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Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global. Editor do site codigoaberto.net

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A guerra da ética e a armadilha de 2026

Como a extrema-direita deslocou o ataque para o STF e por que a esquerda precisa mudar sua estratégia para não perder a disputa moral

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Não se trata de crime, mas de ética. Não é um caso isolado, mas uma operação política. Quem não compreender isso agora chegará a 2026 derrotado no terreno mais decisivo da guerra informacional: o moral.

A bomba semiótica já foi armada

Não se trata de um episódio isolado, de um ruído passageiro do noticiário ou de mais uma polêmica destinada ao esquecimento. O que está em curso é a ativação de uma bomba semiótica com horizonte temporal definido: 2026. Em guerras informacionais, o objetivo raramente é a explosão imediata. O que se busca é a manutenção prolongada de um estado de suspeição, capaz de corroer, pouco a pouco, a confiança pública nas instituições e nos atores que sustentam a ordem democrática.

A lógica é simples e brutalmente eficaz. Não é necessário provar crime, nem produzir condenações formais. Basta colonizar o imaginário social com a sensação difusa de que “há algo errado”. A política, nesse registro, deixa de operar no plano da evidência e passa a funcionar no plano da percepção. Aparência vira indício, indício vira culpa moral, e culpa moral, quando reiterada, transforma-se em senso comum. É assim que se constrói uma derrota antes mesmo da disputa eleitoral começar.

Esse tipo de operação não nasce do acaso nem da indignação espontânea. Ele emerge de um cálculo estratégico: identificar um ponto sensível do sistema político, inserir um elemento ambíguo e mantê-lo em circulação contínua. A ambiguidade é essencial, porque impede o fechamento do debate. Enquanto não há conclusão, o ruído permanece ativo. Enquanto o ruído permanece ativo, a bomba segue armada.

O erro recorrente do campo progressista, diante desse tipo de ofensiva, é tratar cada novo episódio como um fato desconectado, reagindo de forma fragmentada e defensiva. Essa postura ignora a dimensão estrutural do ataque. A extrema-direita, nacional e internacional, já demonstrou compreender que a disputa contemporânea não se decide apenas no campo programático ou econômico, mas sobretudo no terreno moral, onde a erosão simbólica precede a derrota política.

É precisamente por isso que o debate atual não pode ser lido como uma crise conjuntural. Ele faz parte de uma estratégia de longo curso, típica das guerras híbridas do século XXI, nas quais a informação, a ética e a confiança institucional são transformadas em armas. Quem não reconhece essa dinâmica corre o risco de disputar 2026 com o campo minado já armado sob os próprios pés.

Se o progressismo insistir em reagir apenas ao barulho do dia, sem compreender o desenho mais amplo da operação, chegará tarde demais ao momento decisivo. A bomba não precisa explodir. Basta continuar ali, silenciosa, moldando percepções, até que o dano esteja consumado.

O deslocamento do ataque: de Lula para o STF

Quando um projeto político mantém lastro social, estabilidade institucional e reconhecimento internacional, o ataque direto tende a perder eficácia. É exatamente esse o cenário do presente. Diante da dificuldade de atingir Lula frontalmente, a extrema-direita reorganiza sua ofensiva e desloca o foco para o Supremo Tribunal Federal, o principal eixo institucional de contenção do autoritarismo no Brasil contemporâneo.

Esse deslocamento não é improvisado. Ele responde a uma leitura correta do tabuleiro político. O STF não é apenas uma corte; é um pilar simbólico e material da ordem democrática. Enfraquecer sua legitimidade equivale a fragilizar todo o sistema de freios e contrapesos que impede a escalada golpista. Ao atacar o Supremo, ataca-se o governo sem citá-lo diretamente, cria-se instabilidade sem assumir o custo político de confrontar um presidente popular e prepara-se o terreno para a contestação futura do processo eleitoral.

A personalização do ataque em um ministro específico cumpre uma função instrumental. Ao reduzir o STF a um rosto, a um apelido, a uma caricatura, a extrema-direita simplifica o conflito e facilita sua circulação no imaginário social. O objetivo não é discutir decisões, fundamentos jurídicos ou o papel constitucional da Corte. O objetivo é transferir a desconfiança de um indivíduo para a instituição como um todo. Uma vez corroída a confiança no Supremo, qualquer decisão futura passa a ser percebida como suspeita, política ou ilegítima.

