Ainda que em cela diferenciada, Bolsonaro conhecerá por dentro o horror das cadeias brasileiras
Bolsonaro viverá algum tempo muito perto do horror extremo do qual nunca quis poupar os “bandidos”
Podem-se desenhar diferentes retratos do Brasil, mas nenhum será tão cruel quanto o do seu sistema carcerário, depósito de seres humanos desafortunados, pobres e pretos em absoluta maioria. À emblemática chacina do Carandiru, em 1992, quando 111 detentos foram mortos, seguiram-se muitos outros casos de rebelião, confrontos entre facções e ações policiais de contundentes a desproporcionais, frutos de um modelo de horror que vive sob o risco permanente de explosão violenta.
É esse sistema cruel que aguarda Jair Bolsonaro, um criminoso que, quando presidente da República, nada fez para amenizar a desumana situação e chegou a sugerir que, na falta de vagas, amontoassem-se os presos. Registre-se que a Lei de Execução Penal estabelece que o espaço mínimo destinado a cada preso deve ser, no mínimo, de seis metros quadrados – o que só acontece no caso de presos em condições especiais.
O capitão golpista estará sujeito às adversidades comuns às rebeliões no sistema prisional, sempre iminentes. Rememoremos algumas. O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, foi palco de uma rebelião em 2010 por melhores condições que resultou em 18 mortes. Em 2013, um conflito entre facções deixou na mesma prisão nove pessoas mortas, num acontecimento de brutalidade ainda sem par, com cenas de decapitação e canibalismo. Em 2017, na Penitenciária de Alcaçuz, Rio Grande do Norte, uma briga entre membros do PCC e do Sindicato do Crime terminou com 26 mortos.
Há muitos outros eventos recentes do gênero, como aquele em que 33 pessoas morreram na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, no ano de 2017; o ocorrido no Centro Penitenciário de Recuperação do Pará, em 2018, com 22 mortos; e o do Complexo Prisional Aníbal Jobim (Compaj), em Manaus, que resultou em 15 detentos mortos em 2019.
Uma vez na Papuda, seu provável destino, Bolsonaro fará parte de uma das “escolas do crime” nacionais, como são conhecidos os presídios. Se não forem isso, são lugares onde a pessoa perde completamente sua autoestima, sua cidadania, seu sentido histórico de viver. Locais onde o ser humano é aniquilado. O ex-presidente poderá invocar os direitos humanos em seu benefício, contrariando tudo que já disse sobre essa bandeira civilizatória.
A política do encarceramento em massa é um câncer brasileiro. Concretiza-se, em parte, por causa do abandono da investigação criminal, esta decorrente do enfraquecimento da Polícia Civil. Como nos disse há alguns anos o jornalista e escritor Bruno Paes Manso, “em vez de se estudar a indústria do crime, aposta-se basicamente no patrulhamento ostensivo nos bairros mais pobres”. Um ex-presidente da República agora deverá conhecer o problema a fundo. “A própria força do PCC e de outras facções é um efeito colateral do excesso de encarceramento”, disse-nos Paes Manso. Na realidade, as penitenciárias funcionariam em regime de “autogestão” pelos próprios presos. “O sistema fortalece os chefes de gangues. O comando do crime organizado vem de dentro dos presídios”, apontou.
Falta de saneamento básico, ventilação precária, umidade excessiva a favorecer o desenvolvimento de doenças. Infestação por pragas - ratos, insetos- e falta de itens de higiene pessoal. Racionamento ou acesso muito limitado à água para beber, lavar ou usar banheiro. Em alguns presídios, internos têm de usar baldes ou recolher água várias vezes por dia. Assistência médica insuficiente: clínicas prisionais são subdimensionadas, há falta de medicamentos e dificuldade logística para levar detentos a hospitais. Altíssima incidência de doenças infecciosas: segundo a ONG Conectas, muitas mortes nos presídios são causadas por doenças provocadas ou agravadas pelas condições das celas. Não são raros os relatos de tortura, espancamentos e abusos cometidos por agentes penitenciários e pelos próprios presos.
Crê-se que Jair Bolsonaro não estará sujeito a tudo isso, preservado que deverá ficar contra as monstruosidades mais radicais do sistema prisional. De todo modo, viverá algum tempo muito perto do horror extremo do qual nunca quis poupar os “bandidos”.
Importante assinalar que o governo Lula lançou o Plano Pena Justa, iniciativa conjunta do Ministério da Justiça do Conselho Nacional de Justiça, enumerando 51 ações e 306 metas até 2027, focadas em sanar problemas de superlotação, infraestrutura, reintegração social e fortalecimento da atuação estatal nos presídios. Aos olhos do colunista, parece algo um tanto quanto tímido, face ao horror que predomina no sistema carcerário.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



