processos de impeachmentque pululam contra ele, bem como da proteção a seus filhos, parentes e amigos cada vez mais ameaçados por processos penais.

Uma mão lava a outra.

Ao declarar que a corrupção acabou, Jair Bolsonaro, tal qual os arautos reais, afirma que a corrupção no Brasil não acabou, mas foi legitimada e institucionalizou-se mais profundamente. Ele ter sido eleito presidente da República e permanecer no cargo é uma mostra de que a corrupção está muito ativa e detém o poder do governo e do Estado brasileiro.

E os arautos bradam, anunciando aos quatro ventos: “a corrupção acabou! Viva a corrupção!

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