Essa operação é especialmente perigosa porque explora um paradoxo histórico do progressismo brasileiro. Ao longo das últimas décadas, setores democráticos passaram a defender o STF como última trincheira contra o autoritarismo. Essa defesa foi, em muitos momentos, necessária. Mas ela criou um terreno sensível: qualquer ataque ao Supremo tende a provocar uma reação defensiva automática, muitas vezes emocional e personalista. É exatamente essa reação que a extrema-direita espera provocar.

O deslocamento do ataque, portanto, não busca apenas enfraquecer o STF. Ele busca forçar o campo progressista a cometer erros estratégicos, empurrando-o para uma defesa acrítica que confunde instituição com indivíduo e princípio com blindagem. Quando isso acontece, a bomba semiótica se desloca novamente, agora para o colo do governo Lula e de sua base política, que passam a ser associados à ideia de conivência moral.

Do ponto de vista da guerra informacional, trata-se de uma manobra elegante. Ao invés de enfrentar Lula no campo econômico, social ou geopolítico, onde o governo ainda acumula vantagens, a extrema-direita escolhe o terreno da ética difusa, da suspeição permanente e da deslegitimação institucional. É um ataque indireto, mas profundamente eficaz, sobretudo em contextos pré-eleitorais.

Ignorar esse deslocamento é um erro grave. Respondê-lo de forma instintiva, sem método, é ainda pior. Compreender o movimento é o primeiro passo para neutralizá-lo. O segundo é recusar a armadilha da personalização e reconduzir o debate ao plano institucional, onde a defesa da democracia se faz com regra, transparência e maturidade política.

Ética não é penal: a distinção que decide a disputa

A disputa central que está sendo travada neste momento não é jurídica, mas semântica e política. A extrema-direita aposta deliberadamente na confusão entre ética e penal, porque sabe que esse embaralhamento produz efeitos rápidos e profundos no imaginário social. Onde não há crime comprovado, cria-se a sensação de crime. Onde não há condenação, instala-se a culpa moral. É assim que a suspeita passa a operar como sentença.

Essa técnica não é nova. Ela se apoia em um mecanismo elementar da política contemporânea: a substituição do devido processo pela percepção pública. Ao deslocar o debate para o campo moral difuso, a extrema-direita evita o terreno mais difícil da prova, da materialidade e da responsabilização jurídica. Em seu lugar, promove um tribunal permanente da opinião, no qual a simples associação simbólica já basta para produzir desgaste.

É fundamental ser claro. Até o momento, o que existe situa-se no campo ético, não no penal. Ética diz respeito a padrões de conduta, conflitos de interesse, governança e aparência de imparcialidade. Penal diz respeito a crime, tipificação, investigação formal e condenação. Confundir esses planos não é ingenuidade; é método. E é exatamente essa confusão que alimenta a bomba semiótica armada para 2026.

O campo progressista comete um erro grave quando reage a essa ofensiva tentando provar, de imediato, a inexistência de crime. Ao fazer isso, aceita implicitamente o enquadramento adversário e reforça a ideia de que o debate é criminal. Com isso, abandona o terreno onde ainda possui vantagem estratégica: o da discussão institucional madura sobre ética pública.

Pior ainda é quando parte da esquerda, movida por reflexo defensivo, trata qualquer questionamento ético como ataque ilegítimo ou perseguição política. Essa postura não protege a democracia. Ao contrário, ela alimenta a narrativa adversária de que haveria uma elite institucional blindada, imune a padrões éticos exigidos do restante da sociedade. É nesse ponto que a extrema-direita ganha tração popular, mesmo sem provas.

Pelo farol do materialismo histórico-dialético, a ética não é uma abstração moral, mas uma forma histórica de legitimação do poder. Instituições só se sustentam quando são percebidas como legítimas, e a legitimidade, em sociedades complexas, depende tanto da legalidade quanto da coerência ética. Ignorar essa dimensão é abrir mão da disputa pela hegemonia.

Manter a distinção clara entre ética e penal não significa relativizar problemas nem interditar investigações. Significa, ao contrário, qualificar o debate, impedir a criminalização sem provas e recolocar a política no plano da racionalidade institucional. Quem perde essa distinção perde a narrativa. E quem perde a narrativa, em tempos de guerra informacional, perde antes mesmo da eleição começar.

Se a esquerda quiser se proteger dos ataques que virão, precisa compreender que a defesa da democracia passa, hoje, por disputar o significado da ética pública. Não como blindagem de indivíduos, mas como compromisso com regras, transparência e responsabilidade institucional. Esse é o único terreno onde a extrema-direita não consegue vencer sem recorrer ao autoritarismo explícito.

A armadilha da defesa ideológica automática

Um dos efeitos mais destrutivos da guerra informacional contemporânea é induzir o adversário ao erro por reflexo. No campo progressista, esse erro assume uma forma recorrente: a defesa ideológica automática, imediata, personalista e emocional diante de qualquer ataque que envolva instituições centrais da democracia. Essa reação, embora compreensível, é estrategicamente desastrosa.

Ao responder de forma instintiva, parte da esquerda abandona o terreno da análise e passa a operar no registro da lealdade. O debate deixa de ser sobre padrões éticos, governança e legitimidade institucional e se converte em um jogo binário: defender ou atacar. Essa lógica simplificadora é exatamente a que a extrema-direita precisa para avançar sua narrativa moralizante. Quando o progressismo reage assim, ajuda a colar a imagem de que existe uma elite política e institucional imune a qualquer escrutínio.

O problema não está em defender a democracia ou as instituições. O problema está em confundir defesa institucional com blindagem acrítica. Quando toda crítica ética é imediatamente rotulada como perseguição ou conspiração, o campo progressista perde autoridade moral. E autoridade moral, em contextos de disputa hegemônica, é um recurso tão decisivo quanto votos ou coalizões.

Essa armadilha é ainda mais grave porque desloca a bomba semiótica para um novo alvo. A partir do momento em que a esquerda assume uma postura de defesa incondicional, a extrema-direita passa a enquadrar o episódio como prova de cumplicidade sistêmica. O ataque deixa de ser contra um ministro ou uma instituição específica e passa a atingir o governo Lula e sua base política, apresentados como fiadores de um suposto duplo padrão ético.

Do ponto de vista do materialismo histórico-dialético, esse movimento revela uma inversão perigosa. A ética deixa de ser tratada como uma mediação histórica entre Estado e sociedade e passa a ser instrumentalizada como identidade. Quando isso acontece, a política se empobrece, o debate se moraliza e a luta por hegemonia é substituída por uma disputa de narrativas desancorada da realidade material.

A defesa ideológica automática também impede a construção de uma posição política madura. Ela bloqueia a possibilidade de dizer algo simples e poderoso: investigar é legítimo, questionar é legítimo, aprimorar regras é necessário. Ao interditar esse caminho, a esquerda se coloca na defensiva permanente e entrega à extrema-direita o monopólio do discurso ético, ainda que esse discurso seja cínico e instrumental.

Se o campo progressista quiser atravessar 2026 sem repetir erros do passado, precisa abandonar o reflexo da trincheira cega e adotar uma postura estratégica. Isso significa defender instituições sem personalizá-las, reconhecer tensões éticas sem criminalizá-las e responder à guerra informacional não com indignação, mas com método. Fora disso, toda defesa vira armadilha, e toda armadilha, cedo ou tarde, cobra seu preço político.

Ética como disputa histórica de legitimidade — o farol do materialismo histórico-dialético

Para compreender a profundidade do conflito em curso, é preciso abandonar a leitura moralista da ética e recolocá-la em seu devido lugar histórico. Pelo farol do materialismo histórico-dialético, a ética não é um conjunto abstrato de virtudes individuais nem um código eterno de conduta. Ela é uma forma histórica de legitimação do poder, construída socialmente e permanentemente disputada pelas classes e pelos projetos políticos em conflito.

Em momentos de estabilidade, a ética tende a operar de modo silencioso, quase invisível, sustentando a confiança nas instituições. Em momentos de crise, ela emerge como campo central de batalha. É exatamente isso que estamos vivendo. A extrema-direita compreendeu que, incapaz de vencer a disputa material no curto prazo, pode corroer a legitimidade do sistema pelo flanco ético, transformando a desconfiança em método político.

Essa operação só funciona porque a ética, diferentemente do direito penal, não exige prova cabal para produzir efeitos. Ela se move no terreno da percepção, da coerência simbólica e da confiança pública. Quando esse terreno é abandonado pelo campo progressista, abre-se um vazio que será imediatamente ocupado por narrativas reacionárias, moralistas e autoritárias, apresentadas como “indignação popular” ou “clamor ético”.

O erro histórico da esquerda, nesses momentos, é tratar a ética como um problema secundário, algo a ser resolvido apenas pelo funcionamento formal das instituições ou pelo resultado econômico das políticas públicas. Essa leitura ignora que a hegemonia não se sustenta apenas pela capacidade de governar, mas pela capacidade de produzir sentido, isto é, de oferecer à sociedade uma narrativa crível sobre justiça, legitimidade e responsabilidade.

Disputar a ética, portanto, não significa aderir ao moralismo. Significa reconhecer que toda ordem política precisa justificar-se continuamente diante da sociedade. Quando o progressismo abdica dessa disputa, deixa de falar com a maioria social e passa a dialogar apenas consigo mesmo, enquanto a extrema-direita ocupa o espaço da moralidade pública com discursos simplificados, ressentidos e falsamente regeneradores.

É nesse ponto que o materialismo histórico-dialético oferece uma chave decisiva. A ética não deve ser defendida como pureza, mas como processo histórico, regulado por regras, instituições e mecanismos de controle social. É por isso que a resposta estratégica não pode ser a negação do problema nem a sacralização de indivíduos, mas o fortalecimento consciente das mediações institucionais que produzem legitimidade.

Ao recolocar a ética nesse plano, o campo progressista retoma a iniciativa política. Ele deixa de reagir ao ataque e passa a definir os termos do debate. Mais do que se defender, passa a reorganizar a hegemonia, mostrando que a democracia não teme o escrutínio, mas o incorpora como condição de sua própria sobrevivência.

Sem essa compreensão histórica da ética, qualquer defesa se tornará frágil e qualquer ataque encontrará terreno fértil. Com ela, a extrema-direita perde sua principal arma simbólica: a capacidade de se apresentar como única voz moral em um cenário de crise.

Prebunking: a única resposta possível na guerra informacional

Se a extrema-direita opera antecipando narrativas, armando suspeições e preparando o terreno cognitivo da sociedade para 2026, insistir em uma comunicação reativa é aceitar a derrota por exaustão. A guerra informacional não é vencida desmentindo boatos depois que eles se consolidam, mas inoculando o público antes que a desinformação ganhe tração. É isso que a literatura estratégica chama de prebunking.

Prebunking não é propaganda, tampouco manipulação. É defesa cognitiva coletiva. Trata-se de apresentar previamente os mecanismos do ataque, expor sua lógica e oferecer ao público as chaves de leitura necessárias para reconhecer a operação quando ela se manifesta. Quando a sociedade entende o método, a eficácia do golpe diminui drasticamente.

No caso atual, o prebunking exige uma mudança radical de postura do campo progressista. Em vez de reagir a cada nova manchete com indignação ou negação, é preciso estabelecer um enquadramento estável, repetido com disciplina, que organize a percepção social. Esse enquadramento precisa ser simples, verdadeiro e politicamente maduro: há uma questão ética em debate, ela não se confunde com crime, deve ser tratada com transparência institucional e resolvida por meio de regras claras que protejam a democracia.

Essa antecipação retira da extrema-direita o monopólio da moralidade. Quando o progressismo se adianta e afirma que padrões éticos elevados são indispensáveis ao funcionamento do Estado, neutraliza a acusação de conivência antes mesmo que ela se forme. Mais do que isso, transforma o ataque em oportunidade de fortalecimento institucional, deslocando o conflito do plano da suspeição para o plano da governança.

O prebunking também cumpre uma função pedagógica. Ele ensina a sociedade a distinguir crítica legítima de operação política, ética de penal, investigação de linchamento simbólico. Ao fazer isso, eleva o nível do debate público e reduz o espaço para narrativas simplificadoras e autoritárias. Em um ambiente de alta polarização, essa elevação do debate é, em si, um ato político de resistência democrática.

Ignorar o prebunking é repetir um erro histórico. A esquerda brasileira já pagou caro por acreditar que a verdade factual, por si só, seria suficiente para vencer disputas narrativas. Não foi. Em contextos de guerra híbrida, quem controla o enquadramento controla o resultado. A verdade precisa ser organizada, comunicada e antecipada, sob pena de se tornar irrelevante diante da força da suspeição.

Adotar o prebunking como método central de comunicação não é uma escolha estética, mas uma necessidade estratégica. Ele permite sair da defensiva, proteger o governo Lula sem personalizar a defesa, preservar o STF como instituição e, sobretudo, inocular a sociedade contra a manipulação ética que visa deslegitimar as eleições de 2026.

O pacote de ação: como o campo progressista deve agir agora

A disputa que está se abrindo não será vencida com indignação, nem com silêncio, nem com defesa personalista. Ela exige método, disciplina e maturidade política. Se o objetivo da extrema-direita é sequestrar a narrativa da ética e transformar suspeição em senso comum até 2026, o campo progressista precisa agir imediatamente para impedir que essa bomba semiótica permaneça armada. Isso passa por um pacote de ação claro, repetível e institucionalmente sólido.

O primeiro movimento é assumir o terreno ético sem medo e sem moralismo. Isso significa dizer com todas as letras que ética pública é um valor democrático e que qualquer questionamento ético legítimo deve ser tratado com transparência, seriedade e padrão institucional. Ao fazer isso, o progressismo retira do adversário a pose cínica de guardião da moral e recoloca a ética em seu lugar correto: não como espetáculo de linchamento, mas como mecanismo de legitimidade do Estado.

O segundo movimento é fixar, com disciplina, a distinção que decide a disputa: ética não é penal. Não se trata de negar investigações nem de blindar ninguém. Trata-se de impedir a criminalização sem prova e a manipulação de percepções. O campo progressista precisa repetir, incansavelmente, um enquadramento simples: se há questões éticas, que sejam tratadas no plano ético com governança e regra; se houver indícios concretos de ilegalidade, que o devido processo funcione. Essa clareza corta o combustível da suspeição permanente.

O terceiro movimento é recusar a armadilha da defesa automática. Defender o STF como instituição não implica defender condutas específicas nem transformar ministros em símbolos intocáveis. A defesa institucional madura é justamente aquela que fortalece padrões, cobra transparência e exige aprimoramento de regras. A extrema-direita prospera quando consegue forçar a esquerda a escolher entre blindagem e destruição. A saída estratégica é uma terceira via: proteger a instituição elevando seus padrões, não sacralizando indivíduos.

O quarto movimento é transformar a crise em agenda propositiva. O progressismo deve defender mudanças concretas de governança no Judiciário, especialmente em matéria de transparência, impedimento e gestão de potenciais conflitos de interesse. É aqui que a inoculação se torna poderosa. Quando o campo democrático propõe regra, ele muda a conversa. Ele sai da defensiva e passa ao ataque institucional, mostrando que quem quer fortalecer a democracia não teme o debate ético, mas o organiza de modo responsável.

O quinto movimento é incorporar o prebunking como método permanente. Isso exige uma comunicação orientada por disciplina narrativa, com mensagens estáveis, sem improviso e sem pânico. A sociedade precisa ser preparada para reconhecer a operação quando ela aparecer em novos capítulos, novas manchetes e novas CPIs. O progressismo deve antecipar a lógica do ataque, expor o método do adversário e oferecer ao público as chaves para não confundir suspeição com prova e moralismo com justiça.

Por fim, é preciso compreender a dimensão histórica do momento. A ética, hoje, é o terreno decisivo da hegemonia. Quem abandonar esse campo entregará à extrema-direita a possibilidade de reescrever o sentido de legitimidade pública e, com isso, contaminar o processo eleitoral de 2026 com um regime de desconfiança fabricada. A tarefa do campo progressista é impedir essa captura. Não com fé cega, mas com inteligência política. Não com reação, mas com método. Não com espetáculo, mas com regra.

Se a esquerda quiser atravessar 2026 sem ser esmagada por uma narrativa moralizante construída por dentro e por fora do país, precisa agir agora. A maturidade política, neste ciclo, não será um luxo. Será a linha que separa a preservação da democracia de mais um colapso produzido pela guerra informacional.

Conclusão

A guerra de 2026 já começou, e ela não será decidida apenas nas urnas, mas muito antes, no terreno da ética e da confiança pública. Quem permitir que a extrema-direita confunda ética com crime, crítica com linchamento e instituição com indivíduo chegará à disputa eleitoral derrotado no plano simbólico. O campo progressista precisa compreender que defender a democracia hoje significa disputar a legitimidade com método, antecipação e maturidade histórica. A ética não pode ser abandonada nem moralizada. Ela deve ser organizada, institucionalizada e defendida como aquilo que sempre foi: um campo central da luta pela hegemonia. Quem não entender isso agora não perderá apenas a narrativa. Perderá o futuro. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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